Memórias: “A CONTABILIDADE NO PERCURSO DE CADA UM”

Quando a gente olha para trás, tentando resgatar alguma lembrança especial, é possível que vislumbremos alguns percursos realizados. Nesse momento, se estivermos atentos, poderemos perceber os acertos e erros cometidos durante a trajetória. É algo interessante, sim, à medida que temos a oportunidade de corrigirmos algumas rotas ou comportamentos.

Eu não sei dizer quanto a vocês, amigos leitores, mas de vez em quando eu penso nisso. Não de modo obcecado, por certo. Porém, tenho apenas o propósito de melhorar posturas e, com isso, poder oferecer aos outros algo mais valioso nas relações que estabelecemos.

Também é verdade que somos criaturas portadoras de heranças e, algumas delas, sequer tomamos consciência da invisível ‘transferência’ ocorrida ao longo da vida. Pois é. Ao que tudo indica, é bem variado o ‘acervo’ emocional e intelectual da gente.

Eu digo isso porquanto percebo que carreguei durante o caminho um sem número de valores que eu não sei se eram meus. Pior ainda: eu repeti ações e comportamentos que, em verdade, não emanavam do meu ‘baú afetivo’, pois foram construídos em cima de modelos alheios. Inadvertidamente, reconheço. Até porque, convenhamos, o preço da ignorância ou da imaturidade emocional é, por vezes, demasiado alto e não damos conta dele. No fundo, é uma grande pena, pois desse modo permitimos que nos coloquem aquelas ‘bolas de prisioneiro’ atadas às nossas desavisadas pernas…

De um jeito ou de outro, minha gente, temos que reconhecer que há muitas heranças que deveríamos negar provimento. Em muitos casos, é verdade, elas só ocorreram porque não tivemos o necessário discernimento. Como consequência, entraremos no ‘vermelho’ e pagaremos por nossa distração ao permitirmos os ‘aceites’. Bom seria se pudéssemos efetuar a contabilidade em tempo real e, com isso, desenvolvermos o correto o ‘inventário’. Sim! Para que não se acumulassem indevidas ‘entradas’ nessa preciosa conta-corrente. Desse modo, talvez conseguíssemos devolver aos ‘credores’ das nossas manifestações o quinhão que cabe a cada um deles. Com sorte, quem sabe, ao aprender o ‘oficio da vida’, teríamos melhores chances?! Somente assim, meus amigos, devolveremos aos ‘credores duvidosos’ o estorno das malfadadas transferências…
(Praia do Porto das Dunas, município de Aquiraz, no meu velho Ceará)

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Memórias: “Celacanto provoca maremoto!”

A ordem foi muito clara: todos deveriam comparecer às aulas do dia 13 de dezembro de 1968. Impreterivelmente! E aqueles que desobedecessem a orientação da direção da Escola arcariam com o ônus da ‘desobediência’.

Pois é, minha gente: eram tempos difíceis aqueles! O pior de tudo é que eu era o presidente do Grêmio Estudantil Viriato Corrêa e tinha a ‘responsabilidade’ de boicotar a ordem. “Carlos, nós representamos a resistência ao golpe. Temos a obrigação de combater esses absurdos, esses desmandos!”, ponderava Eduardo, o diretor cultural do grêmio.

Por conta disso, talvez já pensando na reação dos estudantes, o diretor da Escola convocou a diretoria do Grêmio para uma reunião do gabinete dele. Já viram, né?! Mal entrou o último representante da agremiação estudantil, o diretor iniciou a leitura do comunicado que seria afixado nas portas de cada sala de aula. “Em respeito ao Ato Institucional nº 5, a ser promulgado no dia 13 de dezembro, as férias escolares serão antecipadas para o dia 16 de dezembro de 1968”, leu o emocionado diretor.

Nós ficamos sem nada dizer, aguardando apenas o desfecho da reunião. Mas o diretor voltou à carga: “nem preciso dizer a vocês que estarei na porta do meu gabinete amanhã aguardando a entrada dos alunos. E, evidentemente, tendo ao meu lado toda a diretoria do grêmio como prova da adesão, ficou claro? Agora, já podem voltar para as suas aulas!”

Céus! Nunca vi um grupo tão desolado como aquele, meus amigos. Em outras épocas, por certo, a nossa reação seria pichar todos os muros em volta da escola com frases de repúdio. Mas, convenhamos: naquele momento seria um tresloucado suicídio…

No dia seguinte, quando cheguei ao colégio, estava um verdadeiro alvoroço. “Você viu, Carlos, o que escreveram nos muros?”, perguntou-me Cidinho, diretor musical. “E afinal, o que isso quer dizer?”

Saí apressado e fui até o portão de entrada da escola. Ao lado, uma enorme pichação estampava a frase: “Celacanto provoca maremoto!”

Rapidamente criou-se uma aglomeração de estudantes e mil teorias foram aventadas para o significado da frase. Houve quem dissesse que aquilo representava a ‘retomada do poder’ pelos estudantes. Outros afirmaram que era um desagravo do movimento universitário, insatisfeito com a apatia dos estudantes secundaristas. Enfim, foram muitas teorias criadas no bojo da enigmática pichação. A verdade é que ninguém conseguiu saber o significado e o propósito daquela frase.

Até que certo dia eu cheguei em casa mais cedo, disposto a assistir ao seriado da TV. Nesse dia, vejam vocês, estava programado o seriado “National Kid”, um verdadeiro ‘subproduto’ da indústria cinematográfica japonesa. O filme do dia era: “A revolta dos seres abissais: Celacanto provoca maremoto!”. Meu Deus, quase caí para trás! E nem tive coragem de contar isso na reunião do grêmio…

Celecanto_maremoto

NationalKid

Memórias: ‘Álbum de família’.

Se há uma coisa interessante nesta vida é rever parente que nunca havíamos visto. Calma aí, minha gente. Não estou ‘variando’ não. Eu explico. É que o primo Hiran é o filho mais velho do meu querido tio Menezes, já falecido. Ele era irmão do meu pai, porém mais novo. Aliás, eu conheci o ‘coronel’, apelido do tio Menezes, ainda nos anos 80, quando retornei pela primeira vez ao Ceará após vinte anos de ausência. E foi um encontro memorável, que deixou marcas profundas em minhas emoções. O que sei dizer é que o ‘coronel’ parecia um homem sisudo e taciturno. Mas, no fundo, era só a primeira impressão, visto que na intimidade, ao contrário, mostrava o seu lado irônico, gozador.

Sim. Eu ia dizendo que revi o Hiran nesta semana passada sem nunca ter visto antes o primo. É que durante os quinze dias que passei no sítio do tio Menezes, lá em Parangaba, subúrbio de Fortaleza, Hiran estava morando em Recife, por conta de trabalho. No entanto, como conversávamos sobre tudo e sobre todos, era como se ele estivesse ali entre nós, já que toda hora era citado pelo tio Menezes, tal era o orgulho que sentia do filho engenheiro.

O fato é que ao me encontrar com o primo Hiran e a esposa Lavínia, eu fiquei com a sensação de que nos conhecíamos há décadas. Porquanto o queridíssimo casal nos deixou as melhores impressões. Passamos o dia inteiro juntos, eles, eu, minha mulher e meu filho. Passeamos por Floripa, almoçamos na Lagoa da Conceição e, ao final da tarde, os deixamos na maravilhosa pousada do SESC de Cacupé, um lugar fora do mundo!

Dentre os diversos assuntos que conversamos, inevitavelmente, o que mais esteve presente foi o tema ‘família’. E aí percebemos que os nossos pensamentos se afinaram. Sim! Principalmente no que diz respeito aos valores herdados do nosso lado ‘Menezes’. Sem dúvida alguma, meus amigos, os ‘Menezes’ têm muitas virtudes: são inteligentes, escrevem bem e possuem boa oratória. Mas têm, também, algumas ‘falhas’ nos aspectos afetivos, uma vez que apresentam muitas dificuldades de expressarem seus sentimentos. Além disso, costumam ser teimosos e, muitas vezes, autoritários e arrogantes… mas, enfim, cada um que cuide do seu ‘patrimônio’ afetivo e intelectual.

No fim das contas. o que importa dizer é que Hiran e Lavínia alimentaram em nós um forte desejo de voltarmos ao Ceará. Ah, será maravilhoso conhecer as belezas e o ‘frio’ do Ceará, lá na serra de Guaramiranga…  Acredite se puder!

hiran e a gente

Memórias: o desencanto com a vida!

Nesses últimos tempos eu tenho encontrado muitas pessoas que estão desencantadas com alguma coisa na vida. E esse desencantamento, convenhamos, pode vir por motivo financeiro, afetivo e até mesmo por paixão ideológica. Por vezes, é verdade, isso ocorre por um conjunto de causas aparentemente indecifráveis. O que torna mais complicado se apontar as razões. Afinal, tudo fica muito disperso e difuso. E, quase sempre, acaba provocando incompreensão daqueles que estão próximos…

Pois é, minha gente. Sei bem que isso não é nada fácil. E sei, também, que algumas vezes nós perdemos o ‘norte’ e permanecemos perambulando por aí atrás de alguma resposta redentora. E o pior é que não vem.

O nosso estimado Ariano Suassuna já nos disse que “ao redor do buraco, tudo é beira”. Céus, que verdade! De fato, devemos reconhecer, são incontáveis os momentos em que a vida nos põe frente a frente com o ‘crime’. Entendendo esse ‘crime’, é claro, apenas no sentido da perda do controle. Digo isso porquanto é fácil perceber a desenfreada necessidade que temos de ‘controlar’ tudo ao nosso redor. Como se a perda do controle significasse tão somente um atestado de incapacidade ou desespero em qualquer um de nós. Um verdadeiro sufoco, isso sim!

É interessante perceber que ao lermos um belo romance ou ao assistirmos a um denso filme, em cuja história algum personagem ‘destrambelha’, imediatamente, sentimos pena. É uma reação espontânea, como um ato contínuo, pois logo a seguir vem: “tadinho, ele perdeu o controle”! Não é assim que acontece? Sim… sei bem que tudo isso é bastante complicado. E muitas vezes, eu me pilho ‘controlando’ a mim ou os que me cercam. Paciência, fazer o quê? Nem mesmo a terapia me deu ‘imunidade’. Mas, será que precisamos controlar as coisas assim? E o que representa esse controle? Bem, aí é que mora o ‘x’ do problema. E a razão deste texto.

Eu não sei dizer o que nos cura, meus amigos. Tampouco o que nos mata. No entanto, desconfio que na busca por esse ‘controle’, a primeira grande utopia criada pelo homem, talvez tenha ocorrido no próprio ‘Éden’. O verdadeiro nirvana onde, segundo afirmam, não precisávamos fazer absolutamente nada. Tudo nos era ofertado pela mãe-gentil, a natureza. E assim, vivíamos em paz!

Todavia, logo a seguir veio a cobiça. E os consequentes resultados dela. O homem, então, trilhou caminhos conturbados e que promoveram diversos conflitos. Por conta disso, é bem possível que muitas crenças, misticismos e utopias tenham surgido como uma espécie de ‘compensação’ às perdas. Tudo bem. No fundo, quem sabe, elas eram até necessárias!? Ou inerentes. Bem melhor do que ficar sentando à beira da estrada “à espera de Godot”, não acham? O importante é que os nossos queridos ancestrais do Éden não tiveram acesso a antológica obra de Samuel Beckett e nem ouviram falar de Vladimir e Estragon. Talvez tenha sido melhor. Afinal, ambos encontraram a ‘loucura’ como puderam, ao seu jeito e ao seu tempo. Revelada sob a mais perfeita das condições: o sonho recorrente! Podendo, muitas vezes, parecer cruel aos que de fora observam. Apesar de tudo, devemos reconhecer, foi por intermédio dos sonhos que a humanidade encontrou muitas verdades. E por conta das utopias, o homem ainda sobrevive. Caso contrário, ‘a vaca já teria ido para brejo’ há mais tempo. Sendo assim, é preciso ter cuidado no trato dessas questões. É preciso não as banir ‘a priori’, como teimosamente fazemos quando nos deparamos com o diferente ou com o inusitado. Ou ambos!

Os Jardins do Éden podem ter revelado bem mais do que as ‘inocentes maçãs’, ainda que seja imputada à serpente a nossa primeira ‘loucura’. De toda a forma, com ou sem ‘pecado’, a loucura teve o seu lado bom. É que ao estampar os desejos inconscientes, presentes em cada um de nós, ela libertou um sem número de almas inconformadas ou diferentes. E em todos nós, é bom que se diga! Com isso, os nossos julgamentos se tornaram mais condescendentes e pudemos, enfim, avançar em alguns aspectos da nossa humanidade, que tantos cuidados careciam. É… no fim das contas, Ariano tinha toda razão em acreditar que “ao redor do buraco, tudo é beira”.

Nessa vida, por certo, muita gente já atestou um sonho. É bem verdade que muitos deles foram vividos apenas por quem o sonhou. Pouco importa. No fundo, o que vale é evitar os ‘jardins de Tânatos’. Pois estes, sim, são sombrios. Dão as costas aos sonhos e, implacavelmente, sentenciam o fim das utopias, determinando a morte em toda a sua extensão.
Portanto, embalado pelo sonho, eu prefiro a visão peculiar e instigante que Chico Buarque nos presenteia: “A novidade / Que tem no Brejo da Cruz / É a criançada se alimentar de luz / Alucinados, meninos ficando azuis… / Na rodoviária, assumem formas mil. / Uns vendem fumo, / tem uns que viram Jesus. / Muito sanfoneiro, / cego tocando blues. / Uns têm saudade e dançam maracatus. / Uns atiram pedras, / outros passeiam nus! / Mas há milhões desses seres / que se disfarçam tão bem, / que ninguém pergunta / de onde essa gente vem”?!

(ilustração: Os Jardins do Éden)

Garden of Eden

Memórias: Uma tarde de domingo.

Domingo é um excelente dia para se recuperar “coisas”. Sim, minha gente, em todos os níveis. Vejam só o que me ocorreu: eu estava deitado na rede ouvindo as músicas que selecionei para o celular, quando começou a tocar uma maravilhosa canção. Era “My one and only love”, de John Coltrane e Johnny Hartmann, uma melodia de altíssima qualidade e cuja letra é uma verdadeira obra-prima. Meus Deus do Céu, o que é isso?!

Ao terminar a canção, emocionado, eu me lembrei de que já ouvira outra interpretação, na voz rouca e cativante de Sting. Lembrei até que a música fora usada na trilha sonora do filme “Despedida em Las Vegas”, um fortíssimo filme de Mike Figgis que contou com duas extraordinárias participações: Nicolas Cage (resgatando o antigo “bad boy” de “O selvagem da motocicleta”) e a lindíssima Elisabeth Shue, em estado de graça…

Tudo isso me veio à cabeça na sequência dos pensamentos, movidos, talvez, pelo asfixiante enredo do filme. Porquanto ele é a verdadeira crônica da morte anunciada. E, convenhamos, deve ser compreendido por todos nós com respeito e solidariedade à dor alheia, ainda que conduzida de forma equivocada.

Por fim, lembrei também que o amigo Cassio Moura​ tocou esta mesma melodia, de modo arrebatador, em uma das aulas do Curso de Jazz. Foi quando eu percebi que a maior idade tem lá os seus encantos e vantagens: o apuro e o bom-gosto! Digo isso porque eu conheço Cássio Moura há vinte anos e sempre o considerei craque de primeira grandeza. Um verdadeiro virtuose! O melhor de tudo é que eu pude apreciar o progresso dele. Ao ouvir a interpretação que empresta à canção, fiquei rendido ainda mais ao talento de Cássio. Tocou a melodia de modo suave e intimista, como convém.

Enquanto isso, a voz de Sting penetrava em minha alma e, lentamente, soltava mais algumas amarras…

“Só de pensar em você

Meu coração começa a cantar

Como uma brisa de abril

Nas asas da primavera

E você aparece com todo o seu esplendor

Meu único e verdadeiro amor

 

As sombras caem

E espalham o seu charme místico

No silêncio da noite

Enquanto você está em meus braços

Eu sinto seus lábios tão quentes e suaves

Meu único e verdadeiro amor

 

O toque de suas mãos é como o paraíso

O paraíso que eu nunca conhecera

O corar das suas bochechas

Sempre que eu falar

Diga que você é minha…”

https://www.youtube.com/watch?v=alhpdv-YMWw&feature=youtu.be

Reflexão: A esperança de todos nós.

Ainda bem que está acabando o processo eleitoral, meus amigos. Ufa, convenhamos: houve exacerbação de lado a lado e isso é desgastante o suficiente. Sem contar os inúmeros casos de brigas, rompimentos e estremecimentos de amizades que ocorreram ao longa dessa jornada eleitoral. É o tal negócio: no fundo, acaba ocorrendo fanatismo nas acaloradas defesas de pontos de vista e aí a coisa desanda!

A política, assim como a religião e a torcida por times de futebol, sempre provocou forte comoção. Não foram raras as vezes que as discussões enveredaram por caminhos tortuosos, quase sempre gerando zonas de atrito e, por consequência, conflitos.

Eu já fui “seguidor” de causas variáveis e percebi que muitas delas não mereceram a minha doação emocional. Já fui capaz de empunhar bandeiras junto a diferentes causas, sempre com o mesmo fervor. Mas, com o tempo, fui descobrindo que muitas dessas bandeiras mostraram falhas gritantes e enganos de todas as ordens. Paciência, fazer o quê?!

Por certo, o cenário não é animador. Porquanto estamos encurralados entre dois extremos. Cada um deles com seu discurso “açodado” e com o dedo em riste ao oponente. E qualquer que seja o resultado, minha gente, as chances de harmonia e venturas parecem distantes…

Então, ao menos, resta-nos torcer para que o lado perdedor tenha a sabedoria necessária para pensar no coletivo e que o lado vencedor não assuma uma postura tripudiante. Que assim seja!

Baia de Todos os Santos 1

Música: Luiz Gustavo Zago Trio.

Não há nada melhor do que ter bons amigos… E talentosos, então, o que dizer?!
Ontem, eu tive o privilégio de ouvir Luiz Gustavo Zago​ no teatro Ademir Rosa (CIC). Foi uma apresentação de gala, dessas que a gente lamenta quando acaba…
Viva Zago! Viva Tiê Pereira. Viva Richard Montano!

P.S. Bônus especial para os apreciadores da música de alta qualidade:

Crônica: ELOMAR E “O CANTO DO GUERREIRO MONGOIÔ”

Hoje eu acordei com saudades do meu Ceará. Mas não necessariamente do Ceará que fica no nordeste brasileiro. Não, meus amigos. Na verdade, eu acordei saudoso de um Ceará que a gente carrega no peito, com orgulho e teimosia. Saudades daquele Ceará atávico, que insiste em visitar às nossas lembranças mais remotas. Ah, se o nosso país pudesse encarnar o amor que o nordestino tem por sua terra e por sua gente… talvez, quem sabe, as coisas fossem mais fáceis?!

Nesses tempos de profundas crises, em que “aceitamos”, inadvertidamente, que dividam nosso país e nossas convicções. Que nos arrastem para insanas manifestações de radicalismos de lado a lado, eu me pergunto: precisamos disso?! É assim que retomaremos nosso destino?

Pois é, minha gente. Nessas horas é que eu percebo o quanto “eles” insistem em falar por nós. Falar sem nossa autorização à medida que não outorgamos a ninguém o direito de nos separar dos outros irmãos. E foi por tudo isso que eu me lembrei de Elomar e de sua maravilhosa canção “O canto do guerreiro Mongoiô”. Céus, que maravilha. Ele sim, reconheço, entoou o canto de todos nós, guardado no peito. E esse canto, por certo, eu assino embaixo!

“Um dia bem criança eu era / Ouvi de um velho cantador / Sentado na Praça da Bandeira / Que vela a tumba dos heróis / Falou do tempo da conquista / Da terra pelo invasor / Qui em inumanas investidas / Venceram os índios mongoiôs / Valentes mongoiôs!”
“Falou de antigos cavaleiros / Primeiros a fazer um lar / No vale do Gibóia no Outeiro / Filicia, Coati, Tamanduá / Pergunto então cadê teus filhos / Os homens de opinião / Não dói-te vê-los no exílio / Errantes em alheio chão.”

“Nos termos da Virgem imaculada / Não vejo mais crianças ao luar / Por estas me bato em retirada / Vou ino cantar em outro lugar / Cantá prá não chorar…”

“Adeus vô imbora do rio Gavião / No peito levarei teu nome / Tua imagem nesta canção / Por fim já farto de tuas manhas / Teus filtros tua ingratidão / Te deixo entregue a mãos estranhas / Meus filhos não vão te amar não / E assim como a água deixa a fonte / Também te deixo prá não mais / Do exílio talvez inda te cante / Das flores a noiva entre os lenções / Dos brancos cafezais”.

Adeus, adeus meu-pé-de-serra / Querido berço onde nasci / Se um dia te fizerem guerra / Teu filho vem morrer por ti!”

https://www.youtube.com/watch?v=G_ZoEBV4ME0

Elomar

elomar_livro

 

Memórias: as crianças que estão em nós!

As fotos estão aqui para confirmar que algumas vezes, João Pedro, eu e o Gabriel, somos (fomos) apenas crianças felizes…
Feliz Dia das Crianças, João Pedro.
Feliz Dia das Crianças, Gabriel.
Feliz Dia das Crianças… Carlos.

 

Carlos_JP

 

Gabriel e eu

Testemunho: quando a nossa voz sai por outra garganta…

Se há uma coisa fabulosa nessa vida, convenhamos, é quando a gente se sente acolhido integralmente pelo texto de outra pessoa. Caramba! É como se ela respondesse por todos os nossos anseios, dúvidas ou indignações.

Ontem eu fui contemplado, creio. Saiu o meu número…  e ele tinha nome e sobrenome: Martha Medeiros!

Portanto, eu publicarei aqui o belíssimo texto que ela nos presenteou. Vale a pena ler…

“Escrevi este texto na segunda-feira passada. Se nada de anormal ocorreu nos seis dias que antecederam sua publicação, é possível que neste domingo estejamos elegendo um novo presidente, ou a dupla que irá para o segundo turno das eleições. Em qualquer dos casos, metade do país está prestes a entrar em luto agora, ou no máximo em três semanas.

O luto, dizem especialistas, passa por cinco fases. A primeira delas é a negação, que é quando a gente desconecta da realidade e não admite o ocorrido – uma defesa psíquica contra a dor. Um dos candidatos, curiosamente, até já fez seu ensaio de negação, questionando a credibilidade das urnas eletrônicas: se ele ganhar, é porque as urnas são confiáveis; se não ganhar, é porque foram adulteradas. O raciocínio lógico de um
menino de três anos.

Negar o resultado é perda de tempo. O país precisa continuar a andar, mesmo que aos trancos. Que a metade dos brasileiros em luto passe logo para a segunda fase: a raiva.

A sensação de injustiça embaça tudo e a revolta é natural. Perder para um candidato que defende o oposto do que você acredita: como suportar? A raiva é a fase em que o enlutado faz besteiras, como quebrar tudo pela frente, sem contabilizar prejuízos e sem perceber a inutilidade de seu descontrole. Já tenho minha estratégia para o caso de estar no lado perdedor: abandonarei as redes sociais por uns dias, até que chegue a terceira etapa, a barganha consigo mesmo.

Aconteceu, não aconteceu? Então que se extraia algum benefício disso. Agora há tempo de sobra para refletir, para se tornar um cidadão mais atuante politicamente, para examinar as questões sem inflamar-se tanto, enfim, é uma ondinha otimista e necessária, ainda que dure pouco.

A quarta fase já bate à porta, implacável: a depressão. Quatro anos sendo governados por alguém em quem a gente não aposta um níquel, um sujeito que vai na contramão dos nossos ideais, que não nos representa de jeito nenhum. Pancada dura. Vontade de nem sair da cama para não ter que assistir ao estrago. A tristeza é profunda pelo fim do combustível essencial, a esperança. Resta contar os dias para que a quinta fase do luto se instale de uma vez: a bendita e inevitável aceitação da perda.

No fim das contas, política é conciliação. Com sorte, o estrago não será tão grande, lideranças da sociedade tentarão evitar inconsequências. Temos um verão inteiro pela frente, os ânimos tendem a acalmar e um mergulho no mar sempre ajuda. Vá que o seu time ganhe o Brasileirão para compensar, vá que o amor e a arte substituam o desencanto com a política, vá que a democracia resista bravamente e os outros sonhos que a gente ainda tem se realizem. Hora de reorganizar os pensamentos, fazer novos planos e confiar na velha máxima: a vida continua, caramba, a vida continua.”

( Martha Medeiros )