A VIDA VIVIDA*

Sim, meu querido tio, eu bem sei que o título desse texto é inspiração sua. Por sinal, ele foi colocado em uma belíssima crônica, escrita por você nos anos 70. Pois, saiba, então: aquela crônica foi responsável por muitas mudanças na minha vida. É que eu vinha seguindo determinado rumo e, a partir dela, confesso, mudei algumas trajetórias. Muito embora eu reconheça que não eram caminhos ruins, mas por certo não traduziam a essência do meu ser. Havia muita inocência ao meu redor. Muitos sonhos que jamais seriam alcançados, ainda que fossem utopias a serem perseguidas.

O fato é que, de lá para cá, a roda do mundo girou mais um bocado. E, desafortunadamente, muitos de nós nos perdemos no caminho. Uns perderam a coragem de lutar por condições melhores de vida. Outros perderam a noção do que é certo e do que é errado e praticaram coisas feias em nome da ganância. Houve até quem mudasse de lado, fingindo não lembrar as juras e dos compromissos assumidos. Paciência! Sabemos que, no fundo, nem sempre é fácil se manter correto e íntegro…

Também é verdade, meu tio, que inúmeras criaturas abandonaram o apego e a fidelidade às causas mais importantes. E lhe asseguro que não estou aqui a apontar o dedo em direção a essas pessoas. Por mim, elas que prestem conta aos seus pares e as suas consciências. Já me bastaram os incontáveis anos de terapia em busca de arranjos internos mais ajustados. Quem sabe, só assim se consiga seguir em frente com alguma harmonia? Vai saber?!

De minha parte, o que sei é que fui deixando pelo caminho um sem-número de inutilidades, carregadas com extrema dificuldade. O pior de tudo, tio velho de guerra, é que somente agora tudo isso me parece simples e banal. Mas, por que eu tive que pagar esse duro ‘pedágio’? Por que não podia ser mais fácil e suave esse percurso de vida? Até mesmo o Mário Quintana, nosso estimado poeta, experimentou essas dores: “Da vez primeira em que me assassinaram, / Perdi um jeito de sorrir que eu tinha. / Depois, a cada vez que me mataram, / Foram levando qualquer coisa minha…”

Aliás, há um outro poema que é atribuído ao Mário Quintana, mas também a outros autores. Ao que tudo indica, parece ser de autoria desconhecida. Porém, é maravilhoso e oportuno para o momento.

Vejam só:

“De repente tudo vai ficando tão simples que assusta.

A gente vai perdendo as necessidades, vai reduzindo a bagagem.

As opiniões dos outros, são realmente dos outros, e mesmo que sejam sobre nós,

não tem importância. Vamos abrindo mão das certezas, pois já não temos certeza de nada.

E, isso não faz a menor falta. Paramos de julgar, pois já não existe certo ou errado e sim a vida que cada um escolheu experimentar.

Por fim entendemos que tudo o que importa é ter paz e sossego, é viver sem medo, é fazer o que alegra o coração naquele momento.

E só.”

Publicado por

Carlos Holbein

Professor de química por formação ou "sina" e escritor por "vocação" ou insistência...