O HOMEM DA CAPA PRETA

É bem verdade que nessa época eu era ainda um molecote, com pouco mais de dez anos. No entanto, como sempre fui uma criança observadora, confesso que eu achava muito estranho as ‘reuniões’ que ocorriam na casa do Seu Nacib. Sim! Até porque, como diziam, a história do ‘velho turco’ era cercada de ‘muitos mistérios’. Segundo os comentários, já naquela época, o armarinho que ele possuía na rua Sampaio Ferraz era de ‘fachada’. Algo para encobrir e justificar o dinheiro abundante. Mas, quem pode garantir?!

Também é verdade que naquele Estácio dos anos 1960 tudo acontecia de modo sorrateiro, sem deixar vestígios. Ainda assim, há sempre um momento de descuido, por mais que a pessoa seja precavida. E no caso do Seu Nacib, talvez tenha sido por conta da festejada visita do famoso Tenório Cavalcanti. É que o controvertido deputado chegou com pompas e alardes. Fazendo questão, inclusive, de não ‘esconder’ a presença da “Lurdinha”, sua fiel companheira: a metralhadora!

Aliás, é bom lembrar que Tenório Cavalcanti foi candidato ao cargo de governador do Estado da Guanabara, em 1960, pelo Partido Social Trabalhista. Entretanto, ele perdeu as eleições para Carlos Lacerda. Logo a seguir, em 1962, ele se candidatou a governador do Estado do Rio de Janeiro, perdendo dessa vez para Badger da Silveira. Pois é. Ao que tudo indica, estes fatos, meus amigos, somado às pressões das bases políticas de Caxias, seu reduto político, diminuíram bastante o poder de Tenório, que lentamente cairia no esquecimento.

Antes disso, porém, ele seria protagonista de um dos episódios mais tensos da história política brasileira. Reza a lenda que, nessa ocasião, ainda no mandato de deputado federal, Tenório discursava na Câmara dos Deputados. E no discurso, ele acusava o presidente do Banco do Brasil de desvio de verbas. Mas no plenário, um famoso deputado baiano defendera o conterrâneo, respondendo que “Vossa Excelência pode dizer isso e mais coisas, mas na verdade o que Vossa Excelência é mesmo é um protetor do jogo e do lenocínio, porque é um ladrão.”

Tenório Cavalcanti, então, sacou o seu revólver e berrou: “Vai morrer agora mesmo!”. Alguns deputados correram para tentar impedir o assassinato, enquanto outros fugiram do plenário. Segundo as más línguas, o deputado baiano, tremendo de medo, teve uma incontinência urinária. Mesmo assim, gritava: “Atira. Atira!” Tenório, por sua vez, resolveu não atirar. Rindo da situação em que o deputado se encontrava, recolheu o revólver, dizendo que “só matava homem”. Vai saber?!

Mas o que eu queria dizer, de fato, era a respeito da reunião na casa do Seu Nacib. Porquanto eu acabei sendo testemunha ocular de um importante episódio. Deixem-me contar. Eu estava na esquina da Zamenhof com a Quintino do Vale, bem em frente à casa do Seu Nacib. Em um dado momento, ele foi ao portão e me chamou: “Chau, dê um pulinho na vendinha do seu Manoel e pegue uma garrafa de “Velho Barreiro” e peça para pôr na minha conta!” Fui e voltei em dois toques. Seu Nacib, então, disse para entrar e tomar um refresco de groselha. Foi quando eu vislumbrei um objeto preto, grande, encostado ao lado da estante da sala. Curioso, eu fiquei ali na sala tomando o refresco bem devagar para apreciar aquele objeto. Mas, criança é bicho danado. Não demorou muito e eu já estava com a ‘dita cuja’ nas mãos, observando cada detalhe daquela engenhosa ferramenta. Foi quando a porta se abriu e o deputado Tenório Cavalcanti entrou para ir ao banheiro, antes do almoço. Ao me ver com a “Lurdinha” nas mãos, ele calmamente pegou a arma e me perguntou: “Você já viu uma igual a essa?” Eu disse que não, quase gaguejando. Ele, então, segurando-me pelo braço, levou-me e até o jardim interno da casa do Seu Nacib. Lá chegando, empunhou a “Lurdinha” e deu uma rajada de tiros para o alto. Céus! Eu quase morri de susto com aquele barulho…

De certo modo, devo confessar: eu acabei tendo o mesmo ‘probleminha’ que o deputado baiano teve no plenário da Câmara… Paciência. Fazer o quê?!

Imagem: Tenório Cavalcanti, o “Homem da Capa Preta”.

Publicado por

Carlos Holbein

Professor de química por formação ou "sina" e escritor por "vocação" ou insistência...