Memórias: “Uma história sem graça!”

Eu bem que havia dito ao terapeuta que isso me incomodava um bocado, apesar dos mais de quarenta anos decorridos. E aí, fazer o quê?! Pode ser que para as outras pessoas isso não tenha tanta importância… mas, para mim, que sofri na carne o sufoco… ah, deixa disso!

Verdade, meus amigos, é que nem sei porque relembro esse episódio. No fundo, penso eu, vira e mexe as lembranças voltam aos pensamentos quer queiramos ou não… Mas, calma aí, eu vou explicar!

O ano era 1955 e eu tinha apenas quatro anos de idade. Minha família estava viajando do velho Ceará com destino ao Rio de Janeiro, onde o meu pai nos aguardava. Só que naquela época, convenhamos, o Mar Morto não estava nem doente.. Ou seja, o jurássico avião tinha que pousar de hora em hora para abastecer, pois era uma verdadeira carroça!

Muito bem. É fácil imaginar a cena: a pobre coitada da mãe carregava seus seis filhos sob as asas, sendo que o mais velho tinha apenas dez anos. Já viram, né?! Na terceira das oito paradas para reabastecer a bendita “aeronave” da Real Aerovias Brasil, todos tinham que desembarcar e ir para o saguão do aeroporto, como era o procedimento. A seguir, aguardava-se meia hora e depois embarcávamos novamente. Só que de lá para cá isso se repetiu mais ou menos umas seis vezes.

Então, é fácil prever que em alguma parada dessas haveria “encrenca”. Pois é. Foi em Recife, minha gente. Eu tinha apenas quatro anos e jamais imaginaria ser protagonista do “Esqueceram de mim – Zero”…

O que sei é que todos os seis, minha mãe e os cinco irmãos, entraram naquele 14 Bis. Menos eu!

Ao que tudo indica, eu fiquei perambulando pelo saguão do aeroporto, atrás de comida ou coisa assim, e não me dei conta da partida. Só sei que o avião estava taxiando na pista para levantar voo e minha mãe virou-se e contou os filhos: “Céus! Está faltando um! Tá faltando um filho meu, aeromoça!”

Deve ter sido um alvoroço a bordo. O piloto dizia que não poderia voltar mais e minha mãe ameaçando até puxar a “peixeira nordestina” que não tinha. Mas, naquele momento de sufoco, ela jurava que estava guardada na enorme bolsa que conduzia. A confusão foi tanta que até “B. O.” foi lavrado na delegacia do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. E eu, devo confessar, já me encontrava algemado pelo segurança do aeroporto, pois o escarcéu que aprontei não estava no mapa…

Bem, minha gente, para encurtar a história, o que posso dizer é que naquela época era comum tratar os meninos de rua de “moleques” ou, como se dizia no Ceará, de “canelau”.

Na roda da vida, o fato é que eu demorei um bocado para “expurgar” o canelau que havia em mim. Para isso, foram precisos mais de sessenta anos, muita ajuda e uma “sorte” enorme marcada no meu destino. Lá, isso sim!

Em fevereiro próximo, eu retornarei pela primeira vez ao aeroporto de Recife para uma temporada de férias com a minha nova família. Pelo visto, os velhos “fantasmas” não estarão lá… Não mais!

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Literatura: crônica.

OS CICLOS DA VIDA

 

É muito interessante observar como os ciclos da vida acontecem ao nosso redor. Como quase sempre acontece, indiferentes à nossa vontade, eles surgem e se estabelecem com o agradável frescor do novo. Sim, meus amigos, o novo!

 

Lembro bem que quando eu era adolescente e frequentava os bancos escolares, via de regra, eu criticava os meus professores por esse ou aquele motivo. Dificilmente era pela falta de conhecimento do seu ofício, uma vez que eram verdadeiros “mestres”. Porém, o que se criticava era a forma “enfadonha” de apresentar os conteúdos. Pois é. Quis o destino que eu me tornasse professor e aí, então, eu tive a oportunidade de “rever certas posturas”. Não posso assegurar que obtive êxito total mas tenho a impressão de que fui considerado como um bom professor. Principalmente no aspecto das relações humanas, uma vez que deixei um registro de camaradagem e bom humor…

 

Já maduro, com cinquenta anos, eu me tornei pai. E me vi enredado na grande teia de preocupações que todo pai atravessa. Hoje, aos 66 anos, o meu filho completou os primeiros quinze anos de vida e eu me vejo na condição de avô (emprestado). Não, calma aí… É que o filho mais velho de minha esposa nos “presentou” com o seu lindo filho, João Pedro.

Bem… Nem preciso dizer mais nada. Afinal, ele é o nosso “xodó” e a nossa permanente alegria. Com isso, o certo é que mais um novo ciclo foi criado. Agora, rogo apenas que eu possa acompanhar por tempo suficiente ainda esse maravilhoso ciclo… Oxalá!

 

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(João Pedro, o ursinho e eu assistindo ao “Mundo Bita”)

Filme: “A sombra e a escuridão”, de Stephen Hopkins.

Verdades & Mentiras

Intuir, eu até consigo. No entanto, não tenho muita clareza do tamanho do “buraco”. Sei apenas que ele existe. Feito aquela história: “yo no creo en las brujas, pero que las hay… las hay!” De toda a forma, o importante é a gente ficar atento aos movimentos que efetuamos, porquanto eles sinalizam os caminhos e os descaminhos que trilhamos. O resto, convenhamos, ficará por conta da nossa acuidade e zelo. Sempre.
O que eu posso dizer, sem medo de me expor, é que durante um bom tempo eu fiquei alheio a diversos episódios da vida. Indesculpavelmente, reconheço… Talvez, por conta de uma formação que foi materialista em demasia ou, quem sabe, por equivocadas heranças que inadvertidamente acolhi?! O certo é que quando me dei conta, tendo em vista a contabilidade emocional, o “caixa” já estava no “vermelho”. E refinanciar estas “dívidas”, meus amigos, é algo bastante complicado. Por vezes, jamais se consegue. Isto porque o processo se arrasta por longo e sofrido tempo. Em geral, provocando sequelas. Como a sombra e a escuridão a ser usada na metáfora deste artigo. Então, vejamos o que vai dar.

De fato, quando se é menino tem-se a crença de que a “tempestade” nunca virá ou, quando muito, só acontecerá do outro lado da montanha, onde o nosso olhar não alcança. Aí, o tempo vai passando. Lentamente, ele incorpora os sinais de sua presença: surgem as dúvidas, angústias, conflitos. E o medo, enfim, começa a criar raízes. Comigo não foi diferente. Como tantas outras criaturas, eu também tive sonhos que não sei se existiram. Acreditei em histórias que talvez não tenham acontecido. É o tal negócio: o legado de cada um tem lá muitas verdades e, infelizmente, algumas mentiras. São histórias que vão sendo construídas e emaranhadas nas esquinas do mundo. O nosso querido Djavan foi um que percebeu isso. E ele expressou numa belíssima canção a terrível dúvida que está embutida em alguns de nós: “Só eu sei das esquinas que passei… Só eu sei! / Sabe lá, o que é não ter e ter que ter pra dar? / Sabe lá, o que é morrer de sede em frente ao mar?!”

No curso da vida, pode-se observar que muitas pessoas optam pelo silêncio. Outras tantas, preferem acolher o cinismo. Mas a grande maioria, por certo, fica por conta da ignorância. Lamentavelmente. São criaturas que jamais vasculharão a “caixa-preta” em busca das verdades… Agora, devo confessar: eu não sei o que é melhor. Tampouco estou aqui a fazer julgamento de valor. No fundo, são questões muito individuais e que só a criatura envolvida pode responder, isso sim! Se eu trago estas reflexões à baila, creiam-me, é tão somente porque elas estão a vazar do copo e encontro em cada um de vocês a solidariedade tácita. Afinal, todos nós somos vítimas de diferentes “verdades e mentiras”, não acham?!

No que me diz respeito, eu percebo que “Inês é morta” e já não consigo mais varrer o lixo para debaixo do tapete. Então, só me resta aprender a reciclá-lo, dispondo da única ferramenta que possuo para isso: a memória! Sim, quem olha para trás, revirando antigas e “acomodadas latas”, pode repartir ricas experiências com alguém. Ah, minha gente, disso eu estou bastante convencido!

Há quem diga que tudo nesta vida é muito relativo. Uma “verdade”, se vista por outras lentes ou em outro momento, pode ser tomada de forma bem diferente. Nem melhor, nem pior: apenas diferente. Lá, isso é verdade. Uma vez, no auge de sua dor, um ente querido me disse: “Certo eu não sei se você está, Carlos. Em quase todas as verdades que ouvi, houve sempre uma dose de mentira ou, pelo menos, de dúvida!” Tinha ele razão, amigos. Basta uma rápida olhada na trajetória de qualquer um de nós e encontraremos exemplos aos borbotões. Representados em gestos e sentimentos que denunciam mentiras ou manobras. Incorporados a posturas que, no fundo, tentam apenas aplacar reiteradas culpas…  Pois é: ironicamente, herda-se tudo!

Aonde você quer chegar com tudo isso, Carlos? – indagarão os leitores impacientes. Calma aí, minha gente, eu conto. É que um dia desses, eu bati os olhos neste belo filme: “A sombra e a escuridão“. Aparentemente, é só um filme de aventura. Divertido e inocente. Apenas isso. De certa forma, não deixa de ser. Mas, alguma coisa em especial chamou-me a atenção nesta história… E demorei a atinar. Somente quando revi o filme, esta semana, é que me “caiu a ficha”. Descobri, então, que os leões que aterrorizavam a pacata vila africana representavam bem mais do que dois temidos animais. Encarnavam, isso sim, as principais emoções que tanto nos incomodam ou perseguem: angústia e medo. E elas, a angústia e o medo, são como “a sombra e a escuridão” do filme a rondar os labirintos da nossa alma conflitada. Impiedosamente.

No filme, o intrépido caçador estabelece com os animais que estão a atacar a vila, respeito e repúdio. Ao mesmo tempo. Pois ao reconhecer a pujança do oponente, o caçador se vê forçado a encarar o desafio. E, tanto quanto possível, ele só consegue desenhar o seu destino quando se vê acuado pelas feras. Sendo assim, ele arregaça as mangas e vai à luta! O que menos importa é o desfecho da “batalha”. Podemos perceber, também, que a história, tanto do filme quanto da vida, tem lá as suas manhas, tem lá os seus percursos. E, muitas vezes, um alto preço a pagar… Antes de morrer, ferido por um dos leões, o caçador confidenciou ao amigo engenheiro: “Quando eu era menino, havia um brutamontes na cidade. Aterrorizava todo mundo. Mas ele, não era nada. Tinha um irmão pior ainda. Mas, também não era nada. O problema era quando estavam juntos. Sozinhos, eram só brutamontes. Juntos, eram mortíferos”. O amigo, então, indaga: “O que aconteceu com eles?” E o caçador, soberbamente, responde: “Bem… eu cresci!”

Foi neste exato momento do filme que parei o DVD para tomar um gostoso cafezinho. O diálogo dos dois amigos, no entanto, não me saía da cabeça. Enquanto fervia a água e preparava o bule, eu comecei a me dar conta de como o processo de crescimento é difícil. Doloroso, até. Ah, minha gente, tem vezes que dá vontade de desistir e de pedir o “colo materno”, na esperança do acalento. Mas, logo a seguir, percebemos que “navegar é preciso”, pois, como dizem: “a vida tem que seguir o seu inexorável rumo, cumprindo a sua sentença!” Diacho, mas onde está escrito isto?! Afinal, qual será o meu destino? Qual será o seu, amigo leitor? É… pelo visto, vamos ter que pagar o irremediável pedágio para descobrir. E mais ainda: vamos ter que crescer. Com ou sem medo. Com ou sem angústia. Nada disso impede. Até porque, convenhamos, a própria vida vai nos dando coragem. E ao nos empurrar pelos becos e esquinas, ela acaba nos dando a grande chance de aprender a “soletrar o mundo” de forma correta. Para que o infortúnio de Drummond não nos bata de forma tão dura: “Quarenta anos e nenhum problema resolvido / sequer colocado. / Nenhuma carta escrita nem recebida. / Todos os homens voltam para casa. / Estão menos livres, mas levam jornais / e soletram o mundo, sabendo que o perdem.”
Passados tantos anos, eu agora sou sabedor de que há “verdades e mentiras” em todas as histórias. Inclusive na minha. Não culpo ninguém por isso, minha gente. É da vida. Ao menos, dela faz parte. Não obstante, eu gostaria de declarar: tomara que o meu querido filho Gabriel tenha melhor sorte e não repita alguns “modelos” que não deram certo. Tomara!

No filme, o engenheiro consegue, às duras penas, construir a sua ponte. Finalmente. Da mesma forma, também precisamos “construir” as nossas. O diabo é que a gente não acredita que por um “pequeno erro de cálculo”, a ponte pode desmoronar. Assim como as nossas emoções fazem, todas as vezes que “erramos nos cálculos afetivos”. Só que no nosso caso, diferentemente das réguas, esquadros e calculadoras de que eles fazem uso, precisamos mesmo é da “verdade”. Muitas! Tantas quanto for possível. Verdades que apontem os legítimos sentimentos presentes em cada momento de nossas vidas, sejam eles quais forem. Verdades que consigam redimir até mesmo os nossos enganos ou dúvidas, pois não se adquire imunidades contra isso. Dessa forma, ninguém mais terá o direito de reclamar condutas e as heranças de cada um serão sempre aquelas pertinentes. Quanto mais ricas e verdadeiramente afetivas, melhor!

Os leões do filme tiveram os destinos que puderam ou mereceram. Não mais aterrorizam. Não matam mais ninguém inocente. Já os leões que estão na vida… ah, amigos… esses continuam devoradores e fazendo sucessivas vítimas ou estragos. Entretanto, o que é preciso não é se tornar “caçador”. Bem mais do que isto, o importante é aprender a “expurgar” os leões que estão escondidos dentro de nós. Para sempre! Pois os de fora, arre, são até “banguelas” e fáceis de lidar. Há até quem garanta: “sossega, que o leão é manso…”

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Memórias: o pastel de camarão e outras iguarias…

Neste feriado de Corpus Christi nós fomos ao cinema assistir ao eletrizante “Han Solo“, um complemento da saga do “Star Wars“. Aproveitamos para comer um delicioso pastel de camarão e beber o gelado chopp do Bar Brahma, no Shopping Iguatemi. Afinal, ninguém é de ferro…

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Literatura: a impecável obra de Dias Gomes!

O tempo, como se sabe, é um impiedoso esmeril da memória. E muitas vezes, reconheço, nós afiamos involuntariamente o fio da navalha…

Eu ontem me lembrei de Alfredo de Freitas Dias Gomes, mais conhecido pelo sobrenome Dias Gomes. Sem dúvida, meus amigos, ele foi um extraordinário dramaturgo, romancista, autor de telenovelas e membro da Academia Brasileira de Letras. Para fazer justiça, sorte a nossa que as suas obras também ficaram imortais. Aliás, quem não se lembra de “O Pagador de Promessas”, que foi adaptado para o cinema e tornou-se o primeiro grande filme nacional premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes? Ou do subversivo “Roque Santeiro”, que precisou morrer para se tornar herói e mártir na extraordinário ficção de Dias Gomes? Melhor ainda quando ele escancara o lado sarcástico (e trágico) da política com o seu bem-humorado (e mau-caráter) Odorico Paraguaçú, na imaginária Sucupira, de “O Bem Amado”? Tudo aquilo terá sido realmente ficção, meus amigos?!

Ah, meu caro Dias Gomes… quanto falta você nos faz!

Pois saiba, então, que os seus personagens, quase todos, parecem ter “reencarnado”. Afinal, não é somente Odorico que perambula pelos quatro cantos do país. Encontramos também o “Rei de Ramos”, transvestido de miliciano em todas as áreas densamente povoadas. Do mesmo, não ficamos livres das “inquisições”, tão bem apontadas no seu “Santo Inquérito”, isto porque a sua maculada “Branca” já retornou como Irmã Dorothy, lá no distante Pará e teve um destino semelhante…

Por tudo isso, então, eu torço para que tenhamos dias mais amenos. Que o universo conspire favoravelmente e nos possibilite “apreciar” a arte de nossos irmãos brasileiros. Quem sabe assim possamos evoluir o suficiente para prestarmos as justas e devidas homenagens aos talentosos brasileiros que souberam educar e alegrar as nossas almas?!

Disco: CD “Modern Cool”, com Patricia Barber.

Sinceramente, devo reconhecer, é preciso prestar atenção aos nossos “conservadores” hábitos. Sim, minha gente, digo isso com algum constrangimento, porquanto apesar de estar quase “setentão”, algumas vezes eu me flagro “resistente” às mudanças. Paciência… fazer o quê?!

Patricia Barber é um grande exemplo do que acabo de dizer. Eu explico. É que a primeira vez que ouvi este CD, na acolhedora casa do amigo Jorge Knirsch, em São Paulo, torci o nariz, ajeitei-me na poltrona e, ao final, dei um sorriso “sem graça”. Verdade é que fiquei sem saber o que dizer. Gostei… mas…

Tempos depois, eu achei o CD “Modern Cool” numa loja aqui em Floripa. E novamente vacilei. Porém, dessa vez, eu acabei comprando. Agora, tenho que fazer o “mea-culpa”. Na realidade, é um belo disco, isso sim. Diferente, por certo. E talvez “modernoso” demais para o meu gosto conservador. Contudo, verdade é que o disco tem uma atmosfera profundamente intimista. “You & The night & The music” é um exemplo típico. Melhor ainda é “Silent Partner”, onde Patricia derrama todo o lirismo musical de forma lenta e suave. Impressionante!

Então, para me redimir, eu devo dizer: “a-do-rei” a interpretação dela em “Light my fire”. Sendo assim, para ser justo eu peço mil perdões a Patricia. E mais ainda: confesso que eu também fiquei “acesão”! Uau…

 

https://www.youtube.com/watch?v=-6NqH2g0CPk

 

https://www.youtube.com/watch?v=KZU99EvEncc

 

Patricia Barber

Disco: “To Brazil with love”, com Diana Panton

Já notaram que de quando em quando aparece uma daquelas novidades musicais que nos fazem parar e ouvir com profunda atenção. Pois é, foi o que me ocorreu. No ano passado, no final de novembro, eu fui brindado com a “descoberta” do talento de Antônio Zambujo, interpretando as canções de Chico Buarque. Meu Deus do Céu… Coisa linda!

Mas não é que eu tirei mais um bilhete premiado esta semana, ao me deparar com a voz suave e acolhedora de Diana Panton?! Só vendo, meus amigos! Ela canta feito um passarinho. E o melhor de tudo é que ela veio mostrar, com todo respeito e reverência, que os “gringos” aprenderam a cantar a nossa bossa-nova. Lembrei-me até do amigo Paulo Assis Brasil, que era o meu parceiro das noitadas, quando frequentávamos o “Beco das Garrafas”. Isso, lá pelos anos 60, em Copacabana… Tudo bem, sei que faz um bom tempinho! Muito embora nós fôssemos muito jovens, por certo, sabíamos apreciar uma boa música. Principalmente o Paulinho, que já era músico de qualidade… e tinha no DNA toda sorte de influência musical, transmitidos pelos irmãos Victor e João Carlos.

O certo é que na primeira audição do CD “To Brazil with love”, eu fiquei paralisado. Era como se eu ouvisse a irmã mais nova de Astrud Gilberto… No entanto, após pesquisar no “YouTube” sobre ela, conheci outros álbuns e vi que Diana tem voz própria. Tem autoria nas interpretações. E já que dei a pista, digo mais: na pesquisa, eu acabei descobrindo outra “pérola” de Diana, ao cantar de forma intimista a famosa “Fly me to the moon”. O que é aquilo, minha gente?! Demais!

Ao ouvir o CD, acabei viajando nas recordações e me lembrei do tempo em que morei no Leblon. Em frente ao meu prédio ficava a boate “People”, que marcou época e uma quadra antes, havia o mais renomado bar e restaurante do Leblon, o famoso “Antonio’s”. Lá, frequentavam a burguesia e os intelectuais. Pé-rapado, feito eu, só ficava na esquina admirando Tom Jobim, João Saldanha, Vinícius de Moraes, Paulo Mendes Campos e tantos outros da boêmia, bebendo uísque do bom…

Carlinhos de Oliveira era um jornalista e escritor que tinha cadeira cativa no bar. Certa vez ele escreveu uma crônica contando um assalto que ocorrera no Antônio’s. Segundo o relato dele, havia um monte de gente graúda na varanda do restaurante, quando quatro rapazes entraram e anunciaram o assalto. Imediatamente, os assaltantes ordenaram que todos fossem para a cozinha, enquanto esvaziavam o caixa e os pertences dos que ali estavam. Até que, num dado momento, ouviu-se a voz de alguém clamando: “seu ladrão… oh, seu ladrão, por favor, chega aqui um instantinho!”. Ao ouvir aquilo, um dos assaltantes perguntou: “o que é que você quer, meu chapa?!” E a voz, então, completou: “já que a gente vai tomar um prejuízo, poxa, quebra nosso galho. Ao lado do caixa, tem um prego fincado na madeira e nele um monte de pequenos papéis… Suma com eles, por favor. Não custa nada e vai nos “aliviar” um monte de “pendura” de despesas…”
O que se sabe, dizem as más línguas, é que durante um bom tempo o dono do restaurante ficou sem saber quais eram os “amigos do fiado”. Pois, agora…

https://www.youtube.com/watch?v=54rFX6BwITE

https://www.youtube.com/watch?v=xBSuxSQQkFE

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Literatura: os nossos brasileiros – Ariano, Millôr, Sérgio Porto e o Barão de Itararé – talento e humor!

Esta semana eu estou prestando uma homenagem a Ariano Suassuna, que foi um baita escritor nordestino e que nos deixou um legado de extraordinário valor. Não somente para a literatura, é verdade, já que produziu poucas obras. Porém, foram obras memoráveis! No entanto, Ariano era também reconhecido pelo impecável senso de brasilidade e nacionalismo.

Aliás, nesses tempos bicudos de incontáveis crises de valores, eu lembro que foram muitos os brasileiros que souberam olhar o país com as lentes do amor à terra, ao povo e à nossa rica cultura. Senão, vejamos.

Quem não se lembra do nosso último brasileiro “nobre”, Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, que nos jornais onde trabalhou assinava colunas com o nome de “Barão de Itararé”! Ah, meus amigos, que incrível criatura foi o Barão. Dono de um incrível senso de humor, inteligente e mordaz, Apparício era a “cara da oposição” ao sistema vigente, fosse ele qual fosse… O que importava era “futucar as contradições”, “denunciar a mediocridade reinante” e fazer escárnio de si e de todos os “mortais”.

Lembro também de Sérgio Marcos Rangel Porto, mais conhecido como “Stanislaw Ponte Preta”. Criador de Tia Zulmira, Rosamundo e Primo Altamirando, foi com seu Festival de Besteira que Assola o País – FEBEAPÁ, lançado em plena vigência do golpe militar de 1964, que ele alcançou seu grande sucesso. E deixou a marca do seu talento perpetuado para o deleite de todos.

Vale a pena fustigar um pouco mais a memória e relembrar o saudoso Millôr Fernandes, um dos fundadores do jornal “O Pasquim”, um verdadeiro ícone do jornalismo de combate e criador de centenas de pensamentos e frases marcantes. “O pior do alpinismo é a volta!”, dizia Millôr Fernandes, com toda razão…

“Mas o que essa maravilhosa turma tem a ver com Ariano Suassuna, Carlos”, perguntarão alguns. E eu respondo: a brasilidade, minha gente. Sim! Eles foram criaturas que souberam usar a inteligência, o talento e o humor sem perder de vista o imenso amor ao nosso país e à nossa terra.

Talvez por isso, Ariano tenha declarado: “Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa!”

CINEMA: filme “O auto da Compadecida”, de Guel Arraes.

( Dedicado ao meu querido tio, Ezequiel Menezes Filho )

AS  AVENTURAS  DO  “CORONEL”

Uma coisa eu asseguro: foi pena vocês não terem conhecido o grande “coronel” Menezes. Era meu tio, lá do velho Ceará. Ah, aquele sujeito era um tremendo “cabra da peste”, como se diz por aquelas bandas. Com toda certeza, deve ter sido “motivo” de inspiração dessas fabulosas histórias que estão guardadas nos cordéis das feiras e mercados nordestinos. Sim, a fantástica literatura de cordel: uma rica e densa narrativa que o grande público, lamentavelmente, desconhece. Aliás, por conta disso, outro dia eu estava voltando de São Paulo e li na revista de bordo um pensamento de Mário Quintana: “O pior analfabeto não é o que não sabe ler. É o que sabe, mas não lê!” Tem inteira razão, meu poeta!

Sim… eu estava falando do “coronel”. A bem da verdade, este “título” não veio de nenhuma carreira militar, já que o homem não era chegado à disciplina. A alcunha fora “imposta”, goela a baixo, pelo seu irreverente irmão, Holdemar. Pior de tudo: pegou!

Mas, o que eu queria dizer é que somente aos meus vinte e seis anos de idade conheci o “coronel” Menezes. Foi quando pela primeira vez retornei ao Ceará, após vinte anos de afastamento. E o intrépido “coronel” já estava, desde cedo, no saguão do aeroporto me aguardando, mesmo sem me conhecer. Já eu, confesso, nem precisei piscar os olhos. Mal desci da aeronave e o identifiquei a centenas de metros: um baita chapéu panamá, charuto baiano e as calças caindo da cintura. Sem hesitar, pensei: aquele “arataca” ali, só pode ser o tio Menezes. Pimba! Não deu outra!

Abraçou-me feito “macho”, tanto que mal disfarcei a dor do tapa nas costas. A marca dos cinco dedos permaneceu por três dias… “Ô, sobrinho pai-d’ égua!”, gritou o homem. “Ô, saudação pau-de-arara”, pensei encabulado. Poxa, bem que podia ser menos efusivo…
Saindo dali, fomos direto para Parangaba, um bairro distante, que era onde o “coronel” tinha um belo sítio. Segundo ele, “apenas uma pequena propriedade”. O fato é que me perdi algumas vezes andando pela propriedade do homem. E o que mais me fascinou, meus amigos, foi o imenso coqueiral que me abasteceu de água de coco pelos quinze dias da visita. Um verdadeiro “néctar dos Deuses”. Isso, sem falar das mangas, que chupei feito criança! Ah, que saudades eu sinto daquele gosto doce escorrendo pelos cantos da boca.

Tão logo arrumei a mala no quarto de hóspede, após o banho restaurador, fui ao encontro do sisudo homem. Deitei-me numa legítima rede cearense que havia no alpendre e comecei a escutar as histórias do “coronel”.

É bem verdade, devo reconhecer, que no início ele me pareceu mal-humorado. Todavia, tal comportamento não resistiu mais do que vinte minutos, pois, logo a seguir, soltou uma meia dúzia de palavrões nordestinos que eu nem conhecia…  Foi preciso apelar até para a tecla SAP!

Aí, o “homem” se empolgou e, bem à vontade, começou a falar um monte. Terminou contando o encontro dele com Lampião e o bando de cangaceiros. “Céus, será que o “coronel” endoidou ou já está “mamado de uísque”? Que diabo de encontro é esse, que nunca ouvi dizer que ocorreu?”

– Homem, seu menino… eu nem te conto o sufoco que passei nesta fazenda!

– Mas, tio, isto aqui não é um sítio ou conforme o senhor mesmo disse: “apenas uma pequena propriedade”?

– Rapaz, diz besteira não! Hoje em dia, tenho apenas dez por cento das terras, pois fui cedendo pros amigos… sabe como é?!

– Sei… sei!?

– Diacho, não me interrompa, seu “desinfeliz”, que estou começando a contar a história! Quer levar um “bofete nas ventas”?

“Desculpe-me, tio”, respondi sem saber o que era bofete e tão pouco ventas. Mas… pela expressão dele, coisa boa não seria!

– Olha, seu menino, eram mais de cem cabras no bando de Lampião. Eu estava no escritório registrando no diário a última briga do meu canário, que quase matou o do major Venâncio. Aí, escutei os primeiros tiros… Mas, como isso aqui era muito comum naquela época, nem liguei. Só sei que a Ofélia, minha mulher, veio correndo e me disse: “Dedeu, os homens de Lampião estão na fazenda!”

– E o senhor, o que fez, tio?

– Ora, seu baitola, o que eu poderia fazer? É claro que fui pegar minha “peixeira” e a espingarda no armário, apesar dos gritos da Ofélia. Por sorte, eu tinha bala suficiente, pois os primeiros trinta tiros foram certeiros e, ainda assim, não parava de entrar cangaceiro pelo manguezal adentro…

– É mesmo, tio?!

– Bem, para encurtar a prosa, que já estou ficando com uma fome danada, no dia seguinte o delegado contou 68 corpos… Só vendo!

– 68?! O que é que é isso, meu tio?!

– É verdade, menino. Mas, só fiquei aborrecido pelo fato de não ter encontrado o corpo do dito cujo, o Lampião. E tenho certeza que sapequei cinco tiros naquele “desinfeliz”… Pode isso?!

– Olha, meu tio, esta sua história é, no mínimo, tenebrosa! Que eu saiba, isso nunca foi relatado por ninguém…

– Pois é como eu digo: o diabo da imprensa sempre encobriu o episódio. Sabe como é?

Eles não queriam chamar a atenção de outros cangaceiros para o município, senão…
– Ah, tio Menezes, o senhor fez tudo isso sozinho?! Como pôde?

Não sei. Só sei que foi assim!

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Cá pra nós, meus amigos, eu nunca engoli essa escandalosa história do “coronel”. Mas, o fato é que ele era um homem de palavra. Lá, isso era! E olha que eu tentei, por todos os meios, checar a veracidade com o meu pai e com os outros tios. Eles nunca confirmaram e nem desmentiram. Preferem, simplesmente, não tocar no assunto. Ficam aborrecidos e dizem até que “isso não é assunto para se conversar…”

Bem, o que sei é que já se passaram uns quarenta anos desse memorável encontro com o “coronel”. E, até hoje, confesso, estou com uma pulga atrás da orelha!

“Mas, o que esta história tem a ver, Carlos?”, perguntarão os mais incrédulos. É, minha gente, tudo isso me veio à memória esta semana, quando revi o DVD: O Auto da Compadecida. Meu Deus do Céu, que obra-prima! Só mesmo o sertão nordestino é capaz de nos presentear com uma novela dessa qualidade. Ariano Suassuna, o autor, deve estar rindo de felicidade. Pudera! A adaptação que foi feita a partir da sua obra está impecável, valorizando cada diálogo e cada personagem do seu fabuloso trabalho.

Guel Arraes, o extraordinário diretor que fez a adaptação, conseguiu arrancar dos talentosos atores todo o potencial dramático e humorado dessa “fábula nordestina”.

O que posso dizer é que ao assistir aos dois espetáculos, o filme e o seriado feito para a TV, lembrei-me muito do tio Menezes, o “coronel”. Parecia até que eu estava vendo o “homem” encarnado no papel de Chicó e, às vezes, no de João Grilo. E a cada mentira cabeluda contada por Chicó, eu conseguia ver, inclusive, o sorriso cínico do “coronel” estampado na minha frente. Era como se ele estivesse me dizendo: “Olha, seu filho de uma égua, você acha que pelo fato de ter vindo lá do sul maravilha, cidade de frescos, tem o direito de desconfiar da gente daqui?!” E eu, descadeirado com a pergunta, apenas balanço a cabeça concordando com o homem…

A última lembrança que tenho do encontro com o “tio velho de guerra” foi quando ele me explicou a origem do seu nome, Ezequiel. Segundo ele, este era o nome de um dos irmãos de Lampião. Talvez por isso, quem sabe, o “coronel” não tenha dado o tiro fatal no cangaceiro Lampião, em respeito ao nome. É que, segundo a tradição cearense, isso traria mau agouro para a família… Sabe como é?!

É bem possível que algum desconfiado leitor possa perguntar: “Ô, Carlos, isso realmente aconteceu ou é tudo conversa fiada?”

Não sei. Só sei que foi assim!

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Disco: CD “Nonato Luiz & Antônio José Forte”.

Não é preciso muita acuidade para perceber o jeitão “nordestino” do Nonato Luiz. Já o Antônio Forte, o mesmo não acontece, pois mais parece sueco, dinamarquês ou coisa assim.
Aliás, por falar em nordestino, foi o próprio Nonato que me contou como se reconhece um legítimo cearense. Segundo ele, basta chegar ao cabra e perguntar de supetão: você gosta de mulher? É bem provável que ele diga sim…. Então, você volta à carga e arremata: e de farinha? Se ele soltar um retumbante “vixe!”, pronto: é sinal que você estará em frente a um legítimo pau-de-arara!

Bem, mas não é para falar de regionalismo que eu estou aqui, minha gente. O que importa é o belíssimo disco que os dois produziram. Meu Deus do Céu, eu já andava saudoso do amigo Nonato, que há mais de um ano não me dava notícias. Porém, para minha sorte, não é que o primo Henilton Menezes produziu mais uma de suas “pérolas” (Henilton é um baita produtor cultural, lá do meu velho e querido Ceará)? Foi ele que me enviou este CD, por sinal, de apurado gosto e qualidade. Basta ouvir “Patativa” ou “Mosaico”. Sintam o clima “noir” estabelecido por Antônio Forte em “Baião Cigano”, seguido por pujante galope do violão do Nonato. Algo maravilhoso!

No entanto, a melodia que mais me comoveu foi a imortal “Asa Branca”, inteiramente “recriada” pelos dois virtuoses. O resultado não poderia ser outro: como um bom sertanejo, chorei um bocado com saudades do velho Ceará!

NonatoForte