Nesses últimos tempos eu tenho encontrado muitas pessoas que estão desencantadas com alguma coisa na vida. Como ocorre agora com o meu vizinho, Seu Tiago. Eu não sei dizer se o desencantamento que ele experimenta surja por motivo financeiro, afetivo ou mesmo por paixão ideológica. Também é verdade que, por vezes, isso ocorre devido a um conjunto de causas aparentemente indecifráveis. O que torna mais complicado se apontar as razões. É que tudo fica muito disperso e difuso, convenhamos. E, quase sempre, acaba provocando incompreensão daqueles que estão próximos. Pois é, minha gente. Sei bem que não é nada fácil. Porquanto algumas vezes nós perdemos o ‘norte’ e permanecemos pelejando por aí atrás de alguma resposta redentora… E o pior é que não vem!
O nosso querido Ariano Suassuna nos disse um dia que “ao redor do buraco, tudo é beira”. Céus, que verdade ‘certeira’. Sim! Afinal, são incontáveis os momentos em que a vida nos põe frente a frente com o ‘crime’. Entendendo esse ‘crime’, é claro, apenas no sentido da perda do controle. Eu digo isso porque é fácil notar a desenfreada necessidade que temos de ‘controlar’ tudo ao nosso redor. Como se a perda do controle significasse tão somente um atestado de ‘incapacidade ou desespero’.
Aliás, é interessante perceber que ao lermos um belo romance ou ao assistirmos a um denso filme, em cuja história algum personagem ‘destrambelha’, imediatamente, sentimos pena. É uma reação espontânea, como um ato contínuo, pois logo a seguir vem: “tadinho, ele perdeu o controle”! Não é assim que acontece? O diabo é que tudo isso é bastante complicado. Muitas vezes, eu me pilho ‘controlando’ a mim ou os que me cercam. Paciência, fazer o quê? Nem mesmo a terapia me deu ‘imunidade’ suficiente. Mas, será que precisamos controlar as coisas assim? E o que representa esse controle? Bem, aí é que mora o ‘x’ do problema. E a razão deste texto!
Ah, meus amigos, eu não sei dizer o que nos cura. Tampouco o que nos mata. No entanto, desconfio que na busca por esse ‘controle’, a primeira grande utopia criada pelo homem, talvez tenha ocorrido no próprio ‘Éden’. O verdadeiro nirvana onde, segundo afirmam, não precisávamos fazer absolutamente nada. Tudo nos era ofertado pela mãe-gentil, a natureza. E assim, vivíamos em paz! Todavia, logo a seguir veio a cobiça. E os consequentes resultados dela. O homem, então, trilhou caminhos conturbados, que promoveram diversos conflitos. Por conta disso, é bem possível que muitas crenças, misticismos e utopias tenham surgido como uma espécie de ‘compensação’ às perdas. Tudo bem. No fundo, vá lá, elas eram até necessárias. Ou inerentes. Bem melhor do que ficar sentado à beira do caminho “à espera de Godot”, não acham? O importante é que os nossos queridos ancestrais do Éden não tiveram acesso a antológica obra de Samuel Beckett e nem ouviram falar de Vladimir e Estragon. Talvez, tenha sido melhor. Isso porque, ambos encontraram a ‘loucura’ ao seu jeito e ao seu tempo. Revelada sob a mais perfeita das condições: o sonho recorrente. Podendo, muitas vezes, parecer cruel aos que de fora observam. Apesar de tudo, devemos reconhecer, foi por intermédio dos sonhos que a humanidade encontrou muitas verdades. E por conta das utopias, o homem ainda sobrevive. Caso contrário, ‘a vaca já teria ido para brejo’ há mais tempo, não é verdade, Seu Tiago?
O importante é ter cuidado no trato dessas questões. Pois é preciso não as banir ‘a priori’, como teimosamente fazemos quando nos deparamos com o diferente ou com o inusitado. Sim! Os Jardins do Éden podem ter revelado bem mais do que as ‘inocentes maçãs’, ainda que seja imputada à serpente a nossa primeira ‘loucura’. De toda a forma, com ou sem ‘pecado’, a loucura teve o seu lado bom. É que ao estampar os desejos inconscientes, presentes em cada um de nós, ela libertou um sem-número de almas inconformadas. Com isso, os nossos julgamentos se tornaram mais condescendentes e pudemos, enfim, avançar em alguns aspectos da nossa humanidade, que tantos cuidados careciam…
Pois é. No fim das contas, o mestre Ariano tinha toda razão em acreditar que “ao redor do buraco, tudo é beira”. Pudera! Uma vez que nessa vida, muita gente já atestou um sonho. É bem verdade que alguns deles foram vividos apenas por quem o sonhou. Mas, não importa! O que vale é evitar os ‘jardins de Tânatos’. Porquanto esses, sim, são mórbidos e sombrios. Eles dão as costas aos sonhos e, implacavelmente, sentenciam o fim das utopias, determinando a morte em toda a sua extensão!
Assim, embalado pelo sonho, eu prefiro a visão peculiar e instigante que Chico Buarque nos presenteou: “A novidade / Que tem no Brejo da Cruz / É a criançada se alimentar de luz / Alucinados, meninos ficando azuis… / Na rodoviária, assumem formas mil. / Uns vendem fumo, / tem uns que viram Jesus. / Muito sanfoneiro, / cego tocando blues. / Uns têm saudade e dançam maracatus. / Uns atiram pedras, / outros passeiam nus! / Mas há milhões desses seres / que se disfarçam tão bem, / que ninguém pergunta / de onde essa gente vem”?!
Oxalá, o Seu Tiago encontre a tão desejada paz interior. E com isso, ele possa ‘escapar’ dessa máquina de moer em que o mundo se transformou…
