Memórias: relembrando as andanças em Maceió – Parte 2 / 3.

Dia 12 de Junho

Por certo que um mestrado ou doutorado é algo significativo na vida de qualquer criatura. Afinal, o conhecimento é a grande conquista da humanidade.

No entanto, existe um outro bem a ser adquirido: o saber viver! E esse, convenhamos, não está disponível em nenhum livro, universidade ou coisa semelhante. Porquanto somente a vida e a sensibilidade podem “presentear” o cidadão com tal atributo.

Ao se viajar por esse mundão de “Meu Deus”, nós temos a grande oportunidade de aprendermos com essa sábia gente. E o que eles nos ensinam, meus amigos, é que a vida pode ser leve, livre e plena…
Coisa linda!

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Dia  13  de  Junho

Eu não posso esconder a emoção que tomou conta de mim ao contratar um passeio ao Velho Chico. Céus! Para um cearense como eu, acostumado a ouvir durante toda infância sobre a importância do rio redentor, isso equivale a receber a “alforria” contra o jugo da impiedosa seca…

Portanto, na sexta-feira, véspera do nosso retorno a Floripa, nós teremos a oportunidade de sermos apresentados ao emblemático rio.

E se o poeta Fernando Pessoa soube louvar o rio de sua aldeia, o fabuloso Tejo, então, por certo, nós temos a obrigação de celebrar o rio que alimenta as esperanças do nosso povo.

Sendo assim, eu peço a sua permissão, velho companheiro.

Abençoado seja!

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Memórias: relembrando as andanças em Maceió – Parte 1 / 3.

DIA 11 DE JUNHO

No dia de ontem nós fizemos um passeio no centro histórico na parte da manhã e na parte da tarde, fomos a Praia do Francês. Já hoje, o dia foi dedicado para conhecermos a Rota das Lagoas. Embarcamos a bordo de um catamarã, rodeamos as sete ilhas e paramos para almoçar um camarão no Píer ZERO 8, no encontro da Lagoa Mundaú com o mar. Que lugar aprazível… É coisa dos deuses!

Maceió é um lugar fora do mundo…

Poucas vezes eu vi uma cidade tão bonita quanto hospitaleira. Eta povo feliz!

Ontem fomos jantar na “Bodega do Sertão”. Meu Deus, que comida deliciosa… e até a “cartola” tinha na sobremesa!

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DIA 12 DE JUNHO

De uma coisa eu tenho certeza: se existem “outras vidas”, seguramente, eu já vivi em Maceió. E ao que tudo indica, eu era feliz, muito feliz nesse lugar. Lá, isso era.

Hoje nós fomos conhecer a Praia do Gunga e a Lagoa do Roteiro. Meus amigos, podem acreditar: o lugar é um verdadeiro sonho. Daqueles em que a gente não tem vontade que se acabe!

Da maravilhosa moqueca servida sorridentemente pela Rose, que nos atendeu com extrema cortesia. Do passeio de catamarã pela Lagoa do Roteiro ao forró que escutamos durante todo percurso, fazendo com que não ficássemos parados dentro do barco… enfim, um passeio perfeito!

E para finalizar esse dia maravilhoso, iremos agora assistir ao espetáculo de humor “Em algum lugar do cangaço”. Por certo será divertido.

Até amanhã, meus amigos!

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Disco: “Blues dream”, com Bill Frisell.

É… sei bem, meus amigos. Têm dias que as coisas desandam mesmo. A gente pode jogar uma moeda para alto e dizer que, ao cair, vai dar cara ou coroa… e não é que a infeliz cai em pé?! Paciência, fazer o quê? O jeito é tocar em frente. Então, movido por esse sentimento ou “presságio”, eu resolvi dar uma olhadinha nas boas lojas de discos. Veria as novidades e, assim, amenizaria o dia que estava brabo… Opa! Logo de cara, eu bati os olhos neste disco, “Blues dream”, do tal de Bill Frisell (confesso que nunca ouvira falar dele!). A minha amiga Lenara, dona da loja e sabedora do meu gosto musical, veio logo com provocações: “Carlos, este CD aqui tem a sua cara e, por certo, você vai querer comprar!”

Caramba, eu já ando mais “pendurado” do que cabide velho e ela, ainda por cima, diz que custa a “bagatela” de R$57,00… Pode isso, “Arnaldo”?!

Bem… como eu sou um camarada “supersticioso”, achei que se não comprasse o famigerado disco, poderia me ocorrer algo pior durante o dia…. Sabe como é?! Acabei levando o disco. Olha, meus amigos, ainda bem que eu comprei, pois o CD é uma maravilha: “blues” da mais alta qualidade. Suingue puro!

Aí, eu estava no caixa para pagar o disco e, ao meu lado, um sujeito dizia: “Olha aí, pessoal, o governo está anunciando uma redução de R$ 4,00 no salário mínimo. Porém, para compensar, diz também que a gasolina subirá para R$ 4,26 o litro. Além disso, tem o reajuste do…”

Céus, eu nem quis ouvir a última notícia. Corria o risco de infartar ali mesmo sem, ao menos, ouvir o “precioso” CD!

E afinal, pode isso, “Arnaldo”?!

https://www.youtube.com/watch?v=S8CN5_YUn30

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Memórias: a grande América e o Velho Chico.

Ontem nós chegamos em Florianópolis, depois de oito maravilhosos dias em Maceió. Ah, meus amigos, foram dias inesquecíveis naquela encantada cidade. Aliás, quero deixar aqui os nossos agradecimentos, pois tivemos o privilégio de visitarmos lugares mágicos.
No entanto, sem dúvida alguma, foi navegando no Velho Chico que nós vivemos os nossos melhores momentos. Sim! Em determinadas ocasiões, confesso, eu tinha a nítida impressão de que minha querida mãe, Francisca Jarina, tomava as minha mãos para me apresentar àquele rio…
Isto porque, vejam vocês, curiosamente minha mãe e seus seis irmãos também se chamavam Franciscos: Aírton, Zuleika, Roberto, Ivone, Osvaldo e José. Todos nordestinos. Todos Franciscos!
Talvez por isso, quem sabe, eu tenha recebido tantas energias oriundas daquele encantado rio. Mais do que isso; sinto que ele abençoou a minha nova família: Zelândia, minha esposa e o meu querido filho Gabriel, pois todos também sentiram fortes emoções no passeio.
Em um dado momento, a bordo do catamarã, o guia fez uma comovente saudação de agradecimento ao Velho Chico e colocou, como trilha sonora, uma belíssima melodia de Vangelis, tema do filme “1492: A Conquista do Paraíso”. E eu, como um bom cinéfilo, fiquei tomado de emoção ao me lembrar da cena da chegada da expedição de Colombo ao aportar na ilha de São Salvador. A partir daí, sabemos, dá-se início ao impiedoso massacre dos índios e colonos, retratado por meio das fortes cenas que o imaginário de Ridley Scott construiu com talento e determinação.
A América precisou pagar um alto preço pela sua “descoberta”. Espero que não ocorra o mesmo ao nosso Velho Chico. Afinal, ao alegarem que a famigerada “transposição das águas” ou a construção da hidrelétrica beneficiariam centenas de cidades, no fundo, corremos o risco de “sacrificar” as águas e os peixes que ali estavam…
Vida longa ao São Francisco. Viva o Velho Chico!

Memórias: Velho Chico, o rio da minha aldeia!

Ufa… após sete dias de passeios, guardamos a visita ao “Velho Chico” como fecho de ouro.
E, de fato, pude confirmar o que as minhas emoções apontavam: a magia que circunda cada passo, cada olhar e cada mergulho no abençoado rio. Lembrei-me intensamente da canção de Caetano Veloso, magistralmente interpretada por Geraldo Azevedo, intitulada “O ciúme”.
“…Juazeiro, nem te lembras dessa tarde / Petrolina, nem chegaste a perceber / Mas na voz que canta tudo ainda arde / Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê…”
Ah, meus amigos, o que eu posso dizer é que, após esse dia, eu não sou mais o mesmo Carlos Holbein de então… Alguma coisa se rompeu, ao mesmo tempo em que novos laços se formaram.
Não me peçam para explicar, pois não saberia!
O que sei é que ao ver aquele rio, ao conhecer a sua gente, ao sentir as suas águas banhando o meu corpo, eu me senti tão acolhido como o filho nordestino que retorna ao seu lugar.
Sei também que mesmo após tantos anos de terapia em busca do “meu lugar nesse mundo”, precisei mais uma vez reler Fernando Pessoa:
“Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia /
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia!”
Ah, meu poeta, só agora eu pude compreender a sua dor. Perdoe-me pela demora mas tive que aguardar 66 anos e um bocado de coisas vividas para, enfim, descobrir que eu também posso ter o meu rio: o meu Velho Chico!
“Tanta gente canta, tanta gente cala / Tantas almas esticadas no curtume / Sobre toda estrada, sobre toda sala / Paira, monstruosa, a sombra do ciúme!”

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Cinema: filme “Eu, Tu, Eles”, de Andrucha Waddington.

OS “DELITOS” DA SECA

Para aqueles que estão acostumados com a abundância de chuva, de comida o ano inteiro e algo a mais no horizonte além do verão escaldante, por certo, terão muitas dificuldades de compreender os caminhos e os meandros da vida do árido sertão brasileiro. Isto porque, convenhamos, a seca não castiga apenas o corpo, minha gente. Perversamente, ela castiga sobretudo a alma. Talvez, por isso, é que Euclides da Cunha tenha afirmado em seu extraordinário romance, “Os sertões”, que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte!”
O filme “Eu, tu, eles”, de Andrucha Waddington, é bem mais do que uma fiel crônica nordestina. Porquanto consegue efetuar com brilho e discrição a maior expiação que o sertão poderia resgatar: a dignidade daquela gente.
A ideia de filmar “Eu Tu Eles”, segundo o diretor do filme, surgiu a partir de uma reportagem sobre uma mulher que viveu anos sob o mesmo teto com seus três maridos. “Achei a história muito interessante, principalmente por ser a oposto do que geralmente acontece. É muito mais comum, nessas regiões, encontrar um “coronel” que tem mais de uma mulher. Senti vontade de investigar como uma mulher, em um país tão machista, conseguiu administrar esta situação”, diz o diretor.
Segundo Andrucha, “Eu Tu Eles” é um filme sobre seres humanos simples em uma situação considerada absurda, numa sociedade que não aceita a poligamia, sobretudo quando ela se inverte. Eu diria também que é um filme sobre as regras do jogo, e de como a vida apresenta novas regras todos os dias. Se as pessoas quiserem ser felizes, devem se adaptar às novas regras, mesmo que passem por momentos de muita angústia”.
Somente desse modo é que fica mais fácil entender o pedido de Osias a Darlene, quando diz: “Costume mais vezeiro: se for do seu agrado, a casa é sua. De minha parte, o acordo está feito. Qual vai ser a resposta?”
Pois é, meus amigos. Eis aí um grande desafio para os nossos olhares pouco ressequidos. Quem sabe se as razões de Darlene (Regina Casé) e os seus maridos, Osias (Lima Duarte), Zezinho (Stênio Garcia) e Ciro (Luiz Carlos Vasconcelos), acabem nos impondo novas e surpreendentes visões?! Principalmente, aquela que nos faz retirar a cabeça enterrada do avestruz que habita em nossa alma… teimosamente!

JAZZ: CD “The Brasil Project”, com Toots Thielemans.

Meus amigos, eu tenho algo a confessar: de todos os discos da minha coleção, este é o meu CD predileto. Céus… Só faltei “furar” o pobre coitado do disco de tanto ouvir! Pudera! A sinergia alcançada entre os músicos nesse encontro é algo simplesmente notável. Parecem até parceiros das velhas jam session lá do “Beco das Garrafas”, na Copacabana dos anos 60 e 70. Não acreditam?! Então, ouçam Dori Caymmi em “O Cantador”. Sintam a atmosfera que Chico Buarque criou em “Joana Francesa”. E se ainda assim não ficarem satisfeitos, então, eu apelo para “Fruta Boa” com o Milton Nascimento em “estado de graça”!

Aliás, faço aqui um “desafio”. Desliguem as luzes da sala (quem sabe, apenas um discreto abajur?). Acomodem-se no sofá, servindo-se do melhor “drink”. E, somente após o terceiro gole, ponham o disco no “player”. Amigos, podem acreditar: é o verdadeiro Nirvana! Sou capaz de apostar que vocês falarão até com os anjos…
Sim! E tem mais: tem Caetano nos mostrando o seu “Coração (nada) Vagabundo”. Tem Oscar Castro Neves em “Manhã de Carnaval”. E, como “pièce de resistence”, temos “Bluesette”. Aí, é covardia! Estão todos juntos em um fabuloso “happy end”, com o melhor de cada um. É só conferir!

https://www.youtube.com/watch?v=lmrkhSUmabs

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Memórias: “Uma história sem graça!”

Eu bem que havia dito ao terapeuta que isso me incomodava um bocado, apesar dos mais de quarenta anos decorridos. E aí, fazer o quê?! Pode ser que para as outras pessoas isso não tenha tanta importância… mas, para mim, que sofri na carne o sufoco… ah, deixa disso!

Verdade, meus amigos, é que nem sei porque relembro esse episódio. No fundo, penso eu, vira e mexe as lembranças voltam aos pensamentos quer queiramos ou não… Mas, calma aí, eu vou explicar!

O ano era 1955 e eu tinha apenas quatro anos de idade. Minha família estava viajando do velho Ceará com destino ao Rio de Janeiro, onde o meu pai nos aguardava. Só que naquela época, convenhamos, o Mar Morto não estava nem doente.. Ou seja, o jurássico avião tinha que pousar de hora em hora para abastecer, pois era uma verdadeira carroça!

Muito bem. É fácil imaginar a cena: a pobre coitada da mãe carregava seus seis filhos sob as asas, sendo que o mais velho tinha apenas dez anos. Já viram, né?! Na terceira das oito paradas para reabastecer a bendita “aeronave” da Real Aerovias Brasil, todos tinham que desembarcar e ir para o saguão do aeroporto, como era o procedimento. A seguir, aguardava-se meia hora e depois embarcávamos novamente. Só que de lá para cá isso se repetiu mais ou menos umas seis vezes.

Então, é fácil prever que em alguma parada dessas haveria “encrenca”. Pois é. Foi em Recife, minha gente. Eu tinha apenas quatro anos e jamais imaginaria ser protagonista do “Esqueceram de mim – Zero”…

O que sei é que todos os seis, minha mãe e os cinco irmãos, entraram naquele 14 Bis. Menos eu!

Ao que tudo indica, eu fiquei perambulando pelo saguão do aeroporto, atrás de comida ou coisa assim, e não me dei conta da partida. Só sei que o avião estava taxiando na pista para levantar voo e minha mãe virou-se e contou os filhos: “Céus! Está faltando um! Tá faltando um filho meu, aeromoça!”

Deve ter sido um alvoroço a bordo. O piloto dizia que não poderia voltar mais e minha mãe ameaçando até puxar a “peixeira nordestina” que não tinha. Mas, naquele momento de sufoco, ela jurava que estava guardada na enorme bolsa que conduzia. A confusão foi tanta que até “B. O.” foi lavrado na delegacia do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. E eu, devo confessar, já me encontrava algemado pelo segurança do aeroporto, pois o escarcéu que aprontei não estava no mapa…

Bem, minha gente, para encurtar a história, o que posso dizer é que naquela época era comum tratar os meninos de rua de “moleques” ou, como se dizia no Ceará, de “canelau”.

Na roda da vida, o fato é que eu demorei um bocado para “expurgar” o canelau que havia em mim. Para isso, foram precisos mais de sessenta anos, muita ajuda e uma “sorte” enorme marcada no meu destino. Lá, isso sim!

Em fevereiro próximo, eu retornarei pela primeira vez ao aeroporto de Recife para uma temporada de férias com a minha nova família. Pelo visto, os velhos “fantasmas” não estarão lá… Não mais!

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Literatura: crônica.

OS CICLOS DA VIDA

 

É muito interessante observar como os ciclos da vida acontecem ao nosso redor. Como quase sempre acontece, indiferentes à nossa vontade, eles surgem e se estabelecem com o agradável frescor do novo. Sim, meus amigos, o novo!

 

Lembro bem que quando eu era adolescente e frequentava os bancos escolares, via de regra, eu criticava os meus professores por esse ou aquele motivo. Dificilmente era pela falta de conhecimento do seu ofício, uma vez que eram verdadeiros “mestres”. Porém, o que se criticava era a forma “enfadonha” de apresentar os conteúdos. Pois é. Quis o destino que eu me tornasse professor e aí, então, eu tive a oportunidade de “rever certas posturas”. Não posso assegurar que obtive êxito total mas tenho a impressão de que fui considerado como um bom professor. Principalmente no aspecto das relações humanas, uma vez que deixei um registro de camaradagem e bom humor…

 

Já maduro, com cinquenta anos, eu me tornei pai. E me vi enredado na grande teia de preocupações que todo pai atravessa. Hoje, aos 66 anos, o meu filho completou os primeiros quinze anos de vida e eu me vejo na condição de avô (emprestado). Não, calma aí… É que o filho mais velho de minha esposa nos “presentou” com o seu lindo filho, João Pedro.

Bem… Nem preciso dizer mais nada. Afinal, ele é o nosso “xodó” e a nossa permanente alegria. Com isso, o certo é que mais um novo ciclo foi criado. Agora, rogo apenas que eu possa acompanhar por tempo suficiente ainda esse maravilhoso ciclo… Oxalá!

 

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(João Pedro, o ursinho e eu assistindo ao “Mundo Bita”)

Filme: “A sombra e a escuridão”, de Stephen Hopkins.

Verdades & Mentiras

Intuir, eu até consigo. No entanto, não tenho muita clareza do tamanho do “buraco”. Sei apenas que ele existe. Feito aquela história: “yo no creo en las brujas, pero que las hay… las hay!” De toda a forma, o importante é a gente ficar atento aos movimentos que efetuamos, porquanto eles sinalizam os caminhos e os descaminhos que trilhamos. O resto, convenhamos, ficará por conta da nossa acuidade e zelo. Sempre.
O que eu posso dizer, sem medo de me expor, é que durante um bom tempo eu fiquei alheio a diversos episódios da vida. Indesculpavelmente, reconheço… Talvez, por conta de uma formação que foi materialista em demasia ou, quem sabe, por equivocadas heranças que inadvertidamente acolhi?! O certo é que quando me dei conta, tendo em vista a contabilidade emocional, o “caixa” já estava no “vermelho”. E refinanciar estas “dívidas”, meus amigos, é algo bastante complicado. Por vezes, jamais se consegue. Isto porque o processo se arrasta por longo e sofrido tempo. Em geral, provocando sequelas. Como a sombra e a escuridão a ser usada na metáfora deste artigo. Então, vejamos o que vai dar.

De fato, quando se é menino tem-se a crença de que a “tempestade” nunca virá ou, quando muito, só acontecerá do outro lado da montanha, onde o nosso olhar não alcança. Aí, o tempo vai passando. Lentamente, ele incorpora os sinais de sua presença: surgem as dúvidas, angústias, conflitos. E o medo, enfim, começa a criar raízes. Comigo não foi diferente. Como tantas outras criaturas, eu também tive sonhos que não sei se existiram. Acreditei em histórias que talvez não tenham acontecido. É o tal negócio: o legado de cada um tem lá muitas verdades e, infelizmente, algumas mentiras. São histórias que vão sendo construídas e emaranhadas nas esquinas do mundo. O nosso querido Djavan foi um que percebeu isso. E ele expressou numa belíssima canção a terrível dúvida que está embutida em alguns de nós: “Só eu sei das esquinas que passei… Só eu sei! / Sabe lá, o que é não ter e ter que ter pra dar? / Sabe lá, o que é morrer de sede em frente ao mar?!”

No curso da vida, pode-se observar que muitas pessoas optam pelo silêncio. Outras tantas, preferem acolher o cinismo. Mas a grande maioria, por certo, fica por conta da ignorância. Lamentavelmente. São criaturas que jamais vasculharão a “caixa-preta” em busca das verdades… Agora, devo confessar: eu não sei o que é melhor. Tampouco estou aqui a fazer julgamento de valor. No fundo, são questões muito individuais e que só a criatura envolvida pode responder, isso sim! Se eu trago estas reflexões à baila, creiam-me, é tão somente porque elas estão a vazar do copo e encontro em cada um de vocês a solidariedade tácita. Afinal, todos nós somos vítimas de diferentes “verdades e mentiras”, não acham?!

No que me diz respeito, eu percebo que “Inês é morta” e já não consigo mais varrer o lixo para debaixo do tapete. Então, só me resta aprender a reciclá-lo, dispondo da única ferramenta que possuo para isso: a memória! Sim, quem olha para trás, revirando antigas e “acomodadas latas”, pode repartir ricas experiências com alguém. Ah, minha gente, disso eu estou bastante convencido!

Há quem diga que tudo nesta vida é muito relativo. Uma “verdade”, se vista por outras lentes ou em outro momento, pode ser tomada de forma bem diferente. Nem melhor, nem pior: apenas diferente. Lá, isso é verdade. Uma vez, no auge de sua dor, um ente querido me disse: “Certo eu não sei se você está, Carlos. Em quase todas as verdades que ouvi, houve sempre uma dose de mentira ou, pelo menos, de dúvida!” Tinha ele razão, amigos. Basta uma rápida olhada na trajetória de qualquer um de nós e encontraremos exemplos aos borbotões. Representados em gestos e sentimentos que denunciam mentiras ou manobras. Incorporados a posturas que, no fundo, tentam apenas aplacar reiteradas culpas…  Pois é: ironicamente, herda-se tudo!

Aonde você quer chegar com tudo isso, Carlos? – indagarão os leitores impacientes. Calma aí, minha gente, eu conto. É que um dia desses, eu bati os olhos neste belo filme: “A sombra e a escuridão“. Aparentemente, é só um filme de aventura. Divertido e inocente. Apenas isso. De certa forma, não deixa de ser. Mas, alguma coisa em especial chamou-me a atenção nesta história… E demorei a atinar. Somente quando revi o filme, esta semana, é que me “caiu a ficha”. Descobri, então, que os leões que aterrorizavam a pacata vila africana representavam bem mais do que dois temidos animais. Encarnavam, isso sim, as principais emoções que tanto nos incomodam ou perseguem: angústia e medo. E elas, a angústia e o medo, são como “a sombra e a escuridão” do filme a rondar os labirintos da nossa alma conflitada. Impiedosamente.

No filme, o intrépido caçador estabelece com os animais que estão a atacar a vila, respeito e repúdio. Ao mesmo tempo. Pois ao reconhecer a pujança do oponente, o caçador se vê forçado a encarar o desafio. E, tanto quanto possível, ele só consegue desenhar o seu destino quando se vê acuado pelas feras. Sendo assim, ele arregaça as mangas e vai à luta! O que menos importa é o desfecho da “batalha”. Podemos perceber, também, que a história, tanto do filme quanto da vida, tem lá as suas manhas, tem lá os seus percursos. E, muitas vezes, um alto preço a pagar… Antes de morrer, ferido por um dos leões, o caçador confidenciou ao amigo engenheiro: “Quando eu era menino, havia um brutamontes na cidade. Aterrorizava todo mundo. Mas ele, não era nada. Tinha um irmão pior ainda. Mas, também não era nada. O problema era quando estavam juntos. Sozinhos, eram só brutamontes. Juntos, eram mortíferos”. O amigo, então, indaga: “O que aconteceu com eles?” E o caçador, soberbamente, responde: “Bem… eu cresci!”

Foi neste exato momento do filme que parei o DVD para tomar um gostoso cafezinho. O diálogo dos dois amigos, no entanto, não me saía da cabeça. Enquanto fervia a água e preparava o bule, eu comecei a me dar conta de como o processo de crescimento é difícil. Doloroso, até. Ah, minha gente, tem vezes que dá vontade de desistir e de pedir o “colo materno”, na esperança do acalento. Mas, logo a seguir, percebemos que “navegar é preciso”, pois, como dizem: “a vida tem que seguir o seu inexorável rumo, cumprindo a sua sentença!” Diacho, mas onde está escrito isto?! Afinal, qual será o meu destino? Qual será o seu, amigo leitor? É… pelo visto, vamos ter que pagar o irremediável pedágio para descobrir. E mais ainda: vamos ter que crescer. Com ou sem medo. Com ou sem angústia. Nada disso impede. Até porque, convenhamos, a própria vida vai nos dando coragem. E ao nos empurrar pelos becos e esquinas, ela acaba nos dando a grande chance de aprender a “soletrar o mundo” de forma correta. Para que o infortúnio de Drummond não nos bata de forma tão dura: “Quarenta anos e nenhum problema resolvido / sequer colocado. / Nenhuma carta escrita nem recebida. / Todos os homens voltam para casa. / Estão menos livres, mas levam jornais / e soletram o mundo, sabendo que o perdem.”
Passados tantos anos, eu agora sou sabedor de que há “verdades e mentiras” em todas as histórias. Inclusive na minha. Não culpo ninguém por isso, minha gente. É da vida. Ao menos, dela faz parte. Não obstante, eu gostaria de declarar: tomara que o meu querido filho Gabriel tenha melhor sorte e não repita alguns “modelos” que não deram certo. Tomara!

No filme, o engenheiro consegue, às duras penas, construir a sua ponte. Finalmente. Da mesma forma, também precisamos “construir” as nossas. O diabo é que a gente não acredita que por um “pequeno erro de cálculo”, a ponte pode desmoronar. Assim como as nossas emoções fazem, todas as vezes que “erramos nos cálculos afetivos”. Só que no nosso caso, diferentemente das réguas, esquadros e calculadoras de que eles fazem uso, precisamos mesmo é da “verdade”. Muitas! Tantas quanto for possível. Verdades que apontem os legítimos sentimentos presentes em cada momento de nossas vidas, sejam eles quais forem. Verdades que consigam redimir até mesmo os nossos enganos ou dúvidas, pois não se adquire imunidades contra isso. Dessa forma, ninguém mais terá o direito de reclamar condutas e as heranças de cada um serão sempre aquelas pertinentes. Quanto mais ricas e verdadeiramente afetivas, melhor!

Os leões do filme tiveram os destinos que puderam ou mereceram. Não mais aterrorizam. Não matam mais ninguém inocente. Já os leões que estão na vida… ah, amigos… esses continuam devoradores e fazendo sucessivas vítimas ou estragos. Entretanto, o que é preciso não é se tornar “caçador”. Bem mais do que isto, o importante é aprender a “expurgar” os leões que estão escondidos dentro de nós. Para sempre! Pois os de fora, arre, são até “banguelas” e fáceis de lidar. Há até quem garanta: “sossega, que o leão é manso…”

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