Ah, meus amigos, já faz mais de quarenta anos que eu ouvi essa pergunta, na emocionante interpretação de Elis Regina e Milton Nascimento:
“O que foi feito, amigo, / de tudo que a gente sonhou? / O que foi feito da vida, / o que foi feito do amor? / Quisera encontrar aquele verso menino / que escrevi há tantos anos atrás. / Falo assim sem saudade, / falo assim por saber…”
Pois agora. Não é que eu estava fazendo a caminhada matinal na Beira-mar de São José e, de repente, esses versos tomaram meu coração?! Emocionado, eu continuei os meus passos observando o mar e deixando os versos ecoarem dentro de mim. Isto porque, havia uma dúvida presente: que respostas eu teria hoje para esses versos? E quais sonhos eu deixei de realizar?
Enquanto tomava fôlego para responder a essas questões, eu acariciei a mão de minha esposa. Com um leve sorriso, agradeci ao bem que ela me faz. Seja pela forte parceria e cumplicidade, seja pelo desejo de estar sempre ao seu lado. Afinal, com ela eu tenho vivido as melhores passagens na minha vida!
“Falo assim sem tristeza, / Falo por acreditar / Que é cobrando o que fomos / Que nós iremos crescer / Nós iremos crescer.”
Novamente os versos da melodia invadiram os pensamentos. Então, eu olhei para o mar e me lembrei do menino que fui outrora. Lembrei dos sonhos da infância, das manhãs ensolaradas soltando pipas, subindo em muros e correndo pela ladeira da rua Zamenhof, no velho Estácio. Ah, o que foi feito daquele menino inquieto e sonhador? Em que esquinas do mundo ele extraviou os melhores sonhos?
Certo mesmo é que o processo de envelhecimento é difícil demais, minha gente. Muitas vezes, é até doloroso. Porquanto ele não perdoa aqueles que renunciam aos sonhos e, com isso, acabam empilhando velhos desejos na memória distante. Mas, fazer o quê?!
Para muitos, o jeito é tocar a vida em frente, sem olhar para outras direções. Procurando se agarrar com unhas afiadas aos lampejos de felicidade, que teimosamente insistem em desgarrar… Assim, com sorte, nós poderemos descobrir outras formas de sonhar. E quem sabe esses sonhos consigam, então, redimir os enganos cometidos no percurso?!
Embevecido pela bela caminhada, eu lembrei também dos versos do poeta Mário Quintana, a “Casa Grande”:
“…eu queria ter nascido numa dessas casas de meia-água. / Com o telhado descendo logo após as fachadas / só de porta e janela / …Porém, nasci em um solar de leões. (… escadarias, corredores, sótãos, porões, tudo isso…) / Não pude ser um menino da rua… / Aliás, a casa me assustava mais do que o mundo, lá fora. / A casa era maior do que o mundo! / E até hoje – mesmo depois que destruíram a casa grande – / até hoje eu vivo explorando os seus esconderijos…”
Nesse momento, a caminhada de ida terminou. Daí, fizemos a volta, tendo agora o sol em nossas costas. Aliás, foi sentindo aquele agradável calor no corpo que eu saudei os versos finais de Fernando Brant e Milton Nascimento:
“Outros outubros virão / Outras manhãs, / plenas de sol e de luz. / Alertem todos alarmas / que o homem que eu era voltou…”
Por fim, ao relembrar essa sucessão de versos, eu compreendi que é preciso confiar na vida. Sim! Confiar nas belezas esparramadas pelo mundo. Simplesmente confiar…
Então, que assim seja!
