Quando comecei a escrever para revistas, em abril de 2000, fiz-me duas perguntas: o que pretendo com essas crônicas? E a quem eu quero me dirigir?
Na verdade, eu demorei um bom tempo para descobrir as respostas, porquanto eram muitas! Precisei, por exemplo, atingir 74 anos de idade e estar feliz com isso. Ter alcançado 35 anos numa vitoriosa carreira no magistério, onde aprendi bem mais do que ensinei. Talvez, também tenha sido necessário consumar dois casamentos maravilhosos, muito embora sentisse falta do filho que só veio no terceiro casamento… Ainda bem! No entanto, a maior razão para eu escrever é acreditar que tenha algo a dizer para alguém. Sem o quê, convenhamos, nada disso teria sentido!
No fundo, eu creio que o que me move na direção da literatura é a grande oportunidade de fazer as minhas ‘expiações’. Tão somente! Ou seja, enfiar a mão na ‘caixa-preta’ da memória afetiva e retirar de lá o que puder… e souber. Desse modo, ao revisitar antigos episódios, quem sabe eu possa renovar os laços que estão no presente?! O mais importante é convidar o leitor a fazer uma longa “viagem” comigo.
Quando me disponho a escrever, fico imaginando que há nesse “mundo mundo vasto mundo”* alguém que deseja se identificar nas minhas histórias. E dizer: eu também sinto isso! Ou, então, quem sabe, eu apenas queira ouvir de alguém: você me tocou! Seria sinal de que o texto valera a pena!
Nas minhas crônicas há um aspecto bem marcado: opto sempre pela primeira pessoa do singular. Porquanto é mais íntimo e convidativo. Com isso, quebra-se o constrangimento, estabelece-se a tácita cumplicidade e o ‘rapto’ é concedido afinal.
As crônicas pretendem desencadear no leitor alguns desejos. De modo óbvio, o de “embarcar” na história. E logo a seguir, o de refletir sobre o “em volta” dela. Isso porque, as crônicas raramente falam sobre o cinema ou o jazz de forma direta. Muito ao contrário, são os filmes e os discos que pegam carona no texto, como pano de fundo. Ou alavanca.
Os artigos são destinados a um público ávido por informações: às criaturas que ao fazerem uso de uma leitura rápida e instigante possam ter um entretenimento agradável. Como professor, sei bem que a pior coisa que uma pessoa gosta de ouvir é: “você não entende disso”. Sendo assim, sempre tive o cuidado de não ferir ninguém ou me mostrar arrogante. Até porque, convenhamos: o conhecimento é algo para ser repartido, socializado e difundido. E, sempre que possível, sem cerimônias!
O escritor tem a obrigação de seduzir o leitor. Primeiro para que o leia. Depois, para que tome gosto pela leitura. Mas, acima de tudo, para que se sinta tentado a prosseguir nesse maravilhoso caminho.
Um grande abraço a todos e boa diversão!
(*Carlos Drummond de Andrade: “Mundo mundo vasto mundo, / se eu me chamasse Raimundo / seria uma rima, não seria uma solução. / Mundo mundo vasto mundo, / mais vasto é o meu coração.”)
« Quando me disponho a escrever, fico imaginando que há nesse “mundo mundo vasto mundo”( Carlos Drummond de Andrade), alguém que deseja se identificar nas minhas histórias. E dizer: eu também sinto isso! Ou, então, quem sabe, eu apenas queira ouvir de alguém: você me tocou! Seria sinal de que valera a pena! » (Carlos Holbein Antunes de Menezes)
Bom dia, Carlos Holbein Reagindo ainda ao teu comentário e continuando o que eu te dizia no comentário que me trouxe aqui, eu precisei saber se tu eras professor. Tinha isto na lembrança, mas a memória às vezes prega peças, né ? Daí, vindo ver na tua página, eu dei com uma crônica que me trouxe finalmente ao teu blog: agradável surpresa, e a esta crônica com a qual eu me identifiquei, demais. No sentido das questões que me despertam interesse, às vezes grande interesse. Uma delas, dentro do grande interesse pela alma humana, na perspectiva da linguagem com que Freud e Lacan a tratam, eu ando atualmente bastante interessada pela releitura e eu diria mesmo revolução que a leitura lacaniana do estágio do espelho de Wallon, através do desejo na « existência do sujeito », por Hegel. É ! Bem fórmula 1, o itinerário aqui, do « Penso logo existo » que teria inspirado (ouvi em conferências, não fiz minha própria pesquisa) esta elaboração deste estágio do espelho de Henri Wallon. Lacan se inspira (toma inspiração a partir…) da questão do desejo, e do outro (que na experiência do espelho é quem a presenta a criança a ela mesma), para dizer que é necessário um outro, para que o « um » que se olha no espelho desvie olhos e ouvidos de sua própria imagem, se volta para o outro, percebe que não é só no mundo, e sinta ali, através do desejo do desejo do outro, que ele ou ela, existe.
É o que você diz sobre o que te move quando tu escreves tuas crônicas. E é o que eu vinha te perguntar, supondo que tu fosses professor. É sobre um fato que me acontecia demais, na minha experiência de ensino, de em respondendo a uma pergunta de um aluno, eu soltar uma explicação perfeitamente elaborada, a ponto de o que eu dizia me surpreender a mim mesma, como se eu mesma não soubesse que eu sabia aquilo.
Eu pensava te perguntar se eras professor, e se terias tido como eu esta experiência de que eu nunca tinha falado com outros professores. São experiências, a minha como a tua no teu trabalho de « escritura », que nos dizem do que a psicanálise coloca como essencial, fundamental mesmo na existência do ser humano enquanto humano : o outro, que não eu : a alteridade, através da linguagem.
É disto que trata o artigo do Chaumon de que eu copiei na minha página, um curto parágrafo, enfim, na minha leitura do texto : o de se convidar o outro, seu paciente, no caso do psiquiatra, seu destinatário, no caso das tuas crônicas, seu aluno, no caso da minha aula, a dizer sua palavra, que abre espaço de discurso, para o outro como para si mesmo.
Com minha amizade,
Nilce Furtado-Geoffroy
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