Disco: CD “Ballads”, de John Coltrane.

Ah, que saudades eu sinto do “nego velho”, Holdemar Menezes… Foi bem mais do que meu tio: foi meu “orientador” e segundo pai. É verdade que eram irmãos, mas possuíam, cada um ao seu jeito, inteligências e sensibilidades próprias.
Holdemar foi para o “andar de cima”. No entanto, imagino que ele preferisse o “andar de baixo”, visto que é mais “avacalhado” e se sentiria mais à vontade! É que o “nego velho” sempre foi meio marginal, ao menos nas suas fantasias. Na vida real, ao contrário, era um “respeitável” e bem sucedido médico, além de extraordinário escritor. Sua literatura, sim, sempre esteve a serviço do seu lado “bandido”. Verdade é que conheci poucos contistas com tamanho talento, domínio e versatilidade.
Foi na casa de Holdemar, no final dos anos sessenta, que fui “apresentado” a John Coltrane. No seu pequeno escritório havia um acervo de jazz de fazer inveja. Meu Deus, quantas “descobertas” experimentei a partir de nossas conversas? Por sua indicação, tive contato com os grandes clássicos da literatura e do jazz. Naquela época pouco ouvira falar em Camus, Kafka, Sartre ou Dostoievski, tanto quanto de Miles Davis, Chet Baker, Billie e outros tantos. Porquanto meu pai, meu grande “guru”, era amante da música erudita e sua literatura predileta sempre fora filosofia e política. Papai me apresentara Wagner, Mozart, Bach e também Marx, Marcuse, Nietzsche e Hegel. Nossa… Foram magníficas descobertas para um jovem como eu!
Certo dia Holdemar me disse: “Carlos, você conhece as baladas do Coltrane?” Claro que não “conhecia”. Então, escutei. Uma, duas, diversas vezes. Incrível. Fantásticas interpretações! Somente após ouvir aquelas baladas é que fui “compreender” o que era elegância e bom gosto no jazz. No meu imaginário, Coltrane tocava “Say it (over and over again)” vestido a rigor, tal era o “finesse” com que ele soprava aquele sax. Desde então, nunca mais pude me separar de Coltrane e nem das lembranças que carrego do “nego velho”…
Onde quer que esteja, meu tio, receba o meu beijo e o meu reconhecimento, já que ainda tenho a oportunidade de poder beijar e agradecer ao meu velho pai, seu irmão!

Disco: CD “Gershwin’s World”, com Herbie Hancock.

Lembro apenas que era verão e o ano, 1976. Eu estava deitado numa rede cearense naquele pequeno quarto, lendo “Jazz Panorama”, do invejado Jorginho Guinle. É um livro antigo, escrito em 1959 e, ainda assim, muito interessante. Foi quando a Bárbara me chamou e mostrou uma notícia do jornal. Olhei para ela e dei um leve e desconfiado sorriso. Afinal, o jornal era suíço e escrito em alemão. Para mim, era como se grego fosse. Porém, ela insistiu: “olha, Carlos, vão representar “Porgy & Bess” aqui no teatro da Universidade da Basiléia”. Céus! Fiquei excitado com a ideia, pois sempre gostara da obra dos irmãos Gershwin. Talvez seja a mais famosa tragédia, ópera jazzística ou o que queiram considerar. Verdade é que é belíssima, isso sim!
Então, passaram-se mais de 40 anos. Hoje, meus amigos, eu estou às véspera do inverno de 2018, em Florianópolis. O certo mesmo é que Bárbara pode ter-se ido e até deixado saudades. Com ela, a Suíça também ficou na memória distante, que aos poucos vem se dissipando. No entanto, para minha sorte, “Porgy and Bess” até hoje permanecem ao meu lado…
Neste disco, em homenagem aos irmãos Gershwin (Ira e George), o nosso fabuloso pianista Herbie Hancock convidou diversos “ícones” da música. Joni Mitchell aparece “encantada” e nos brinda com comoventes interpretações em “The man I Love” e em “Summertime”. Coisa linda!
Tem mais coisa ainda, minha gente. Tem um vocal maravilhoso da Kathleen Battle. Tem Steve Wonder, Wayne Shorter, Chick Corea, Ira Coleman, Cyro Baptista e… ufa, quem mais? Ah, sim… claro, o cicerone, Herbie Hancock!
 
 
Herbie

Disco: CD “I remember Miles”, de Shirley Horn.

Ah, como eu gostaria de ser poeta! Só para poder criar uma canção como “My funny Valentine” e ouvi-la, quase recitada, pela abençoada garganta de Shirley Horn. Céus, seria a maior glória. Acudam-me, anjos da guarda! Volte cá, minha mãe querida! Ajude-me, meu “Padim” Padre Ciço! Seu filho está clamando! E ele não pede fortuna, saúde eterna, cargos “fantasmas” ou benesses do governo… Ele só quer poesia. Nada mais do que isso… Portanto, prometam-me que serei poeta, ao menos, por um dia. E se, de toda a forma, não puderem me atender, então, deem-me a felicidade de ter bons ouvidos. Apenas para me deliciar com a voz de Shirley cantando “Summertime”. Cantando também “Baby, won´t you please come home” com aquela intimidade peculiar, capaz de soltar um discreto sorriso após os aplausos calorosos.
E mais ainda: por favor, sejam generosos com esse seu filho. Afinal, o que ele pede não é muito. De mais a mais, meu Deus do Céu, o que custa?! Mas… pera aí… ouçam, ouçam: está tocando “This Hotel”. Que maravilha! Parem tudo! Esqueçam tudo! Deixem-me sonhar!
Olha, meus amigos, desculpem-me pelo exagero, pelo transe… É que esse disco, “I remember Miles”, acabou me pegando de jeito. Podem acreditar! Eu estava aqui no meu canto, bem quietinho… na minha… sem incomodar ninguém. Aí, vejam vocês: apareceram a voz da Shirley, o trompete de Roy Hargrove, a gaita de Toots, o baixo de Ron Carter e… a imensa saudade de minha mãe…
Céus, tudo desmoronou!
 
Shirley

Artes Plásticas: o legado de Jarina Menezes.

Ah, sim… Como eu havia escrito que o desenho era a maior paixão de minha mãe, trago aqui a imagem do seu premiado trabalho com a Medalha de Ouro, concedida pela Associação Brasileira de Desenho, no ano de 1975, no Rio de Janeiro.

Após esse ciclo de homenagens a minha mãe, aproveito para agradecer a todas as pessoas que manifestaram profundo carinho e respeito a memória dela. Muito obrigado, meus amigos!

PS. A imagem à direita é a que ilustra o meu livro “Jazz, Cinema & Utopia”, editado pela Editora DIOESC, em dezembro de 2010 e a imagem da esquerda é a do quadro que mereceu a Medalha de Ouro.

Artes Plásticas: a carreira artística de Jarina Menezes.

A vida artística de minha mãe iniciou-se no Rio de Janeiro. Ela foi autodidata e teve os primeiros ensinamentos nas técnicas da pintura no Centro de Arte Contemporânea. Lá, participou de diversos eventos.

Do Rio de Janeiro, Jarina veio morar em Florianópolis, onde residiu por mais de vinte anos na bela Lagoa da Conceição. E aqui ela ampliou os conhecimentos nas técnicas da arte que escolhera.

Pode-se dizer que Jarina foi essencialmente uma desenhista, embora trabalhasse com outras técnicas: óleo, acrílico e xilogravura. No entanto, todos reconhecemos, ela era especialmente amante do papel e com ele elaborou os melhores desenhos. Utilizava tinta Ecoline para fazer as manchas de forma aleatória nas diversas cores e, no segundo momento, construir as formas e seus contornos com o auxílio do nanquim e bico de pena.

Mamãe sempre foi uma forte admiradora de Picasso, Miró e do grande desenhista Hans Bellmer.

De modo geral, Jarina se sentia gratificada pelo reconhecimento que alcançou como artista. Expôs seus trabalhos na Espanha, Portugal e na Bélgica. E orgulhava-se de ter sido selecionada, dentre os 287 artistas do mundo, para participar do Museo Español de Arte Comteporaneo, em Madrid, no ano de 1981. Em Portugal participou da “Lis Internacional Show”, na Sale de Exposition de la Mairie Vila Real.

No Brasil, Jarina foi premiada com a Medalha de Ouro da Associação Brasileira de Desenho no ano de 1975, no Rio de Janeiro. A primeira Medalha de Bronze foi conquistada no Clube Militar do Rio de Janeiro em 1976 e a outra Medalha de Bronze recebeu da Associação Brasileira de Desenho do Ministério da Educação e Cultura em 1977. Recebeu, também, Menção Honrosa nas exposições do Clube Militar em 1975, na Sociedade Brasileira de Belas Artes em 1975, no XI Salão Feminino da Sociedade Brasileira de Belas Artes em 1975, entre outras.

Realizou diversas exposições individuais e participou de inúmeras coletivas em algumas cidades do Brasil.

Em Florianópolis, participou da Retrospectiva do Museu de Arte de Santa Catarina em 1990, com a curadoria de Harry Laus e dos 1º e 2º Indicador Catarinense das Artes Plásticas. Pertenceu ao Conselho Deliberativo da Fundação “O Mundo Ovo de Eli Heil” e foi Conselheira da Fundação Hassis.

No ano 2001, Jarina preparou os associados para receberem a nova diretoria da ACAP. Seu desejo era passar aos colegas jovens a experiência vivida na Instituição, bem como, a que acumulou durante o longo caminho da vida artística, iniciada em 1969.

Segundo Jarina, “…a arte deve ser levada a sério. Quando um artista se sente incompreendido, não deve repudiar aqueles que estão no seu entorno. Muito pelo contrário, deve procurar no seu interior as reais razões desse sentimento…”

(esteja onde estiver, minha mãe, receba o meu carinhoso beijo e o reconhecimento do seu enorme valor!)

Mulher 5

Artes Plásticas: a grande viagem de Jarina Menezes!

Olha, seu moço, eu gostaria de contar um ‘causo’. Creia-me, é um causo bem interessante. Singelo e raro, como convém. Contudo, devo alertar a todos: não se trata de grandes caçadas ou incríveis pescarias. Tão pouco contempla fato estranho ou toda sorte de proezas extraídas da fértil imaginação dos homens. Não, seu moço! A estória que vou relatar é simples feito um vestido de chita, mas, tenha a certeza, ela é cheia de riquezas outras. É a estória que narra a vida de uma corajosa nordestina, de nome Francisca Jarina. Foi uma tremenda ‘cabra da peste’, capaz de nos encher de orgulho. Sim, seu moço, hoje eu quero lembrar de Jarina Menezes: a mãe de seis filhos que saiu do distante Ceará rumo ao Sul e se tornou uma baita artista plástica.

Pois, então, eu conto. Ela nasceu num pequeno vilarejo, no velho Massapé, na primavera de 1927; quando criança, sob o céu do sertão, Jarina se punha a observar as nuvens, formando estranhas figuras que seu imaginário iria moldar. Foi ali, seu moço, que nasceu o universo ‘surrealista’ que acompanhou para sempre o destino e a arte dessa linda mulher.

Antes disso, porém, apesar da pouca idade, Jarina precisou se fazer ao mar. Empurrada pela perda da mãe, Carlinda, quando contava somente dezessete anos, Jarina viu-se obrigada a cuidar de outros dois “Franciscos”, seus irmãos caçulas: um de 9 e o outro com apenas 5 anos de idade. Ao juntar esforços com a irmã, ela alimentou, zelou pela saúde e semeou educação nos dois pequenos irmãos.

É bem verdade que naquele distante e conservador Ceará, não restava a Jarina muitas alternativas. Daí o casamento precoce, ainda no mesmo ano da morte da mãe. No entanto, o destino feriu mais forte quando um dos filhos de Jarina foi acometido por doença grave e ela teve que abandonar às pressas o seu velho Ceará. Carregando cinco dos seis rebentos debaixo das asas, ela veio ao Rio de Janeiro com a missão de “salvar” o menino “Zeo”, sem lograr o merecido êxito… Foi um duro e sofrido golpe!

A viagem para o Rio de Janeiro, naquela época, levava mais de dez horas pela Real Transportes Aéreos e parava em todos os aeroportos no caminho.

Já no Rio de Janeiro, após um prolongado luto pela perda do pequeno filho, teve início a terapia psicanalítica com vistas à recuperação emocional de Jarina. E foram precisos mais de dez anos de terapia para que surgisse a vida artística na trajetória dela. No Centro de Arte Contemporânea, ela teve os primeiros ensinamentos nas técnicas da pintura. A partir daí, seu moço, uma saudável ‘loucura’ tomou conta dessa brava mulher e nunca mais a deixou… Ainda bem.

Em 1982, Jarina veio morar em Florianópolis, onde residiu por mais de vinte anos na bela Lagoa da Conceição. Ali ela ampliou os conhecimentos nas técnicas da arte e se entregou de vez a esse maravilhoso universo. Faleceu em 2005, aos 78 anos de idade, deixando um belíssimo legado de vida e de arte.

 

Mulher 4

Artes Plásticas: o “destino” de Jarina.

Apesar da pouca idade, ainda no distante Massapê, Jarina precisou se fazer ao mar. Empurrada pela perda da mãe, Carlinda, quando contava somente dezessete anos, ela viu-se obrigada a cuidar dos dois irmãos caçulas: um de 9 anos e o outro com apenas 5 anos de idade. Juntando esforços com a irmã, ela alimentou, zelou pela saúde e semeou educação nos dois irmãos órfãos.
É bem verdade que naquele distante e conservador Ceará, não restava a Jarina muitas alternativas. Daí o casamento precoce, ainda no mesmo ano da morte da mãe.
Nesse período, Jarina também se envolveu com a política, filiando-se à Liga das Mulheres do Partido Comunista Brasileiro…

 

Mulher 3

Artes Plásticas: as nuvens do velho e querido Ceará na arte de Jarina Menezes.

É interessante perceber a trajetória das pessoas. Porquanto, muitas vezes, ela revela os potenciais latentes em cada um de nós. Vejam, por exemplo, o caso de minha querida mãe, Jarina Menezes. Nascida em Massapê, no velho Ceará, desde muito cedo Jarina se punha a observar as nuvens brancas dançando no céu azul do agreste, formando estranhas figuras no seu imaginário. Por certo ela não intuía, mas, quem sabe não nascia ali o universo surrealista que acompanharia para sempre a sua extraordinária arte?

Se foi isso, então, resta-nos agradecer às nuvens e a fértil imaginação daquela menina que “brincava com a imaginação”…

Mulher 2

Artes Plásticas: o surrealismo de Jarina Menezes.

Esta semana eu gostaria de prestar uma homenagem a uma criatura muito especial em minha vida: minha mãe, Jarina Menezes.

Ela foi uma extraordinária artista plástica. Surrealista. Amante de Miró e Picasso, Jarina deixou um belíssimo legado de amor e de arte.

A série que apresentarei aqui se intitula “Mulheres sem rosto”. Nela, minha mãe reverenciou as tantas mulheres que lutam pelo respeito e consideração de todos. Mulheres que podem ser bailarinas, rendeiras ou o que o destino permitir que sejam. Afinal, na arte ou na vida, o importante é que consigam passar adiante o imenso amor que há dentro delas. Amor aos seus filhos, como fez Jarina. Amor ao mundo, como fazem todas as mulheres… Abençoadas sejam!

 

Mulher 1

Memórias: ” Pôr do sol” no Rio Paraíba, em João Pessoa – Paraíba.

Pôr do sol na Praia Fluvial do Jacaré, no Rio Paraíba, em João Pessoa. Um lugar inteiramente mágico, que parece estar fora desse mundo…
O mais interessante de tudo, minha gente, é que todos os dias aparece, em um barco, o músico Jurandy do Sax. Com extrema elegância, ele vem coroar o pôr do sol tocando o Bolero de Ravel. Por conta disso, uma multidão fica aguardando a sua chegada. Afinal, ele tornou-se celebridade e referência!!

Rio Paraíba