Sexta-feira, agosto de 1973. Naquela noite, confesso, eu estava bastante apreensivo. Até porque, era a primeira vez que eu entraria naquele enorme ginásio. Antes, porém, devo dizer que o convite partiu da ‘tentação loura’. Sim! Afinal, eu era um professor de química em início de carreira no cursinho onde ela estudava, lá na Estrada do Portela, em Madureira. Além disso, é bom que se diga, aquela turma tinha mais de cem alunos na sala. E, curiosamente, o tablado que o professor dava aula, céus, mais parecia uma montanha russa: alto e perigoso!
Também é verdade que os ‘nossos olhares’ denunciavam a forte atração existente. Mas, é o tal negócio: quem pode prever o futuro, meus amigos? Ainda mais naquela turma, que era formada por alunos mais velhos. A maioria ali já trabalhava para sustentar o tranco da vida, sabe como é?! E, de mais a mais, turma da noite geralmente é agitada. Do tipo que exige do professor bastante ‘jogo de cintura’ e domínio de classe. E isso, reconheço, eu ainda não possuía, uma vez que era o meu primeiro ano no magistério.
Ainda assim, por algum motivo que não sei explicar, houve forte empatia entre a gente: eu e a turma da Portela. Lá, isso é fato. Bastava eu chegar na secretaria do cursinho e, logo a seguir, era cercado por um monte de alunos. Eles puxavam todo tipo de assunto, instigando-me de todas as formas. Algumas vezes era uma piada sobre o meu Flamengo, que andava mal das pernas naquela época que antecedeu a ‘geração do Zico’. Outras vezes, eram até dúvidas sobre química, algo muito raro de acontecer…
O que sei dizer é que naquela primavera de 1973, a Escola de Samba Império Serrano estava em evidência, pois havia faturado o primeiro lugar no ano anterior. Os ensaios fervilhavam no ginásio da Estrada do Portela. Tanto é que a última aula da semana, aula de Inglês, quase não tinha aluno em sala. Todos estavam animados, prontos para saírem mais cedo. E eu só dava as três primeiras aulas na noite, sendo duas na sede do Shopping Tem Tudo e uma na Estrada do Portela, que ficava no outro lado da linha do trem. De lá, normalmente, eu ia para casa, ‘carregando’ o meu fusca 63 e me arrastando em um percurso de quase 20 km até o bairro do Rio Comprido.
No entanto, naquela sexta-feira, em especial, eu me arrumara feito príncipe, com roupa nova e o escambau. Até perfume coloquei. Assim, após as aulas no Shopping Tem Tudo, parti para a terceira e última na Estrada do Portela. Pronto, tudo rapidinho. De lá, eu fui para a quadra da Império Serrano. Ao chegar, vi que tinha gente por todos os lados. Mas, tal qual um ímã, os meus olhos foram atraídos pela ‘tentação loura’. Sorrimos discretamente um para outro e nos aproximamos. Perguntei se ela estava sozinha. Disse que sim. Perguntei se podia lhe fazer companhia. Novamente, disse que sim. Aí, meu coração disparou, disparou! Nesse momento, tudo explodiu. Verdadeiro delírio. Sinos tocando sem parar. Cheiro de lança-perfume. Gritos de pega-ladrão. Fantasmas rondando a longa noite…
A verdade é que eu nunca fui do samba. Quem sabe, sou até mesmo ‘desajeitado’?! Mas naquele momento, meus amigos, eu me sentia um grande ‘mestre-sala’, capaz de impressionar até mesmo os gringos ávidos por performances. E o samba contagiante penetrando na veia, transportando-me para outros mares nunca dantes navegados… E ela, céus, apenas sorria para mim, injetando adrenalina em minha alma. Sons de guizos cercando somente nós dois… Coisa linda!
Foi quando eu recebi o primeiro soco na boca. Forte a ponto de eu cair. Seguiram-se chutes e bordoadas que nem conseguia ver de onde surgiam. Lembro apenas dos gritos dela, pedindo para pararem. Atordoado, eu permaneci no chão, ao lado dos dois dentes incisivos arrancados pela forte pancada. E alertado por um segurança da quadra, aluno do cursinho, que me reconheceu, fui colocado em um taxi com destino ao Pronto Socorro.
Moral da história: tirei uma semana de licença médica, até desinchar a boca. Por sorte, os dentes foram reimplantados no atendimento médico, restaurando a minha ‘comissão de frente’. Quanto à ‘tentação loura’, nunca mais a encontrei. Ela saiu do cursinho naquela mesma semana. A partir dali, não consigo ouvir samba-enredo e tampouco acompanho carnaval. Pois é… São coisas da vida. Fazer o quê?!


















