ANTIGAS HISTÓRIAS – PARTE 1

Quase todos os dias da minha adolescência eu passava em frente ao prédio dela. Sempre com a esperança de poder observá-la na janela. Contudo, isso nunca acontecia… 

Nós estávamos em 1966 e eu tinha apenas 15 anos. E como todo e qualquer adolescente, eu sonhava com ela dia após dia. Nos meus sonhos, ah, que delícia, ela me oferecia sorrisos, carinho e profunda atenção. Porém, desafortunadamente, isto é algo que acontece somente nos sonhos. O diabo é que ninguém nunca me explicou porquê. Nunca!

Aliás, para início de conversa, esse ‘sonho’ tinha um nome e atendia pelo nome de Isabel. Ela foi a mais linda morena que os meus olhos contemplaram. Mas, para mim, ela sempre se chamou ‘Belinha’. Céus, onde estará aquela menina? Que rumo terá seguido na vida? Ah, meus amigos, eu daria tudo para ter notícias dela. Quem sabe poder trocar uma prosa, um sorriso ou um simples olhar? Saber se os seus sonhos se realizaram, se a vida foi generosa com ela… essas coisas que o ‘destino’ apronta.

O certo é que Belinha marcou para sempre a minha memória-afetiva, deixando um registro especial, pois desde o dia que bati os olhos nela, confesso, meu coração disparava e as pernas tremiam. Sempre!

Por ironia, quis o destino que esse amor fosse interrompido pelos meus medos. Uma pena, isso sim, porquanto eu era jovem demais para saber lidar com os sonhos. E os sonhos também podem nos assustar. Lamentavelmente. Porquanto o pai de Belinha era um general do exército, da chamada ‘linha dura’ e todas as vezes que o via, eu tremia dos pés à cabeça. E ele, como que adivinhando, olhava-me sempre com suspeição ou ‘rancor’.


No entanto, eu reconheço: fui erroneamente ‘bem-comportado’. Talvez devesse me rebelar, como o Chico Buarque e “romper com o mundo e queimar meus navios…” Porém, não lutei pelo afeto. Simplesmente aceitei o destino como se fosse uma sina. Sendo assim, acabei paralisado diante dos medos. E o que se sabe é que os medos são implacáveis com quem os sente. Sem remorsos ou piedade, os medos arrefecem os sonhos e tomam a desavisada criatura como refém, fazendo dela mais uma vítima. Com profundo lamento, eu declaro: foi o que me ocorreu.

Também é verdade que eu tinha apenas 15 anos e era uma criança cheia de esperanças na vida. Na escola, eu frequentava o grêmio estudantil e me iniciava na luta contra a opressão do regime, a ditadura. Eram tempos difíceis! Havia muito ‘medo’ pairando no ar. Apesar dos inúmeros fantasmas que nos rondavam, aquele período foi muito rico em vivências. Lá, isso foi! 

Até que um dia, sem nenhum aviso, Belinha mudou-se de bairro. E eu nunca mais tive notícias dela, apesar das incessantes buscas que empreendi. Sofri muito, é verdade. Chorei por sua ausência e me culpei pela falta de coragem. Meu Deus, por que foi mais fácil lutar por uma causa do que por um afeto?! Por que sempre é mais fácil morrer por uma ideologia do que viver por um grande amor? Por quê?!

Pois é, minha gente. Por aí vocês podem avaliar como demorei a ‘reencontrar’ os meus afetos. Perversamente, eles se extraviaram naquele dia em que abdiquei o amor de Belinha. E o mundo teve que girar um bocado para que eu pudesse ter de volta os meus afetos perdidos. Para tanto, precisei encontrar maravilhosas criaturas no percurso. E elas, ao me ofertarem abraços, foram responsáveis por essa recuperação. De alguma forma, esta crônica é dedicada a todas as pessoas que me estenderam a mão.

Resta dizer que, no fim das contas, a política estudantil pode ter ficado lá para trás, por causa do sucateamento das universidades públicas. Do mesmo modo, também ficaram para trás os amores não correspondidos, já que o tempo, como sabemos, é um esmeril forte e impiedoso. E não poupa ninguém. Hoje, minha gente, somente hoje é que eu sei disso.

Sorte a minha que continuo tendo ao lado o talento e a voz de Chico para me consolar: “Não se afobe, não / Que nada é pra já / O amor não tem pressa / Ele pode esperar / em silêncio / Num fundo de armário / Na posta-restante / Milênios, milênios ao ar…”

Nota: O saudoso “33” era o bonde que fazia o percurso “Lapa – Praça da Bandeira”, no velho Rio de Janeiro de minha adolescência.

SUA BÊNÇÃO, MEU PADIM PADI ‘CIÇO’…

Foi Nonato Luiz, exímio violonista, que me assegurou a regra. Segundo ele, para se conhecer um cearense de verdade bastam apenas duas perguntas. A primeira é: “você gosta de mulher?” Se o cabra responder que sim, então, você volta à carga e arremata a segunda: “e de farinha?”, Daí, se ele soltar um retumbante “vixe!’, pronto: é sinal que você estará em frente a um legítimo pau-de-arara! Pois é. O que eu sei dizer é que tenho muito orgulho das minhas raízes cearenses, isso sim. E já encontrei ‘pau-de-arara’ em todo canto desse mundão de Deus. Só vendo como cearense é bicho nômade. Aparece em tudo que é lugar e em todas as atividades humanas…

Certa vez eu estava na fila dos correios na Basiléia, Suíça, em 1976, quando alguém começou a ‘mangar’ (no dicionário cearês é o mesmo que zombar!) da atendente que parecia mal-humorada pra ‘dedéu’.

– Olha só a cara dessa bichinha. Parece ‘abestada’!

Eu nem precisei falar nada. Dei apenas uma discreta risada e demonstrei a minha cumplicidade ao conterrâneo…

O fato é que tudo isso me lembrou o amigo Nonato Luiz, que há tempos não aparece por essas bandas. Para minha sorte, eu tenho aqui em casa uma bela coleção de CDs do Nonato, alguns deles enviados pelo meu primo Henilton, como esse maravilhoso “Baião Erudito”. Meu Deus do Céu, coisa linda!

O disco é em homenagem a Humberto Teixeira e Luís Gonzaga, que produziram uma obra extraordinária. E perene! Afinal, quem consegue ouvir o ‘pot-pourri’ de “Juazeiro – Assum Preto – Algodão” e não se emocionar com as ricas melodias? Isso sem falar de “Légua tirana”, que na interpretação de Nonato adquire profunda dramaticidade. Algo incrível, meus amigos!

No entanto, a música que mais me comoveu foi a faixa “Vida de viajante”. Sim! Além da beleza da melodia, a verdade é que ela também me remete ao apurado gosto que o cearense tem para viajar, viajar e viajar. O resultado não poderia ser outro: chorei um bocado com saudades do meu Ceará!!

AS ARTIMANHAS DA VIDA

É interessante perceber que alguns filmes que não alcançam o sucesso esperado, ainda que sejam belos e comoventes. E o pior é que a gente, sem entender, fica a se perguntar: por quê?! Talvez seja o caso do amadíssimo filme dirigido por Jeremy Leven e produzido por Francis Ford Coppola, “Don Juan DeMarco”. Lembram dele? Então, vejamos:

A surpreendente história se baseia numa adaptação livre do icônico personagem “Dom Juan DeMarco”. Para tanto, já aposentado, Marlon Brando foi convocado para interpretar o papel de um psiquiatra de Nova York. E assume o difícil caso de um paciente que afirma ser Don Juan DeMarco. A partir daí se desenrola uma deliciosa comédia-romântica, com direito a impecáveis desempenhos de Marlon Brando, Faye Dunaway e Johnny Depp.

É preciso reconhecer que, em alguns trechos, o filme foi capaz de nos ‘arrebatar’ com o seu lirismo e a sua fantasia. Mas, mesmo assim… ele morreu na praia. Céus! Foi uma pena, isso sim. Porquanto a história era bastante sedutora, o texto era comovente e a condução foi até competente. Contudo, ele sofreu duras críticas e não recebeu o merecido reconhecimento.

Explicação para isso? Tenho não! O que eu posso dizer, meus amigos, é que até hoje eu guardo na memória afetiva a sequência final do filme. Sim! Na voz do “irresistível-impostor”, ouvimos a comovente proclamação do paciente ao psiquiatra: “São quatro as questões de valor na vida: o que é sagrado? Do que é feito o espírito? Por que vale a pena viver? Por que vale a pena morrer? A resposta para essas questões é sempre a mesma: amor… só por amor!”

E como eu sou um amante do ‘cinema’, ah, não pude resistir ao ímpeto de defender essa película. Afinal de contas, como membro dessa civilização decadente e por estar entrando na reta final da vida, arre, cabe a mim uma certa irritação ao ‘senso comum’. No fundo, cá entre nós, ele é raso, injusto e até mesmo inconsequente. Paciência… Fazer o quê?!

Marlon Brando e Faye Dunaway estiveram impecáveis!

Johnny Depp soube representar muito bem o ‘terrível-impostor’

do personagem “Don Juan DeMarco”.

Achados & Perdidos

Ontem, eu e minha esposa fomos almoçar em um restaurante com o nosso filho. Lá pelas tantas, eu comecei a desenvolver um argumento, empunhando-o como se fosse uma bandeira a ser defendida. Dizia eu para o Gabriel que não somente o planeta está se exaurindo. Desafortunadamente, devemos reconhecer, a humanidade também está na UTI!

Contudo, sem dar muita importância à minha fala, talvez por conta da pouca idade, eu percebi que tudo o que eu dizia era enfadonho para ele. Ainda assim, resolvi insistir. Afinal, a nossa “conversa” tem que prosseguir, não é verdade?!

Por conta disso, eu comecei argumentando que ao se observar a história, pode-se perceber que o homem tem sido capaz de construir um sem-número de coisas boas a partir de suas invenções. Porém, também é verdade que ele tem ‘extraviado’ ao longo do caminho significativos ‘patrimônios’ que já havia acumulado. E eu não me refiro aqui aos patrimônios materiais. Não, amigos! O mais doloroso é constatar que as maiores ‘perdas’ têm sido os valores éticos, morais e o respeito pelos bens imateriais.

Ainda assim, por favor, eu rogo a todos que não reduzam essas ideias apenas aos aspectos ‘saudosistas’. Até porque não sou dessas criaturas que costumeiramente iniciam suas frases com o famigerado “olha, no meu tempo…”. Não! Minha preocupação reside, muito mais, nas visíveis ‘atrofias’ que percebemos na formação do caráter e da estrutura emocional desses jovens. Pois é. Assusta-me o comportamento deles, indiferentes a toda e qualquer forma de tradição, legado ou valores constituídos.

Decerto, eu também já fui jovem. Por conseguinte, creiam-me, já empunhei as bandeiras da contestação. E participei de incontáveis protestos contra toda sorte de causas e movimentos. Até aí, estamos empatados. No entanto, ainda que eu abraçasse febrilmente uma dada causa, seguramente, havia um componente que nos diferenciava dos atuais movimentos contestatórios: não desprezávamos os valores adquiridos. Isso porque, convenhamos, nós precisávamos ‘deles’ para dar consistência e solidez aos nossos argumentos.

Sendo assim, oxalá eles cresçam e possam retomar àquilo que deixaram de lado durante o percurso. Se isso acontecer, melhor, já que ainda poderemos dar boas risadas pelos enganos e atropelos cometidos…

Na dúvida, seria bom que eles procurassem o setor de achados e perdidos. Afinal, é lá que poderão encontrar algumas preciosidades. Com sorte, quem sabe, poderão até mesmo resgatar antigos ‘afetos’ perdidos?!

UMA PORTA ENTREABERTA

Havia no Edifício Esperanto, lá na velha Zamenhof, do Estácio, um entendimento tácito com relação as divergências. Mas não com relação às questões do condomínio, já que essas eram mais fáceis de lidar. Sim! Bem mais amenas que as questões políticas da época. Calma aí que eu explico.

Nós estávamos no fim da década de 60 e o nosso país atravessava momentos complicados. Até mesmo turbulentos. Como o nosso prédio possuía criaturas com divergentes formas de pensar, o fato é que essas diferenças não passavam em ‘brancas nuvens’. No ‘cantinho’ do seu Severino, a portaria, sempre tinha um pequeno grupo a deitar falação contra esse ou aquele outro proprietário. Fosse para comentar o tamanho da saia de determinada adolescente ou para levantar suspeitas com relação a infidelidade de alguma pessoa do prédio. Tudo era motivo de fofoca e desentendimento.

Ainda assim, o assunto mais comentado à ‘boca pequena’, sem dúvida, era quanto a posição política de qualquer morador. Isto porque, nós vivíamos os famigerados “anos de chumbo”. Por conseguinte, a ‘delação’ era o instrumento mais comum da época. E alguns moradores, por certo, tinham a ‘preferência’ dos delatores, por variados motivos. Era bem o caso do Henrique, do 505, cujo pai estava exilado em outro país. Muito embora Henrique fosse completamente apolítico, bastava ter alguma situação tensa em qualquer lugar, lá vinham os soldados, marinheiros ou aviadores arrombar a porta do apartamento do coitado do Henrique. Sem pedir licença, eles a quebravam a fechadura e vasculhavam tudo em busca de algum vestígio. E nada era encontrado!

Algumas vezes, eles conduziram Henrique para as instalações do aparelho repressor, preferencialmente para o Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS. E Henrique tinha que suportar interrogatórios, constrangimentos e até mesmo torturas. Tudo para que esclarecesse o paradeiro do pai, um líder de grande expressão do cenário político. Embora isso fosse algo comemorado por pequena parte dos moradores do prédio, o certo é que para muitos outros esse processo foi encarado com dor e solidariedade.

Lembro que meu pai ficava profundamente indignado. E dizia para nós, os filhos, que no futuro teríamos vergonha desse período da história política brasileira.

Como consequência, certo mesmo é que Henrique se tornou uma pessoa triste e solitária. Pouco conversava com os outros. Afinal, para ele, os moradores passaram a ser ‘suspeitos’ de muitas delações. Por isso, a presença de Henrique nas festividades do prédio, como São João ou Natal, foi cada vez mais diminuindo. Até o isolamento total. A partir daí, ninguém mais o via entrar ou sair do prédio. Virou um fantasma. Literalmente!

Dizem até que para evitar gastos extras, Henrique passou a deixar a porta do seu apartamento sempre entreaberta. Com isso, ao menos, ele evitava o arrombamento e a quebra da fechadura… Céus! Foram tempos difíceis aqueles. Lá, isso sim!

“PAVÃO MISTERIOSO” E AS BRINCADEIRAS EXTRAVIADAS…

Nós temos um lindo neto, João Pedro, que possui apenas sete anos de idade. Céus… é o nosso xodó! E ele sabe bem disso. Aliás, uma vez por semana ele nos presenteia ao desejar dormir em nossa casa, aninhado com a gente. Como toda casa de avós que se preza, aqui ele se sente inteiramente à vontade. Para a nossa alegria!

O mais interessante é que somente após a chegada de João Pedro é que conseguimos entender o ditado de que “neto é um filho com açúcar”. Sim! Com certeza, isso é procedente e verdadeiro. Por conta disso, nós aceitamos o papel que nos cabe nessa incrível relação de elos afetivos. Afinal, acompanhar o crescimento dele tem sido algo profundamente prazeroso.

Por certo, o aspecto que mais chama a atenção na relação com o João Pedro diz respeito à questão lúdica, que surge a todo momento e nos deixa enredados nas propostas vindas dele. E digo isso, minha gente, porque estando eu com mais de setenta anos, convenhamos, é bem difícil acompanhar o ritmo de João Pedro. Prefiro, muitas vezes, ficar de fora observando e apreciando o desenrolar dos seus jogos e movimentos.

Quando estamos na casa dos pais dele, aí, sim, eu percebo por que JP é um menino tão feliz. Porquanto os seus pais são tremendamente participativos. Apesar do cansaço pela dura jornada de trabalho, sempre me encantei com o esforço que Mateus e Nathália empreendem para tornar a vidinha dele mais rica de vivências e experimentações. E isso é algo comovente.

Ocorre, também, que a gente acaba criando parâmetros de comparação e, só aí, eu realizo de que não fui um pai muito presente na infância do meu filho Gabriel. Eu posso até ter me esforçado para isso. Todavia, reconheço, deixei de interagir com meu filho em boa parte da infância dele. É algo que lamento. Muito! Mas que não posso mais recuperar, quando muito, desculpar-me pelas ‘ausências’ nos jogos e brincadeiras.

Eu acredito até que fui um pai que acarinhou bastante o filho, que buscou conversar e contar histórias para alimentar o imaginário de Gabriel. Porém, de fato, reconheço que pouco participei dos jogos e brincadeiras. Talvez, por temperamento, eu acabava sendo mais espectador do que participante. No fundo, ainda que de modo involuntário, foi uma falha minha.

Também é verdade que foram precisos muitos anos para que o ‘esmeril do tempo’ apagasse da memória afetiva as ausências de meu pai e meu avô. Do mesmo modo, por infortúnio, eles deixaram registros de pouca participação na minha infância. Paciência… Fazer o quê?!

No entanto, a minha esperança é que sendo nordestino, quem sabe, eu consiga encontrar escondido em algum cantinho da memória o ‘desejo’ de querer brincar?! Ainda que ele venha com bastante atraso, sim, é possível descobrir o quanto isso é ‘restaurador’. Ednardo, por exemplo, um velho conterrâneo cearense, já havia nos alertado para isso: “Pavão misterioso / Nessa cauda aberta em leque / me guarda moleque / de eterno brincar / Me poupa do vexame / de morrer tão moço / muita coisa ainda quero olhar…”

Ah! eu rogo a Deus que ainda consiga desvendar esse ‘véu’ que quase me cegou. E que possa percorrer esse encantado corredor em busca da criança que se perdeu no labirinto. Sim, meu querido ‘pavão misterioso’, traga-me de volta aqueles dias de incontida alegria. “Ai se eu corresse assim / Tantos céus assim / Muita história / Eu tinha pra contar.” Revele a mim, sem medo, lindo pavão, que o meu neto veio me desafiar. E provar que o tempo de brincar novamente bateu em minha porta…

Como consequência, “Não temas, minha donzela / Nossa sorte nessa guerra / Eles são muitos / Mas não podem voar!”

João Pedro e os avós

OS DEUSES DO OLIMPO

É bem verdade que a gente não foi criado para ‘perder’ os nossos entes mais queridos. Não! Isso é algo que somente as criaturas ‘superiores’ conseguem alcançar. E eu lamento não ter atingido esse patamar de compreensão e espiritualidade. Provavelmente, ainda terei que ‘remar mais um bocado’ para aperfeiçoar a minha condição. E isso leva tempo, algo que não disponho muito. Por vezes, não se configura em uma só vida… E aí, fazer o quê?!

Do mesmo modo, eu ouvi, ao longo da vida, que os pais nunca poderiam enterrar os seus filhos, porquanto fere a ‘ordem natural’. Tudo bem. Eu consigo entender e aceitar tal pensamento. No entanto, haverá alguém que indagará: e por que o contrário é aceitável? Por que os filhos devem ser mais fortes para aceitarem a perda dos pais?!

Nessa hora, eu lembro a canção de Fernando Mendes, que diz: “Não vejo mais você faz tanto tempo  /  Que vontade que eu sinto  /  De olhar em seus olhos, ganhar seus abraços  /  É verdade, eu não minto.  /  …Agora  /  Que faço eu da vida sem você?  /  Você não me ensinou a te esquecer…”

Pois é. O que eu sei dizer é que desde pequeno a gente aprende que os deuses olímpicos são divindades gregas que residem no Monte Olimpo. Melhor ainda: lá, no Monte Olimpo, os deuses gregos consomem ambrosia e néctar. Céus! Eu ia adorar viver ali, cercado de mimos, poderes e, de quebra, a ambrosia que tanto amo… Porém, vai ver que isso é proibido para os simples mortais como eu. Inda por cima, cearense cabra da peste, acostumado a rapadura e não as iguarias como aquelas. Paciência!

No fundo, o que importa nessa vida é a gente crescer. Por dentro e por fora. Com isso, poderemos desenvolver outras capacidades para dar conta de algumas demandas difíceis. Como é o caso da orfandade, cuja dificuldade presente em quase todos é a aceitar a dor como parte inerente desse momento.

Quanto a esse fato, reconheço que até hoje eu não aceitei a partida dos meus pais. Em especial da minha mãe, que viveu bem menos que ele. Por certo, os juízes de plantão dirão que eu terei que superar esse ‘trauma’ e me tornar um ‘sujeito normal’. Uma criatura bem resolvida. Será? Então, eu rogo a algum amigo leitor que me ensine o caminho das pedras. Para que eu possa redimir os meus enganos e alcançar um patamar mais confortável nessa vida.

Contudo, enquanto isso não acontece, o jeito é pedir ajuda a Dioniso. Sim, afinal, ele era o deus grego do vinho, das festas e da alegria. E por ser relacionado com a alegria humana, os gregos afirmavam que ele tinha sido o inventor do vinho e aquele que realizou o desejo do rei Midas, permitindo que ele transformasse tudo que tocava em ouro. O diabo é que eu não desenvolvi, nem de longe, esse talento de Dioniso. Tampouco tive a sorte grande de receber dele um ‘tracinho’ da capacidade ofertada a Midas. Muito ao contrário, uma vez que o pouquíssimo ouro que recebi como paga pelos meus trabalhos, com o tempo, acabaram sumindo ou virando pó. Ou indo parar na Receita Federal… Putz!   

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“A PRINCESA DO MEU LUGAR”

O nosso abençoado poeta-cantador, Belchior, já nos disse em verso e prosa que “Se me der vontade de ir embora / vida adentro, mundo a fora / meu amor, não vá chorar / ao ver que o cajueiro anda florindo / Saiba que estarei voltando, princesa do meu lugar…”

Pois é, meu querido poeta. Eu precisei viver mais de setenta anos para me dar conta dessa incrível verdade, tão singular. E mais ainda: foi preciso voltar ao nosso velho Ceará para que eu pudesse fazer as pazes com a minha infância extraviada. Não que eu tenha rompido com ela. Decerto que não! Mas, saiba: eu precisava rever velhas paisagens que, com o tempo, foram desbotando insípidas memórias… Sei bem que, de algum modo, eu corri o risco de sofrer intensa dor, semelhante a de Belchior, quando cantou: “…E eu inda sou bem moço / pra tanta tristeza. / Deixemos de coisas, / cuidemos da vida, / senão chega a morte / ou coisa parecida, e nos arrasta moço / sem ter visto a vida / ou coisa parecida…”

Por sinal, nessa viagem, eu ainda tive a sorte de poder contar com a presença do meu centenário pai e do primo Robson, nosso anfitrião. Ao lado deles, nós fomos ao Aracati rever a casa da infância dos Menezes. Chegando lá, vimos que a região foi tombada pelo Patrimônio Histórico e, restaurada, adquiriu uma beleza sem par. Além disso, pude rever o maior rio do Ceará, o icônico Jaguaribe. E emocionado com a deslumbrante visão do rio e com a presença do meu pai, eu lancei naquelas águas a minha gratidão e o orgulho de ser nordestino. Talvez, eu devesse cantar: “Nunca mais meu pai falou: “She’s leaving home” / E meteu o pé na estrada, “like a rolling stone” / Nunca mais eu convidei minha menina / Para correr no meu carro, loucura, chiclete e som / Nunca mais você saiu à rua em grupo reunido / O dedo em V, cabelo ao vento, amor e flor, quede o cartaz?”

Então, por tudo que foi vivido, que foi celebrado e também pelo que deixou de ser, eu solto o meu grito: Viva o Nordeste! Viva o Ceará! Viva o meu centenário pai!

Papai, Robson, eu e o maravilhoso rio Jaguaribe, na foz do Aracati.

A ‘FORÇA’ QUE EXISTE EM CADA UM

Meus amigos, pode ser que para muitos ‘isso’ não constitua surpresa. Mas que é algo intrigante, lá, é verdade. Sim! Eu me refiro às mudanças que ocorrem na trajetória de algumas pessoas. Porquanto é incrível perceber as guinadas que o ‘volante da vida’ apronta. Talvez, seja pura magia do universo. Acontecimentos que surpreendem e conspiram contra os destinos de muitas criaturas. Aliás, eu poderia começar essa crônica até mesmo por mim, pois já experimentei algumas vezes esse ‘toque mágico’ do universo. Então, deixem-me contar.

Quando eu era adolescente, ainda no curso ginasial, não possuía em mente nenhuma profissão a adotar. Acredito até que somente no último ano do ensino médio é que me bateu o desejo de ser ‘bioquímico’. Provavelmente, era influência da brilhante carreira que minha cunhada empunhava. Por conta disso, eu sonhava com aqueles incríveis laboratórios, cheios de vidros e bugigangas e me imaginava como um verdadeiro ‘cientista maluco’. Contudo, o sonho não suportou mais do que dois anos, uma vez que no segundo ano do curso de Bioquímica, da UFRJ, eu comecei a dar aulas de química no cursinho que havia estudado. E foi assim que eu dei início a uma longa carreira no magistério.

Do cursinho aos grandes colégios do Rio de Janeiro, ah, bastaram apenas cinco anos, meus amigos. Dali para frente, eu me senti verdadeiramente ‘professor’. Com mais um tempo, tornei-me um ‘educador’, e também fui coordenador de diversas escolas. Além disso, tenho a certeza de que ‘aprendi’ muito mais do que ‘ensinei’.

Nessa esteira do tempo, vieram o fim de um casamento, a aposentadoria especial e a grande chance de dar outra ‘guinada’ no volante da vida. Enfim, estava na hora de buscar novos ares. Daí, veio o desejo de vir para Florianópolis. E nessa terra abençoada, eu descobri que era capaz de encarar outras atividades. Foi quando me tornei ‘coordenador editorial’ de uma importante revista de São Paulo. E isso deu início ao gosto pela escrita. Comecei assim a escrever os primeiros textos sobre cinema e jazz. Passados dez anos, veio o primeiro livro publicado, “Jazz, Cinema & Utopia”. E mais treze anos anos para o segundo livro, “Os esconderijos da memória”.

Por outro lado, como fui professor por tantos anos, eu aproveitei a embocadura e comecei a ministrar cursos sobre a “História do Jazz”. E estes cursos abriram outras portas.

Por fim, tudo isso me fez recordar os maravilhosos filmes “Star Wars”. Céus! Lembrei-me até do diálogo entre o Obi-Wan Kenobi e Luke Skywalker, no primeiro episódio da série (Star Wars IV), ao declarar a Luke que ‘a força’ estava com ele.

Pois é. Somente hoje é que eu percebo que a ‘força’ está dentro de todos nós. Sim! Basta apenas que aprendamos a confiar em nosso potencial. A partir daí, convenhamos, a vida vai nos dando coragem e ousadia para encarar novos desafios…