Cinema: filme “Denise está chamando”, de Hal Salwen.

OS “NÁUFRAGOS” DA MODERNIDADE

Há quem diga que os relacionamentos afetivos “aprisionam” as pessoas. Proclamam que a natureza dessas relações subverte, tacitamente, o “instinto” de liberdade presente no ser humano. Sei não. Pode até ser verdade, mas desconfio de que constitua mero discurso retórico. Digo isso, meus amigos, porque percebo que temos o hábito de buscar explicações, muitas vezes, solidamente “elaboradas”. No fundo, acredito que tal comportamento serve apenas para justificar as nossas descontroladas emoções. Afinal, ao que tudo indica, a capacidade de “racionalização” de o homem parece ser inesgotável. No entanto, creiam-me: apesar das heroicas resistências que oferecemos, bastam algumas sessões “deitados no divã” e vai tudo por água abaixo. Meu Deus do Céu, que incrível desperdício!

Quando eu tinha os meus vinte e poucos anos de idade, também pensava em levar a vida amorosa na flauta. Na época, devo confessar, eu não queria me sentir “ligado” a uma pessoa em especial. Preferia me manter como um “franco atirador”, desses que se imaginam imunes a qualquer relação mais contínua e profunda. Como se isso fosse possível… “Mas o tempo passa muito rápido”, vaticinavam os mais velhos. É verdade! Hoje, confesso, eu acho que isso é uma dádiva e não um pesar. Sem medo de errar, eu agora acredito que não há nada mais belo nessa vida do que a “maturidade”. Sim, somente quando atingimos esta fase na vida é que nos damos conta de como é maravilhoso estar “ligado” a alguém. E mais ainda: que extraordinárias emoções podemos sentir quando estamos sob os auspícios da “cumplicidade”.

O nosso saudoso Lupicínio Rodrigues já cantou em verso e prosa: “Estes moços, pobres moços / Ah! Se soubessem o que eu sei / Não amavam, não passavam / Por tudo que eu já passei / Por meus olhos, por meus sonhos, / por meu sangue, tudo enfim… / É que eu peço a esses moços / que acreditem em mim. / Se eles julgam que há um lindo futuro / Só o amor nessa vida conduz / Saibam que deixam o céu por ser escuro / E vão ao inferno a procura de luz. / Eu também tive nos meus belos dias / essa mania que muito me custou / E só as marcas que trago em meu peito / São essas rugas que o amor me deixou…”
Céus… ainda que essa canção seja maravilhosa, como soa doído o amor cantado por ele, não acham?! Mas, em verdade, o que Lupicínio sentiu foi uma baita “dor de cotovelo”. Nada mais do que isso. E cá entre nós: quem não sofreu desse mal? Afinal de contas, a “dor de cotovelo” é um sentimento intimamente ligado ao amor e pertinente à vida de qualquer criatura. Além disso, convenhamos, Lupicínio teve esse direito. Isto porque, acostumado à boemia, ele deve ter experimentado muitas paixões, grandes amores e, de quebra, algumas “dores”. Algo que só quem está “pulsando” pode sentir. Quem nunca viveu um grande amor, jamais saberá como é a dor da “perda”. Isto sim, meus amigos, é bem triste, apesar de ser passageiro. É algo que alimenta a “inspiração” dos músicos e poetas. Tão somente. No entanto, para nós, “pobres mortais”, é bem ao contrário, à medida que evitamos, desesperadamente, sentir a dor e vivenciar o processo do “luto”. Geralmente, o que se verifica é uma brutal “dissimulação”, isto sim! E para tanto, nós lançamos mão do enorme arsenal de “racionalizações” de que somos portadores. É impressionante!

Ainda assim, apesar das dificuldades, o mais importante é acreditar que o amor é “possível” nas relações afetivas. Sim! É preciso acreditar que ele pode ser duradouro. Com sorte, pode até ser para sempre!

Como pano de fundo dessa crônica, eu relembro o delicioso filme “Denise está chamando”. É uma comédia moderna, muito embora nos pareça tema-canção de Lupicínio. O enredo da história é interessantíssimo: são oito criaturas entrincheiradas nos labirintos da moderna comunicação. Fax, e-mail e muitos pulsos telefônicos são as “armas” de cada um na busca da sua “cara-metade”. Vale até o velho chavão: seria cômico, se não fosse trágico! Só que por trás do drama, a comédia corre solta. É que amparado em refinado humor o filme denuncia a nossa indelével dificuldade de estabelecer “relações”. Relações reais, não as virtuais que proliferam na Internet e nos aplicativos dos celulares que anunciam o “amor mais fácil e mais rápido”…

No filme, o que se observa é o perverso pacto no jogo do “faz de conta”, disseminado cinicamente pelos protagonistas da história. Os personagens bem que ensaiam o definitivo “encontro”. Contudo, ele nunca se realiza por conta das dificuldades de cada um. O diabo é que não conseguimos perceber, em “tempo real”, as armadilhas que espalhamos pelos caminhos das relações. E olha que são muitas, lamentavelmente. E quando nos damos conta, meus amigos, é quase sempre muito tarde e o prejuízo é devastador. Mas, por que tem que ser assim? Por que insistentemente boicotamos os nossos afetos?

Pois é, minha gente, parece que os subterrâneos dos nossos corações possuem mais “minas” do que toda a Segunda Grande Guerra. Prontas para explodir ao primeiro sinal de aproximação do “suposto inimigo”. Estamos ali, ao lado, em permanente estado de prontidão, com a baioneta apontada àqueles desavisados “sentimentos pequeno-burgueses, subversivos”.

Ah, meu prezado doutor Freud, quanta falta o senhor nos faz. Se soubesse como andam “enroladas” as coisas aqui embaixo, voltaria em nosso socorro. Urgentemente. Saiba apenas, mestre, que a tarefa desta vez será árdua. É que os nossos mecanismos “escapistas” se modernizaram muito e adquiriram uma sólida barreira tecnológica às suas investidas aos nossos inconscientes.

Nessas horas inquietas, em que a solidão bate à porta, eu procuro ler Drummond: “Mundo mundo vasto mundo / se eu me chamasse Raimundo / seria uma rima, não seria uma solução / Mundo mundo vasto mundo, / mais vasto é o meu coração”. E se a solidão for uma ferida, o poeta diria: “Essa ferida, meu bem / às vezes não sara nunca / às vezes sara amanhã”. Diria mais ainda, que Drummond é remédio para todas as horas: “Está sem mulher / está sem discurso / está sem carinho / já não pode beber / já não pode fumar / cuspir já não pode / a noite esfriou / o dia não veio… / e agora, José?!”

Pois bem. O certo é vivemos num mundo de muitas quedas, meus amigos. O que é preciso, então, é aprender a se equilibrar e tocar em frente. Com o espírito desarmado, sensibilidade e obstinação, poderemos curtir as belezas espalhadas no mundo. Seguramente. Mas, enquanto isso não acontece, enquanto não surge o grande amor, façamos como Manuel Bandeira e “cantemos um tango argentino”. É verdade, amigos. Quando achamos que não há mais saída: um tango argentino! Assim, a vida é uma sequência. Mesmo que eu me chamasse Raimundo, onde estaria a solução?

Talvez, se aqueles oito indivíduos conhecessem um pouco a nossa rica literatura poderiam ter escapado ilesos. Poderiam ter consumado os adiados “encontros” e, quem sabe, festejassem a chegada do amor. Combustível lírico é que não faltaria a eles. Certamente os seus corações amoleceriam as pernas, como convém aos encontros amorosos. E, dessa forma, eles celebrariam as bem-vindas paixões!

Os mais jovens, quem sabe, até poderiam exclamar: uma tremenda “adrenalina”!

denise

DENISE2

(cena do filme “Denise está chamando”)

 

Memórias: “Os caminhos dessa vida.”

Foram muitos os caminhos que atravessei em busca de uma vida serena, de conforto emocional ou até mesmo de realização profissional. E saibam todos que travo essa peleja desde pequeno, quando ainda não compreendia a dimensão de muitas dores…

“Esse é o ofício do homem, querido Chau”, dizia o meu amigo Rodrigo, lá na marquise da rua Zamenhoff, numa esquina do velho Estácio. Sim, talvez seja… Talvez você tenha razão, mestre Rodrigo. O diabo é que as coisas nunca foram fáceis para mim. Nunca se apresentaram de modo simples ou direto. E não foi por falta de alerta, reconheço. Ainda menino na escola, eu já fora avisado por Drummond, quando me disse: “Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida…”

Porém, por certo, o que eu não sabia é que para deixar de ser “gauche” a vida me cobraria um preço salgado. E nem mesmo o belo samba-canção de Chico Buarque conseguiu me alertar: “Quando nasci veio um anjo safado / O chato dum querubim / E decretou que eu tava predestinado / A ser errado assim. / Já de saída a minha estrada entortou / Mas vou até o fim.”

Pois é, meus amigos, por conta disso, muitas voltas eu tive que dar. Muitos atalhos eu desvendei em busca dos caminhos certos. Isso porque, no fundo, parece que a vida fica nos testando e verificando se somos capazes de seguir em frente. Sempre!

“Ninguém, ninguém vai me segurar / Ninguém há de me fechar / As portas do coração / …Eu não / Eu não vou desesperar / Eu não vou renunciar… / Enquanto eu puder cantar / Enquanto eu puder sorrir…”, foi baseado nesses versos de Chico Buarque que eu iniciei a caminhada. Sorte a minha que entendi, desde cedo, que esse percurso seria assim mesmo: desafiador. Sorte a minha que me “associei” a bons companheiros e, com isso, pude ser salvo inúmeras vezes das artimanhas da vida.

Por tudo isso, então, eu celebro cada um desses amigos, parceiros de tantas jornadas. E saúdo a todos, agradecendo pelos registros deixados…  Abençoados sejam!

 

Viva a vida

(foto: Praia dos Ingleses, em Florianópolis, numa ensolarada manhã de domingo)

Jazz: “The Smoking Time Jazz Club”, na Royal Street, em Nova Orleans.

Eu não sei dizer quanto tempo vai demorar para que eu possa assistir ao mais belo e espontâneo jazz de rua em New Orleans, nos arredores da Royal Street… Lá, meus amigos, ainda se poder ver músicos de qualidade executando belas performances. E o melhor de tudo, isso sim, é que eles nos fazem acreditar que a vida pode e deve ser bela. Para o deleite de todos, vale a pena nos deixarmos embalar por esse ritmo arrebatador. Afinal, o único risco que corremos é de sermos felizes, leves e soltos!

Uma coisa eu asseguro: prometo a mim mesmo e a minha família que nós teremos o prazer de usufruir desse presente… O mais breve possível.

Até lá, vamos curtindo o jazz do jeito que podemos!

 

Discos: a bossa-nova e a tropicália!

A bossa-nova é nossa! A tropicália também!

Eu já li muita coisa sobre a música brasileira. Algumas coisas boas e outras nem tanto. É que, no fundo, não é fácil escrever, minha gente. Além de termos que nos agarrar a uma boa ideia, tem o diabo do português que é um bocado difícil. São regras e mais regras, onde isso não permite aquilo e por aí afora. E existe, ainda por cima, o erro, a impropriedade e até mesmo o mau uso… E aí, minha gente, como nos safamos dessa impiedosa régua?!

Também há outro aspecto que pode estar presente numa escrita: o fato de um texto estar corretamente escrito, porém “insosso”. Aliás, cá entre nós, isto é mais comum do que imaginamos. Todos nós já nos deparamos com centenas de textos bem escritos, mas pecavam pela tal da “sem gracice”. Não que a gente tenha a obrigação de apresentar uma escrita bem-humorada. Contudo, devemos reconhecer que um texto leve e solto comunica mais facilmente e estabelece a devida empatia.

Mas… voltando ao tema da música brasileira, o que eu percebo é que a conhecida MPB tem recebido bastante espaço na literatura musical, o que me parece justo. No entanto, eu acredito que o “movimento tropicalista” foi pouco explorado. E olha que foi um movimento riquíssimo, seja no aspecto musical, seja no “conceito” que trazia embutido.

A meu ver, a “tropicália” foi bem mais do que um movimento musical, meus amigos. Porquanto trazia nas entranhas uma forte carga de “contestação” aos valores atribuídos, principalmente contra a bossa-nova, que era o “alvo burguês” do movimento tropicalista. Rogério Duprat foi um dos mentores do movimento, alimentando com o seu talento e criatividade os novos arranjos que embalaram as canções de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Tom Zé, Gal Costa, Ney Matogrosso e outros tantos.

Certo mesmo é que já se passaram cinquenta anos daquele momento histórico da música brasileira e pouca coisa foi feita de lá para cá que possuísse tamanha qualidade.

O que sei dizer, isso sim, é que a bossa-nova foi um fabuloso gênero musical. E seria insano não lhe atribuir valor. Para minha sorte, eu fui amante e testemunha das belíssimas criações de Tom Jobim, Carlinhos Lira, João Gilberto e outros craques. Ah, bons tempos aqueles no “Beco das Garrafas”, na Copacabana ainda inocente…

No entanto, eu saúdo também o extraordinário movimento tropicalista. Afinal, se a bossa-nova se apoiava nas questões do amor, com sabedoria, sedução e delicadeza, a tropicália construía suas trincheiras nos protestos estudantis desse mundão de Meu Deus…

Pelo sim ou pelo não, meus amigos, o que vale mesmo é boa música. E ela sempre terá destaque, não importa a origem. E esse lugar de destaque, por certo, está demarcado pelo bom gosto de quem ouve. Viva a boa música! Vivam os talentos que nos proporcionaram esse deleite!!

Disco:  “Sassy swings the Tivoli”, com Sarah Vaughan.

Não faz muito tempo que eu confessei aqui que era um ardoroso fã de Sarah Vaughan. Até aí, tudo bem, muita gente também é. O que nem todos sabem é que eu já sonhei com “Sassy”. Literalmente. Juro a vocês! Na verdade, eu sonhei que era músico e fazia parte do seu fabuloso grupo. E viajava com ela por todos os cantos desse mundão de Deus. Ah, meus amigos, que delícia de sonho. Como o pianista do trio, eu tinha ao meu lado, além de Sassy, a divina, a presença de Charles Williams no contrabaixo e George Hughes na bateria. O que eu sei dizer é que nós “aprontamos” um bocado nos shows e espetáculos. Não estava no gibi. Bastava a Sarah olhar para mim e eu já sabia que o andamento da melodia seria outro. Ora com o ritmo mais lento, ora acelerando mais que o “xaxado” do meu velho Ceará. E quando chegava a vez de “Misty”, eu sempre arrumava um jeito de improvisar algo especial para que a “divina” pudesse desfilar como uma rainha… “Over the rainbow” era outra canção preferida, uma vez que a “galera” ia ao delírio com a interpretação sempre emocionada de Sassy. Coisa linda, minha gente!

Até que um dia o Alexandre Kahtalian, meu terapeuta, disse enfaticamente: “se o Carlos insistir com essas “alucinações”, eu serei obrigado a interná-lo!”

Caramba, nem preciso dizer: nunca mais sonhei com isso. Juro pelo que é mais sagrado. E sequer tenho ouvido os discos dela. Podem acreditar (cruzando os dedos)!

https://www.youtube.com/watch?v=ERb81xZ2lWE&list=RDERb81xZ2lWE

sassy

Disco: CD “French Ballads”, com Barney Wilen.

Eu morei durante dez anos no Leblon, na Av. Bartolomeu Mitre, bem próximo à Praça Antero de Quental. Era o final dos anos 70 e foram bons tempos aqueles! Isto porque a atmosfera do bairro era diferente de tudo que se via no Rio de Janeiro. O Leblon mais parecia uma daquelas cidades provincianas, onde as pessoas se conhecem e se cumprimentam com carinho e amizade. E, ainda por cima, apresentava os melhores restaurantes, bares, pizzarias, lojas de sucos, além de toda sorte de elegantes “boutiques”… Ah, eu tenho as melhores recordações daquela época. Vejam só um exemplo:
Eu acabara de dar uma manhã inteira de aulas no Colégio Santo Agostinho, do Leblon. Naquele dia, excepcionalmente, eu teria a tarde de folga, sem nenhuma aula particular ou prova para corrigir… ufa, até que enfim!

Por conta disso, resolvi dar um pulinho no simpático Shopping da Gávea. Assim eu almoçaria no “árabe” e depois esticaria as pernas olhando as novidades. Agora, devo confessar: aquele carneiro recheado com farofa de hortelã, arroz com passas, gergelim e grão-de-bico é de matar guarda de trânsito! Após isso, devo concordar, só mesmo uma boa rede cearense para purgar as “culpas”…

Sim… eu ia contar sobre a esticada pelas lojas. É verdade, minha gente, há um punhado delas no elegante “shopping”. No segundo piso, por exemplo, havia uma que possuía “raridades” em jazz. Era parada obrigatória. E foi lá que encontrei o nosso Barney Wilen. É bem verdade que ele tem um tipo meio estranho, com mais “pinta” de artista plástico francês que de saxofonista. Mas… uma luz “acendeu” e me dizia para comprar “no escuro” o lacrado CD. E fiz muito bem, pois o disco é maravilhoso. Intitula-se “French Ballads”. E já que dei a pista, vamos lá. Barney nos apresenta a nata do cancioneiro francês, regado com vinho nacional (deles, é claro!) e muito bom gosto jazzístico. Interpreta belas canções de Michel Legrand, Jaques Prévert, Piaf e, de quebra, Django Reinhardt.
Então, faço agora alguns convites. Deliciem-se com o impecável desempenho em “La vie em rose”. Percebam a “releitura” que ele faz em “What are you doing the rest of your life”. E se não ficarem satisfeitos, façam um “flashback” relembrando “Un été 42”, trilha sonora de Michel Legrand para o belíssimo filme homônimo (Verão de 42).
Ah, sim! Antes que eu esqueça: ouçam com atenção especial a faixa 6. É a manjadíssima “My way”, eternizada na voz de Sinatra. Há quem a considere como o “hino à realização”.

Pode ser. Verdade é que eu gostaria de cantar para o meu filho, Gabriel, os versos desta canção. Por certo, eu me sentiria orgulhoso de poder declarar que as tantas coisas que já fiz na vida, “fiz à minha maneira”. Afinal, quantos de nós podem dizer isso, após sessenta anos de existência? É que, lamentavelmente, é mais comum fazermos “as coisas” pelo jeito dos outros, não acham?

O certo mesmo é que o nosso Barney tocou o sax do “jeito” dele. E muito bem! Por isso, o disco é recomendado até pelo “Blue Note”. Céus… nem precisava. Bastava apenas ouvir!

https://www.youtube.com/watch?v=DiCjmzpqUA0

 

Barney

Disco: “Stormy Lady”, com Lena Horne.

Dizem que nos anos dourados dos famosos musicais norte-americanos, nas décadas de 40, 50 e 60, muitos produtores se apressaram em lançar cantores e, principalmente, cantoras no cenário musical. Até mesmo atrizes famosas eram convidadas a cantar, pois tudo acabava em samba… ou melhor, em baladas na Broadway!

Eu tenho aqui em casa pelo menos uma meia dúzia de exemplares de CDs com cantoras, que deveriam optar por outras profissões, uma vez que o canto não é o forte nelas. É bem o caso da Lena Horne, que era até uma boa atriz e foi impulsionada pelos empresários gananciosos a cantar alguns “hits” do jazz. Sua voz é suave e bem postada. Porém, é pequena e sem variações. Sem capacidade de improvisos ou coisa assim. Por isso, não arriscava nada e seguia o “script” musical ao pé da letra…

Como já fazia mais de vinte anos que eu não ouvia Lena Horne, peguei alguns CDs para ouvir e, ao mesmo tempo, ver se mudava a minha opinião sobre ela. O CD escolhido foi o “Stormy Lady” e após boa parte da manhã desse domingo em busca de alguma surpresa agradável, cheguei a conclusão que nem mesmo o título do disco era apropriado. Afinal, a tempestade anunciada passou bem longe e a grande dama nem sequer se molhou, meus amigos. É tudo muito arrumadinho, muito linear… mas, não emociona ninguém…

Paciência, fazer o quê?!

https://www.youtube.com/watch?v=TPgnj5upihQ

 

lena

Literatura: crônica “Histórias de Professores – Parte 1.

Maurício é um daqueles cearenses arretados, nascido lá em Itapipoca. É um sujeito maravilhoso, um típico “pau-de-arara” que a gente nem precisa perguntar onde nasceu, pois com aquele pescoço entalado, ah, meus amigos, só mesmo na terrinha… no meu Ceará!

Eu trabalhei com ele em algumas escolas e cursinhos e foi para mim uma das melhores lembranças que guardei do magistério. Primeiro porque o Maurício era “fera” em Matemática e dava uma aula de cair o queixo da moçada. Depois porque ninguém conseguia sair ileso do seu maravilhoso senso de humor. Fantástico!

Lembro até de um “causo” que aconteceu certa vez com o Maurício e que virou antologia no magistério carioca. Sim, segundo contam, Mauricio atravessava a cidade de um canto ao outro dentro dos tais “frescões” (aqueles ônibus executivos) e, vez por outra, dormia e acordava no ponto final… Paciência! Tinha que pegar outro frescão até chegar ao cursinho. E ali é que ocorreu o episódio, minha gente. A sala de aula estava lotada, com mais de 200 alunos. O tablado era alto e para subir, exigia esforço do professor. Mauricio já bastante cansado, no fim de noite, subiu e começou a apagar o imenso quadro-negro da aula anterior. Quando estava na metade do serviço, um aluno começou a chamar insistentemente pelo mestre: “professor… Ô, professor… Chega aqui!”

Maurício se virou, desceu do tablado e foi lentamente até onde o aluno estava. O estudante, por sua vez, puxou o Mauricio pelo braço e, ainda sentado, sacramentou no ouvido: “professor, não estou entendendo “porra nenhuma” da sua aula!!!”

A experiência de Maurício, no entanto, falou mais alto e ditou os próximos movimentos. Mantendo aquela calma cearense, que mais parecia um monge tibetano, Maurício nem se abalou. Subiu novamente no tablado, apagou calmamente o quadro-negro e, após isso, escreveu no quadro os assuntos que daria naquela aula dupla.

Aí, ele bateu uma mão na outra para tirar o excesso de giz e se dirigiu para o canto da sala. Nesse momento, olhou para o referido aluno e pediu para que ele se levantasse. O estudante, meio perplexo, não atendeu ao “convite”, preferindo permanecer sentado. Com isso, ele obrigou Maurício a se abaixar e, ao pé do ouvido, recebeu a aguardada resposta ao seu intempestivo depoimento. Foi apenas uma frase: “se vira, seu fio de uma égua!!”

Pois é… são coisas da vida de um professor. Fazer o quê?!

professor 1

(imagem da internet, meramente ilustrativa)

 

Literatura: crônica “Histórias de Professores” – Parte 2.

Uma das características mais interessantes de se ver em um professor, convenhamos, é a capacidade de antever as dificuldades dos alunos. De fato, isso é algo espetacular e na verdade são poucos que adquirem esta sensibilidade durante a carreira do magistério. Aliás, tal acuidade permite que o professor possa desenvolver as explanações fazendo uso do seu “termômetro de compreensão” do tema tratado. Sim! Quando bem utilizado, meus amigos, isto vira uma poderosa ferramenta junto à técnica de ensino-aprendizagem.
Nelson foi um desses professores “medalhões” da Língua Portuguesa e da Literatura Brasileira que tive o prazer de conviver no exercício da profissão. Era um professor extraordinário, que deixou marcas na formação de milhares de estudantes cariocas.
Certa vez, ao finalizar uma longa explicação sobre regras gramaticais, Nelson foi interpelado por um aluno grosseiro. Disse o aluno: “não entendi nada!” E o professor, retrucou com um largo sorriso: “você deveria saber que negar a negativa é o mesmo que afirmar!” O aluno fez cara de paisagem… Então, Nelson voltou à carga: “o que eu quis dizer, meu jovem, é que se você afirma que “não entendeu nada”, é sinal que “entendeu tudo”, entendeu?”

O aluno, ainda sem compreender, preferiu partir para ofensiva e disse: “explica de novo!” E Nelson, sem perder a elegância, apontou: “depois do “por favor”, confesso, não ouvi direito o restante do seu pedido…” Foi quando o aluno, irritado, declarou em alta voz: “eu estou lhe pagando para me explicar!”

Aí, entra em cena o talento e senso de oportunidade do velho Nelson. Virou-se para o aluno e disse: “bem, você utilizou um argumento contundente. Então, vejamos: quanto é que você paga de mensalidade escolar?” O aluno respondeu, de bate-pronto: “eu pago R$ 1.350,00 de mensalidade. E daí?” Nelson pediu que ele viesse até o quadro-negro e ficasse a seu lado, o que ocorreu. Pegou um pedaço de giz e solicitou ao aluno que acompanhasse o raciocínio. “Vejamos, meu jovem: você tem seis aulas por dia e cinco dias na semana, certo? Isso dá um total de 30 aulas semanais, que multiplicadas por quatro semanas e meia, perfaz o montante de 135 aulas no mês, confere? Portanto, para cada aula os seus pais desembolsam o valor médio de dez reais, ou seja, o resultado da divisão de R$ 1.350,00 da mensalidade por 135 aulas do mês. Como nós já tivemos 40 minutos da aula, cuja duração é de 50 minutos, assim, já cumprimos 80% da aula e, consequentemente, eu devo aos seus pais somente 20% dessa aula, concorda?”

Nelson, calmamente, colocou a mão no bolso, puxou a carteira de dinheiro e pegou uma nota de dois reais. Virou-se para o aluno e completou: “por gentileza, queira pegar esse dinheiro que ainda lhe devo e me faça o favor de sair de sala. Estamos quites. Não lhe devo mais nada!!”

professor 2

(imagem da internet, meramente ilustrativa)

 

Literatura: crônica “Histórias de Professores” – Parte 3.

HISTÓRIAS DE PROFESSORES” – Parte 3.

Aquele seria o quinto sábado do semestre que o Pacheco chegava atrasado para suas aulas no Colégio SB, um dos melhores, senão o melhor, do Rio de Janeiro. E o diretor já havia avisado que não toleraria mais nenhum atraso. Disso o nosso Pacheco sabia muito bem. Sabia também que um novo atraso implicaria em demissão sumária. “Irreversível”, diria o irritado diretor.

Ocorre que a noite carioca tem lá as suas manhas e o seu fascínio. Para piorar a situação, Pacheco era um boêmio inveterado. E a noitada de sexta-feira começava com os colegas do cursinho onde dava as últimas aulas da semana. Habitualmente eles elegiam o Catete ou o Flamengo para dar início aos “serviços”. Naquela noite, lembro bem, o grupo optou pelo Café Lamas que, antes das obras do Metrô, ficava no Largo do Machado. Depois, mudou-se para a Marquês de Abrantes, mantendo o mesmo clima. Lá, o grupo de professores era conhecido como os “quatro mosqueteiros das exatas”, pois dois eram mestres de matemática, um de química e o último era de física. Invariavelmente, meus amigos, a noitada era aberta com uma rodada de chope, acompanhado por “Steinhaeger” e uma porção de salaminho.

Dali, o grupo fazia uma verdadeira peregrinação: iam para o Bar Luiz, na Rua da Carioca ou para o Bar Lagoa, com o tradicional estilo “art déco” e o mau humor dos garçons, mas, que ainda assim, era o melhor ponto de encontro da turma da “esquerda”.

Algumas vezes, o escolhido era o Bar Nova Capela, na Lapa, onde comiam a melhor paleta de cabrito com arroz de brócolis. E, claro, mais algumas rodadas de chope ou caipirinhas de lima da Pérsia, para não dar “ressaca”…

O pior de tudo, minha gente, é que somente às três da madrugada Pacheco se lembrou das aulas do sábado, que começavam às sete horas. Sem pestanejar, pediu desculpas ao grupo e pegou um táxi para o Colégio SB. Lá chegando, gritou pelo nome do vigia da escola por um bom tempinho. Lá pelas tantas, assustado, ele chegou ao portão e perguntou de quem eram os gritos. “Sou eu, seu Chico, o professor Pacheco, de matemática”. O vigia, então, perguntou: “E o que o senhor quer a essas horas da madrugada, professor?”

Para disfarçar, Pacheco explicou que fora a um casamento e que após a recepção ficou em dúvida se iria para casa ou para a escola. Preferiu vir direto e pedia para dormir aquelas poucas horas que restavam ali mesmo na guarita do vigia. O seu Chico coçou a cabeça e acabou permitindo a entrada do professor, não sem antes advertir que se tratava de uma exceção à regra!

O fim da história é triste, minha gente. Pacheco só acordou às dez e meia da manhã, com o sol batendo em seu rosto na guarita. Lavado de suor. Por conta disso, foi demitido na segunda-feira pelo motivo já anunciado.

Ao receber o aviso de demissão, Pacheco ainda tentou explicar ao irritado diretor: “o senhor acredita que eu fui o primeiro professor a chegar ao colégio no sábado… bem cedinho… acredita, diretor?!”

professor 3