Lembro que era sexta-feira, dia 9 de outubro de 1964. E para meu desespero, há mais de uma semana que eu lia aquele fatídico cartaz estampado na porta do teatro: “Sorry, sold out”. Céus… Nada poderia ser mais frustrante do que deixar de ouvir o sopro de Stan Getz em um refinado dueto com João Gilberto!
O fato é que eu trabalhava em uma padaria na “Midtown Manhattan”, nos fundos do Central Park. Ela ficava bem ali na Sétima Avenida, esquina com a West 58. Mas, convenhamos, era uma bela padaria, cuja tradição do ‘pão fresco’ tornava a rotina digna de repetição. Aliás, segundo eu soube, ela foi aberta pelo belga Alain Coumont, que decidiu sair de Bruxelas e se aventurar pelo mundo. De certo modo, eu também fazia o mesmo, meus amigos, ao sair do Ceará para Nova Iorque. No entanto, para Alain, havia a necessidade de um bom nome na porta do estabelecimento. Para tanto, ele precisou apenas se recordar do pai exclamando em casa: “moi, ce n’est pas mon pain quotidien” – “não é meu pão diário”. Assim, ele percebeu que não precisaria de nenhuma outra ideia. Bastava escrever: “Le Pain Quotidien”, “o pão do dia”, onde o passado encontra o presente e o futuro.
Contudo, a verdade é que eu tive que implorar um bocado pela minha folga semanal. Isso porque o belga era duro na queda e não aceitava improviso e nem desculpas esfarrapadas.
Ainda assim, após muito sofrimento, eu finalmente consegui a primeira parte do plano: a folga no dia seguinte. Só que havia um problema maior: o ingresso para o memorável show de João Gilberto, no “Carnegie Hall”! E a convidada daquela noite seria especial: a deliciosa voz de Astrud Gilberto. Quem pode perder isso?!
Dizem por aí que todo pobre tem o seu dia de sorte. Pode ser. Mas, no meu caso, devo reconhecer, eu tirei o primeiro prêmio na loteria da vida, meus amigos. Pois não é que o seu Alain me presenteou com um ingresso para o famigerado show?! Céus! Eu só acreditei quando vi o bendito ingresso. “Deus existe”, foi o meu desabafo!
Arrumei-me feito um príncipe, caprichando em cada detalhe. Engraxei os sapatos e peguei emprestado o terno do meu colega da padaria. Ao final, eu me sentia mais ‘garboso’ do que o prefeito da cidade. E se alguém medisse minha pressão sanguínea, por certo, iria se assustar.
Chegando ao balcão B, procurei o assento 67. Mal conseguia me sentar, tal era o êxtase. Além disso, experimentei os trinta minutos mais demorados da vida, que antecederam o início do espetáculo. “Voilà!”
Quando Astrud Gilberto começou a cantar “Corcovado”, confesso: chorei copiosamente. Senti saudades do Brasil e do meu velho Ceará. Saudades daquele adolescente que, um ano antes, havia partido sem rumo e sem prosa, em busca de algumas descobertas. Pois é. O que sei é que ao ouvir aquelas melodias, confesso, eu descobri que o mundo é bem maior do que nossas esperanças. É até maior que os nossos sonhos. Ainda bem, minha gente!

O maravilhoso palco da exibição, o “Carnegie Hall”

João Gilberto e Stan Getz.