Disco: CD “Someday My Prince Will Come”, com Miles Davis.

Era o início dos anos 60 e eu tinha apenas 10 anos. Nunca imaginaria que o sonho de minha irmã mais velha – “Algum dia meu príncipe chegará!” – fosse o tema do disco de Miles Davis. Como eu saberia que um “sonho” pode ser tocado? De fato, pode! Não por qualquer um, tampouco por qualquer instrumento. Somente por ele. Somente pelos lábios “mágicos” de Miles Davis.

A música de Miles foi como a sua vida: estranha, conturbada e contraditória. Mas, antes de tudo, extraordinária. Lá, isso sim!

Seguramente, ele foi o músico mais reverenciado da história do jazz. O mais criativo e o mais “abusado” também, pois até de costas ele já tocou para plateias atônitas. É verdade… ele foi muitas vezes malcriado e irreverente. Mas, sempre impecável. Miles Davis era assim!

“Someday my prince will come” é o nome do disco e da primeira faixa. É uma verdadeira obra-prima, com direito a participação de Coltrane. Seguem-se “Old Folks”, “Drad-Dog”, “Teo” e o fantástico “hit”, “I thought about you”.

Em sua fase final, Miles Davis fez incursões em outros ritmos. Quem sabe, fosse apenas uma busca por algo mais!? Algo que desse algum sentido à sua vida, que lentamente se esvaía. Um triste momento, devemos reconhecer, para aquele que só merecia aplausos…

https://www.youtube.com/watch?v=kTo9-m1CUZM

MilesDavis_Someday

Disco: CD “Solo Monk”, com Thelonious Monk.

Thelonious Monk foi um desses extraordinários pianistas que ousou bem mais do que a maioria no jazz. Sua melodia tem acordes sincopados e, por vezes, dissonantes. Talvez, por isso, tenha sido “relegado” pela “velha guarda”. Certa vez, um crítico afirmou: “A música de Thelonious é como dar um passo no vazio em plena escuridão”. Pode ser. Afinal, Monk foi rotulado de excêntrico, enigmático e até de louco… Porém, genial!
A verdade, meus amigos, é que não se pode ouvir as canções de Monk a qualquer hora. Lá, isso não! É preciso concentração e estado de espírito. Caso contrário, ficamos fatigados já na terceira ou quarta faixa do disco.

Monk foi preso sob acusação de posse de drogas no início dos anos 50. Indiferente a tudo isso, ele continuou a trajetória, compondo memoráveis canções. “Ask me now” é uma delas: belíssima!

Thelonious Monk exerceu muita influência em outros grandes pianistas. Até Oscar Peterson reconheceu isso em uma entrevista.

Este álbum, intitulado “Solo Monk”, foi gravado em 1964. Chamo especial atenção para a faixa, “These foolish things”. Aí, sim, temos aí o verdadeiro Monk: bem solto, inventivo e… apaixonante!

https://www.youtube.com/watch?v=Q6H6DjPBFOo

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JAZZ: Billie Holiday, a grande dama do jazz!

A história da sofrida e atribulada vida de Billie Holiday já foi tema de muitos filmes e documentários, quase todos retratando a infância pobre e amarga da grande dama do “blues”. É sabido, por exemplo, que os infortúnios de Billie só foram atenuados, em parte, pela profunda relação amorosa que estabelecera com sua mãe. Em seu livro autobiográfico, Billie começa nos chocando: “Minha mãe e meu pai eram dois garotos quando se casaram. Ele tinha apenas 18 anos, ela 16… e eu, três”. Pouco depois, seu pai foi-se embora para Nova Iorque, deixando-a desamparada. Com isso, a educação de Billie foi “incumbida” aos parentes, que muito a maltratavam. O que se seguiu, segundo afirmam, virou lenda: Billie mudou-se para Nova Iorque, trabalhou como empregada doméstica, foi prostituta e acabou se tornando a maior cantora do jazz. Certo mesmo é que ela foi uma linda mulher. Habitualmente, vestia-se de branco: sempre a rigor e com uma gardênia enfiada nos cabelos. Era a sua marca registrada! Gravou discos com os maiores músicos existentes e encontrou em Bessie Smith a musa inspiradora de sua fenomenal carreira. Mas, a partir do início dos anos 50, a vida de Billie desceu a ladeira. Fez-se refém do álcool e das drogas e travou uma impiedosa luta contra a dependência à heroína, saindo-se derrotada. Seus últimos anos de vida foram duros e aviltantes. Injustos, até. Afinal, a grande dama tornou-se vítima de um mundo que, desde o início, foi “padrasto” para ela. Faleceu em 1959, com apenas 45 anos de idade!

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Disco: CD “Give it up to love”, com Sam McClain.

Henilton Menezes é meu primo, lá do nosso velho Ceará. É gente muita boa ou como dizem por aquelas bandas: um tremendo “cabra da peste”. Desses que se não fossem parentes, nós adotaríamos de qualquer jeito. Lembro-me de que não o conhecia pessoalmente quando recebi uma ligação dele, no Rio de Janeiro. Estava hospedado no antigo Hotel Nacional, palco dos Festivais de Jazz, onde nossa presença era garantida. Daí, convidou-me para um chope, com direito a um papo gostoso sobre jazz. Pois não é que ele me escreve agora, declarando-se meu leitor. Bem… não foi bem assim… na verdade, ele escreveu para me “esculhambar”. Com seu inconfundível senso de humor cearense, disse: “Pô, vê se escreve sobre gente nova, seu baitola! Não existe só essa velharia, feito você, no nosso jazz!”

Esquecendo os demais palavrões que me disse, que cearense é bicho desbocado mesmo, eu sou obrigado a concordar com ele. Portanto, desculpe-me, Henilton, não foi por querer. Aliás, cá entre nós: estou tão velho assim, com 66 anos? É verdade que as moças, minhas alunas, há tempos já me chamam de “tio”…

Muito bem, primo. Então, está aí o que me pediu. Só falta você não conhecer o Mighty Sam McClain, um negão com uma voz e um suingue de fazer sorrir a galera do velório! “Give it up to love” é o título do disco, gravado em 20 bits, que garante uma qualidade impecável. Agora, se você ouvir “Got to have your love” e não se emocionar, primo, é sinal que o velório acima deveria ser o seu! E já que é assim, aproveite e mande queijo de coalho, rapadura e muita tapioca…

https://www.youtube.com/watch?v=Ca2gbXZExpU

https://www.youtube.com/watch?v=9cSRU8gxyL4

Sam McClain

Disco: CD “The best of two Worlds”, com João Gilberto, Miúcha e Stan Getz.

“Eta, disquinho danado de bão, sô!”, exclamaria o meu amigo Paulo Assis Brasil. É… tem razão, Paulinho. O disco é memorável e deveria fazer parte de qualquer “cedeteca” que se preze. Aliás, a gravação já completou quarenta anos e, ainda assim, a gente escuta com o maior prazer! É que esse tal de Stan Getz é realmente um “capeta”. Consegue nos fazer sorrir até em velório… E a nossa Miúcha, então, “conversando” com o João Gilberto? Meu Deus, que maravilha! Não é à toa que os gringos, lá fora, até hoje reverenciam a nossa eterna bossa-nova. Pudera! Basta ouvir “Lígia” ou “É preciso perdoar” ou “Falsa Baiana”. Mas, se por acaso houver algum leitor renitente, então, apelo para “Retrato em branco e preto”. Aí, meus amigos, até o sacristão esquece a missa ao ouvir esta canção! “Pô, fala sério, Carlos”, diria o nosso prezado “Dr. Casseta”. Céus, queiram me desculpar…  É que, às vezes, a emoção me pega de surpresa, sabe como é?! Embora eu não seja ufanista, percebo que o “espírito brasileiro” está muito arraigado em mim. Mais ainda quando vejo um “peso pesado”, feito o Stan Getz, “beber” a nossa água. E anotem aí: depois dele, é verdade, muita gente veio à nossa fonte na certeza de saciar a sede. Chet Baker, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald e tantos outros monstros sagrados. É aquele tal negócio: “eles” sabem o que é bom. Agora, só falta o brasileiro reconhecer o seu próprio valor…

“Eta, disquinho danado de bão, sô!”

https://www.youtube.com/watch?v=r8VoytrAKPI

Getz_JGilberto

Jazz: quando a “inspiração” comete suicídio…

Foram muitos os músicos de jazz que sofreram com o uso das drogas. Billie Holiday, por exemplo, experimentou um declínio agonizante. Tanto que, em dado momento, ela declarou: “Tudo que as drogas podem nos trazer é a morte. E a morte é rude e lenta…” Chet Baker foi internado, algumas vezes, para tratamento contra a heroína, e pouco adiantou. As diversas prisões alteraram profundamente a carreira dele. Tornou-se uma criatura triste. Acredita-se até que a sua morte, em Amsterdam, tenha sido suicídio. Charlie Parker, outro fabuloso ícone do jazz, sentiu na pele a aspereza da vida ao encontrar-se com as drogas. Miles Davis também, e muito do seu talento se esvaiu, assim como a sua própria vida. Eu ainda poderia citar dezenas de outras “vítimas”, mas me nego a essa divulgação em respeito ao jazz! É muito duro aceitar tudo isso sem se consternar e, ao mesmo tempo, sem se indignar. Afinal, foram carreiras e mais carreiras prejudicadas em nome de uma “suposta” inspiração. Não, meus amigos! Positivamente não é por aí que se encontra a chama da arte e do talento, muito embora sejamos benevolentes quando se trata de grandes músicos. Sou profundo admirador da “obra” desses gênios, mas repudio esta escolha em suas vidas pessoais. Desculpem-me pelo enfatismo. Não sou “patrulheiro” e sim professor. E em 35 anos de magistério, creiam-me, presenciei dramas terríveis envolvendo jovens dependentes de drogas…

É triste. Muito triste, meus amigos!

Memórias: João Pedro, vovô te ama!

Já que hoje eu tirei o dia para homenagear o meu querido João Pedro, lembro que na semana passada ele veio nos visitar e matar as nossas saudades.
Após o almoço, antes do “soninho” restaurador, aproveitamos para assistir aos desenhos prediletos dele: o “Mundo Bita”!!

JP e o mundo Bita

João Pedro e o Mundo Bita

Jazz: Bessie Smith e os primeiros “blues”…

Pode-se dizer que os primeiros “blues” apresentavam um estilo rude e estridente, quase desagradável de se ouvir, porquanto se assemelhavam muito aos “gritos” do tempo da escravidão. Eram melodias construídas em compassos de doze notas, estabelecendo um padrão, e contavam as aventuras e os infortúnios dos que perambulavam pelo Sul dos Estados Unidos. Os homens foram os primeiros a cantar blues. Com guitarras penduradas nos ombros, primitivos cantores utilizavam a matéria-prima que vinha do reservatório das canções populares afro-americanas. As letras das canções eram tristes e pesarosas e, quase sempre, expressavam forte estoicismo. Mas, até onde se sabe, a origem do “blues” veio da música branca, por conta da influência dos cânticos religiosos…

Quanto às mulheres, elas só começaram a realizar temporadas em teatros e espetáculos de rua no início da década de 1900. No entanto, curiosamente elas alteravam muitas letras e mudavam os temas para os “problemas do amor”. Sorte a nossa, isso sim, pois essas almas femininas selaram de vez os destinos do “blues” e nos legaram verdadeiras pérolas. Ao aliviarem as suas dores com os fortes “gritos”, as mulheres renovavam as esperanças. Esperanças de que seus homens voltassem “vivos” após a dura jornada de trabalho. Esperanças de que os carinhos pudessem vir com eles. E, sobretudo, esperanças de que o mundo estendesse a mão caridosa e abençoasse o imenso amor que continham por seus homens. O que sei dizer, meus amigos, é que de um jeito ou de outro nós temos que agradecer intensamente a essas mulheres: seja por seu amor, seja por seu lindo canto!

 

 

Filme:  Bessie Smith – St. Louis Blues (1929)

Jazz: as raízes do jazz e do “blues”.

Há quem diga que o “verdadeiro jazz” morreu muito jovem, pois viveu pouco mais de duas décadas. Algo em torno de 1914 a 1938… por aí. Proclamam que depois disso o jazz foi reencarnado em outros ritmos… porém, desvirtuado. Honestamente, não concordo com essas opiniões. Até porque, convenhamos, os anos 40 e 50 foram extraordinários em produções melódicas e intérpretes maravilhosos. O “cool jazz”, por exemplo, nasceu logo após a morte de Charlie Parker (em 1955) e perdura até hoje. Graças ao talento de músicos como Chet Baker, Lester Young, Stan Getz, Paul Desmond e tantos outros, pudemos ouvir belíssimas composições que – juntamente com “swing”, o “bebop” e o imortal “blues” – sempre fizeram a alegria da rapaziada. Na verdade, eu chego a pensar que tais opiniões se baseiam no fato de que o “cool jazz” sempre foi encarado como uma música “cerebral” e feita por brancos. E aí, novamente, discordo! Meus Deus do Céu, quem ouve o trompete “lamentoso” de Chet Baker ou o sax “triste e intimista” de Stan Getz, com certeza há de sentir que ambos os corações pulsam mais que os respectivos cérebros, sejam eles negros ou brancos! Pura emoção, isso sim! O resto, convenhamos, é “história da carochinha” ou coisa de gente invejosa, que jamais criou algo belo nessa vida.
Portanto, meus amigos, o que acredito mesmo é que o jazz nunca morreu. Ou, então, é feito “aquele” gato: tem sete vidas!

Disco: CD “All my tomorrows”, com Grover Washington Jr e Freddy Cole.

“O tratamento será rápido e indolor, Carlos. Fique tranquilo. E de mais a mais, eu tenho aqui um novo disco que você vai adorar!”

Olha, minha gente, só assim eu criei coragem para me deitar naquela cadeira. Confesso: sou profundamente “covarde” na frente de um dentista. Fazer o quê?! Vai ver que em outras vidas eu “aprontei” alguma…

Verdade é que o Gilmar Moretto, meu dentista, deveria ser psicólogo, pois tem uma tremenda “lábia” e convence qualquer um a aceitar a dor. Só ele!

O resto ficou por conta do sax de Grover Washington que lentamente foi me anestesiando. A primeira dose foi em “I’m glad there is you”. Meu Deus, que maravilha. Um tremendo sopro: contido e intimista. E ele segura o clima “noir” até a entrada do belíssimo vocal de Freddy Cole. Mais parece uma daquelas canções de baile de debutantes, com a orquestra de Ed Lincoln seduzindo a galera e aonde se dançava de rosto colado e se fazia juras de amor à moça. Ah, eram bons tempos, meus amigos!

Ai, chegou a vez de “Overjoyed”. Céus, até parei de pedir guardanapo, pois já estava “babando” de todo jeito. E eu ali: literalmente de boca aberta. “Arrebatado” por aquela melodia e, já anestesiado, sonhava à vontade! E nos meus sonhos, ah! que delícia, ela me oferecia carícias maravilhosas, dessas que parecem não ter fim.

O que posso dizer, minha gente, é que até hoje não sei qual foi o dente que tratei o canal. O Gilmar jura que foi o último molar. Mas, agora… que diferença isso faz?!

 

https://www.youtube.com/watch?v=GBmUgLvVtPY

 

https://www.youtube.com/watch?v=x5vkXoAa7ic

 

Grover_Cole