O ano era 1972. Um ano morno, onde pouca coisa importante aconteceu. Segundo consta, após 27 anos sob administração dos Estados Unidos, Okinawa era devolvido ao Japão. E em setembro, céus, aquele desumano ‘Massacre de Munique’, o atentado contra a delegação de Israel nos Jogos Olímpicos. Já no âmbito caseiro, nós tivemos em São Paulo a morte de 16 pessoas e mais de 300 feridos no maior incêndio da história da cidade até então. Além disso, tivemos a consagração de Emerson Fittipaldi, campeão mundial na Fórmula 1. Tivemos também a perda da nossa atriz, Leila Diniz, que quebrou velhos tabus e paradigmas sociais…
Mas o que eu queria contar mesmo é sobre o ‘controvertido’ Ibrahim Sued. Sim, minha gente. Afinal, ele dominou o noticiário durante décadas e protagonizou diversos episódios no cenário nacional. Um deles, juro, eu presenciei. E conto pra vocês!
Tudo começou quando meu pai, hoje centenário, sentiu necessidade de ampliar o orçamento, uma vez que eram oito bocas famintas para alimentar. Isso sem falar de roupas, remédios e o escambau. Então, ele aceitou o convite de um conhecido audiófilo para assumir o controle da mesa de som do refinado clube “Rio de Janeiro Country Club”, em Ipanema. Como papai era especialista em alta-fidelidade, e a ‘graninha’ era boa, ele topou o desafio, mesmo sabendo que o ambiente era extremamente sofisticado e burguês.
Uma vez por semana papai tinha o compromisso de passar no salão principal para ajustar todos os equipamentos sonoros do clube. E algumas vezes eu o acompanhei nessas missões. Lembro que eu me sentia um “peixe fora d’água”, uma vez que os olhares de ‘estranhamento e desprezo’ ocorriam a todo momento.
Sim! Eu estava querendo contar o causo do Ibrahim Sued. De fato, isso ocorreu numa daquelas pomposas cerimônias de ‘recepção’ a uma embaixatriz de algum país esnobe. Tudo era glamoroso: cristais, talheres e pratarias, além das roupas que saiam nas capas de revistas. Assim, nós nem nos atrevíamos sair da sala de controle do som.
Lá pelas tantas da noite foi servido o jantar. E as melhores marcas de vinhos tiveram suas garrafas abertas. Tudo isso, é claro, dentro dos rituais altamente burgueses. O “maître” anunciava os vinhos que seriam servidos: “Château Margaux – 1966”, “Chateau Mouton Rothschild – 1968” e o renomado “Châteauneuf-du-Pape – 1970”. O “sommelier” contratado pelo clube exaltava as qualidades de cada marca. Até que ocorreu o maior imbróglio na mesa da embaixatriz. Foi quando o “maître”, aproveitando a presença de Ibrahim Sued, serviu a primeira taça de degustação para a aprovação ao colunista social. Ibrahim deu um leve gole e após alguns segundos de avaliação, decretou a sentença: “O vinho está levemente passado!”
Aí, foi um “Deus nos acuda”, meus amigos. Era gente correndo pra todo lado, com cara de espanto como nunca se viu. Chamaram o “sommelier”, o “maître” e quem mais pudesse abafar aquele mal-estar. No fim das contas, todos concordaram com o indefectível Ibrahim Sued: o vinho estava, de fato, ligeiramente passado. Na cabine de som, eu e meu pai morríamos de rir da situação…
PS. É bom lembrar que essa é uma obra de ficção. Portanto, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência…
