A LONGA CAMINHADA  – Parte 4

A ordem foi bem clara: aguardar a chegada da Kombi na esquina da Rio Branco com a Presidente Vargas, em frente ao prédio do Banco do Brasil. E mais ainda: às 19 horas. Impreterivelmente. A senha para o reconhecimento seria: “ONDE FICA SÃO CRISTÓVÃO?” E a resposta deveria ser: “BASTA SEGUIR EM FRENTE!”

Como Amaral trabalhava ali perto, teve tempo de tomar um café com leite e comer um pão com manteiga, pois sabia que a empreitada seria longa. Aliás, muita longa. Assim, por precaução, comprou um maço de Continental e uma revista de palavras cruzadas. Afinal, nunca se sabe o tempo de espera…

Às 19 horas, pontualmente, ele ouviu a discreta buzina da Kombi e, ao confirmarem as senhas, percebeu que deveria entrar rapidamente no carro. Abriu a porta traseira e sentou-se no último banco. Dali, eles pegaram a Presidente Vargas em direção ao Gasômetro, via Francisco Bicalho. Foi quando o motorista avisou que ele devia vendar os olhos, tão logo entrassem na Avenida Brasil.

Dito e feito. Amaral era uma criatura muito disciplinada e seguia todos os protocolos de segurança. Além disso, ele sabia que a viagem seria longa e sem conversas. Apenas o rádio da Kombi quebraria o silêncio, transmitindo o hilário programa “Balança, mas não cai”.

Foram quase cinco horas de viagem e Amaral sentiu que o motorista deu muitas voltas em estradas esburacadas, o que tornou o trajeto mais cansativo e tenso. Somente por volta da meia-noite eles chegaram ao destino. Desceu da Kombi e, relaxando a musculatura, pode tirar a venda dos olhos. Entrou na casa e recebeu a instrução de que aguardasse a chegada do ‘chefe’. Isso, porém, só ocorreu às três da madrugada, quando as portas do escritório se abriram e Amaral caminhou lentamente em direção ao escritório.

É bem verdade que ele nunca havia se encontrado com o ‘chefe’. Conhecia apenas por meio das informações dos bastidores e pelas fotos dos jornais. Luís Carlos Prestes, ao cumprimentá-lo, parecia não saber sobre o papel do companheiro no Partido. Tanto é que iniciou a conversa indagando sobre as movimentações e manobras na ‘célula’ do Banco do Brasil. Amaral, por sua vez, prestou contas dos processos e, conforme ia narrando as estratégias que eram usadas, percebia que o ‘chefe’ estava desinformado. Porquanto, de quando em quando, Prestes perguntava algo a respeito para os seus assessores. É aquela velha história: só levam ao conhecimento do ‘chefe’ os assuntos que são do interesse do escalão intermediário. Assessor que se preza, espertamente, fornece apenas as ‘boas notícias’…

Passados cinquenta minutos de conversa, Amaral já se sentia decepcionado com o encontro. No fundo, ele foi se dando conta de que as velhas leis que regem os ‘estatutos do Partido’ são discursos retóricos. Algo que não funciona mais. Ou até mesmo, nunca funcionou. Fazem parte apenas do ‘manual de ação’.

Talvez, por isso, Amaral tenha se sentido ‘encorajado’ a cobrar mais transparência do Comitê Central, na figura do Secretário-Geral Luís Carlos Prestes. Daí, iniciou uma longa exposição de motivos baseados nos mais de vinte anos de militância dentro do Partido. Ao final da argumentação, ouviu do secretário a concordância, bem como as novas orientações para os assessores. Saiu de lá exultante, sentindo-se vitorioso!

Contudo, decorridos três meses, Amaral percebeu que nada havia mudado e que os enganos do Partido continuavam iguais. Foi um duro golpe, isso sim. Principalmente, por lembrar que muitos companheiros acreditavam nas mudanças. E esperança, meus amigos, é algo que não se posterga. Tampouco se negocia.

Talvez, até mesmo o secretário Prestes tenha se tornado vítima da ‘burocracia interna’. Paciência… Fazer o quê?!

Publicado por

Carlos Holbein

Professor de química por formação ou "sina" e escritor por "vocação" ou insistência...