Tem vezes que a gente se depara com situações que nos parecem profundamente familiares. E desse modo, somos até capazes de acreditar que já conhecíamos ou, pelo menos, já tínhamos visto aquela pessoa ou situação em outro lugar…
Pois é. Isso parece incrível, o verdadeiro “déjà vu”. Mas foi o que me ocorreu quando escutei a voz de António Zambujo. É que ao ouvir, logo de início, ela me soava algo muito próximo. Íntimo até. E mais feliz eu fiquei quando ouvi a canção “Ao sul”. Céus! Zambujo consegue acolher com profunda sensibilidade o solitário violão e, carinhosamente, canta a linda melodia: “Sob as águas desse rio / onde a barca dos sentidos / nunca partiu. / Lá longe / inventei o dia azul / pelo desejo de chegar ao sul…”
Como ato contínuo, devo reconhecer, imediatamente eu me lembrei dos versos de Fernando Pessoa, em “O Guardador de Rebanhos”: “Não tenho ambições nem desejos / Ser poeta não é uma ambição minha / É a minha maneira de estar sozinho.”
O que sei dizer, meus amigos, é que ouvindo o CD, “Outro sentido”, de Antônio Zambujo, eu fui tomado por muitas lembranças de Portugal. Recordações de um tempo que eu já não sabia mais que existiam em minhas memórias. Porquanto eu tinha apenas vinte e cinco anos de idade e conheci, sozinho, aquele maravilhoso país. Sim! Eu perambulei um bocado pelas ruas de Lisboa. Ora fuçando a Livraria Bertrand, na Rua Garret, 72, bem atrás dos Armazéns do Chiado. Ora extasiado pelo passeio nas ruas e becos da Alfama, visitando o Museu do Fado e ouvindo toda sorte de canções de Amália Rodrigues e tantos outros.
“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos… / Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, / Mas porque a amo, e amo-a por isso, / Porque quem ama nunca sabe o que ama / Nem sabe por que ama, nem o que é amar…”
É bem possível que hoje eu tenha recebido a visita do meu avô materno, João Antunes. Ah!, meus amigos, essa foi uma visita especial. Afinal de contas, eu mal conheci o meu avô. Ele faleceu quando eu tinha pouco mais de dois anos de idade. Contudo, em algum ponto do meu DNA ficou gravado o imenso amor que ele tinha por sua terra… e me repassou!
“O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! / O único mistério é haver quem pense no mistério. / Quem está ao sol e fecha os olhos, / Começa a não saber o que é o sol / E a pensar muitas cousas cheias de calor.”
Então, por tudo isso é que nesse ensolarado sábado de frio, após a caminhada matinal pela Beira-mar, eu acabei pegando na estante um disco para ouvir, enquanto me acomodava na rede do escritório. Não por acaso, o disco escolhido foi esse de António Zambujo, intitulado “Outro sentido”. Belíssimo. Comovente! E tem os ingredientes necessários para o deleite de todos: lindas melodias, belas interpretações e um imenso amor ao canto português!
“Mas abre os olhos e vê o sol, / E já não pode pensar em nada, / Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos / De todos os filósofos e de todos os poetas. / A luz do sol não sabe o que faz / E por isso não erra e é comum e boa.”
Assim, como não há nada mais a dizer, eu quero apenas deixar o meu registro de gratidão por esse Portugal que me acolheu tão bem. De quebra, eu presto uma homenagem ao meu avô João Antunes. Decerto, ele plantou nas terras brasileiras a marca de sua brava trajetória. Abençoado seja, meu avô materno!
“Mas se Deus é as flores e as árvores / E os montes e sol e o luar, / Então acredito nele, / Então acredito nele a toda a hora, / E a minha vida é toda uma oração e uma missa, / E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos…”
(*) “O Guardador de Rebanhos”, de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)


Fernando Pessoa
Vovô João Antunes







