PÉ NA ESTRADA – crônica.

Que ele era um homem diferenciado, ah! disso ninguém duvidava. Mas o fato é que nem mesmo os filhos conheciam suas andanças, suas paixões e seus amores extraviados. Porquanto ele era uma criatura bastante reservada. Tímida, até. E o que eu posso dizer, meus amigos, é que reencontrá-lo na pacata e hospitaleira Petrópolis foi algo inusitado e emocionante. Aliás, somente após aquela tarde, ouvindo suas histórias, é que eu pude perceber o quanto a vida muitas vezes pode ser incompreensível ou até mesmo injusta… Lá, isso é verdade!

Afinal, ali ao meu lado estava uma das mais incríveis criaturas que eu conheci na vida. Por certo, um homem brilhante. Ético. Culto e generoso. No entanto, devo reconhecer, nem mesmo tais atributos são suficientes para tornar um homem feliz e realizado. E Luiz sabia disso. Tanto é verdade que ele não se surpreendeu quando Glória, sua companheira, mais uma vez reclamou sobre a desarrumação da sala de estar… Sem nada dizer, Luiz foi para o quarto, organizou as duas malas e, ao passar pela cozinha, anunciou: “eu estou indo embora. Vou para Jackson!”

– E por diabos, onde fica isso?, perguntou Glória.

– Tennessee!

– Tá bom… pode ir. Mas, ao menos, penteia o cabelo!

Pois é, meus amigos… já se passaram vinte anos desse episódio. E confesso a vocês que eu gostaria de ter notícias do amigo Luiz. Saber se a vida foi generosa com ele… essas coisas que o destino apronta. Mas quem consegue entender?! Talvez, somente bebendo um “Jack Daniel’s” e ouvindo um emocionado “country-blues”, Jackson, embalado pelas vozes de Johnny Cash e June Carter:

“Nós nos casamos numa febre, mais quente que um broto de pimenta,
Nós temos conversado sobre Jackson desde que o fogo se foi.
Estou indo para Jackson, eu vou arrasar,
Sim! Eu vou para Jackson,
Se cuida, cidade de Jackson.

Bem, vá para Jackson; vá em frente e acabe com a sua saúde.
Vá tentar a sua sorte, seu grande tagarela, faça um grande bobo de você mesmo,
Sim! Vá para Jackson, vá pentear seu cabelo!
Querida eu vou curtir em Jackson
Veja se eu me importo!

Quando eu chegar naquela cidade, as pessoas vão me reverenciar.
Todas as mulheres vão querer que eu as ensine o que elas não sabem,
Eu vou para Jackson, não tente me impedir.
Porque estou indo para Jackson.
‘Tchau’, foi tudo o que ela escreveu.

Mas elas vão rir de você em Jackson e eu vou estar curtindo um barril de cerveja.
Elas vão te levar pela cidade como um cão escaldado,
Com o seu rabo enfiado entre as pernas,
Sim, vá para Jackson, seu grande tagarela.
E eu vou estar esperando em Jackson, atrás do meu leque japonês.

Nós nos casamos numa febre, mais quente que um broto de pimenta,
Nós temos conversado sobre Jackson desde que o fogo se foi.
Estou indo para Jackson, e isto é um fato.
Sim, nós vamos para Jackson, para nunca mais voltar…”

JDaniels

OS SONS DO CORAÇÃO – crônica.

Existe a crença de que somente crianças bem pequenas são capazes de se comunicar com os espíritos. E ao fazerem uso dessa capacidade, elas conseguem estabelecer a mais pura ‘troca de impressões’. Talvez, por isso, elas sejam tão felizes, risonhas e espontâneas. Quem sabe não seja assim?! Quem sabe nós extraviamos esse dom ao longo do percurso da vida?

Pois é, meus amigos. O que eu posso dizer é que eu tenho um filho, hoje com dezessete anos, e pude acompanhar algumas dessas manifestações quando ele era criança. Muitas vezes, é verdade, eu observava o comportamento dele nas mais variadas situações e me surpreendia inúmeras vezes.

Hoje eu tenho um lindo netinho, João Pedro, que é filho do irmão mais velho do meu querido Gabriel, e percebo que ele repete semelhantes manifestações. Céus! Lembro até da primeira vez que ele entrou no meu escritório, ainda engatinhando, e ao se deparar com os quadros pintados pela minha falecida mãe, Jarina Menezes, parecia estabelecer uma longa ‘conversação’ com eles. Além disso, João Pedro gostava imensamente de tocar naquelas pinturas, balbuciando incompreensíveis sons. O que ele desejava comunicar, eu não sei dizer. Sei apenas que eram fortes os laços estabelecidos…

Aí, alguém perguntará: o que isso tem a ver, Carlos? Eu, então, responderei: tudo, minha gente! Deixem-me justificar. Eu percebi isso quando eu fui a Curitiba assistir ao “1º Festival de Jazz Manouche”, a convite do meu amigo Mauro Albert. Foram três maravilhosos dias de profundo deleite. Afinal, eu ouvi melodias que se inspiravam nos melhores sons do jazz cigano. Era como se eu retornasse ao convívio dos ‘sons naturais’, lindos e arrebatadores. Dignos da pureza dos anjos!

Mauro me presenteou com o mais recente álbum, fruto do encontro que teve com o extraordinário músico, Louis Plessier, falecido em 2014. Intitulado “La musique toujours vivant de Louis Plessier”, o CD é composto por treze magníficas faixas, entre as quais eu destaco a primeira, “La peinture” e a de número 11, “Pour un monde meilleur”. Sim! Ao ouvir as canções, eu fiquei com a certeza de que Gabriel e João Pedro tinham razão: nós precisamos ‘de um mundo melhor’, minha gente. Precisamos das pinturas… e das melodias que emanam delas!

(Dedicado ao meu querido amigo Mauro Albert e ao ‘inspirador’ Louis Plessier)

ANJOS, SOPROS E CORNETAS – PARTE 2

“Há noites em que os músicos tocam tão bem, individual e coletivamente, que parecem ter simultaneamente uma experiência fora do corpo. Em 12 de fevereiro de 1964, no Lincoln Center’s Philharmonic Hall, em Nova York, foi uma daquelas abençoadas noites em que o grande quinteto do trompetista Miles Davis tocou com uma beleza incandescente, mesmo para um conjunto tão brilhante quanto o dele…”
Pois é, meus amigos… Essa é a primeira parte do texto que vem escrito na contracapa do disco “My Funny Valentine”, de Miles Davis. Lançado em 1965, o disco original saiu pela Legacy/Columbia e, para nossa sorte, ele atravessou mais de cinco décadas com justo reconhecimento pelos amantes do jazz. Afinal, é uma dessas preciosidades que deveriam passar de geração em geração com o selo de “tesouro” ou “raridade”.
E não é que eu estava arrumando as prateleiras da minha nova estante para CDs e LPs e bati os olhos neste disco. Meu Deus do Céu, que alegria! Que coisa linda foi ouvir o disco mais uma vez…
Para que você, leitor amigo, tenha ideia do que foi aquele encontro memorável, saiba que o quinteto era formado por Miles Davis no trompete, George Coleman no sax tenor, Ron Carter no contrabaixo, o mágico Herbie Hancock no piano e o fenômeno da bateria, Tony Williams, com apenas 18 anos!
O que sei dizer é que a interpretação alcançada pelo quinteto em “My funny Valentine” revela de modo definitivo como músicos de alta qualidade podem nos conduzir “para fora do corpo” quando estão sob o domínio do “encantamento”. Tudo isso, é claro, só acontece quando nos permitimos efetuar esta ‘abduzida’ viagem. No fundo, creio, são os nossos verdadeiros anjos a nos guiar por caminhos celestiais!

 

 

ANJOS, SOPROS E CORNETAS – PARTE 1

 

“Há noites em que os músicos tocam tão bem, individual e coletivamente, que parecem ter simultaneamente uma experiência fora do corpo. Em 12 de fevereiro de 1964, no Lincoln Center’s Philharmonic Hall, em Nova York, foi uma daquelas abençoadas noites em que o grande quinteto do trompetista Miles Davis tocou com uma beleza incandescente, mesmo para um conjunto tão brilhante quanto o dele…”

Pois é, meus amigos… Essa é a primeira parte do texto que vem escrito na contracapa do disco “My Funny Valentine”, de Miles Davis. Lançado em 1965, o disco original saiu pela Legacy/Columbia e, para nossa sorte, ele atravessou mais de cinco décadas com justo reconhecimento pelos amantes do jazz. Afinal, é uma dessas preciosidades que deveriam passar de geração em geração com o selo de “tesouro” ou “raridade”.

E não é que eu estava arrumando as prateleiras da minha nova estante para CDs e LPs e bati os olhos neste disco. Meu Deus do Céu, que alegria! Que coisa linda foi ouvir o disco mais uma vez…

Para que você, leitor amigo, tenha ideia do que foi aquele encontro memorável, saiba que o quinteto era formado por Miles Davis no trompete, George Coleman no sax tenor, Ron Carter no contrabaixo, o mágico Herbie Hancock no piano e o fenômeno da bateria, Tony Williams, com apenas 18 anos!

O que sei dizer é que a interpretação alcançada pelo quinteto em “My funny Valentine” revela de modo definitivo como músicos de alta qualidade podem nos conduzir “para fora do corpo” quando estão sob o domínio do “encantamento”. Tudo isso, é claro, só acontece quando nos permitimos efetuar esta ‘abduzida’ viagem. No fundo, creio, são os nossos verdadeiros anjos a nos guiar por caminhos celestiais!