“DRÃO” (*)

É certo que nós vivemos tempos complicados. Nosso país se encontra bastante dividido. Até aí, é verdade, isso não chega a ser algo inédito. Afinal, outros tantos países já experimentaram momentos semelhantes ou piores, e nem por isso sucumbiram.

Contudo, nesse caso, o que mais preocupa é perceber que tal divisão entrou fortemente no seio das famílias e grupos de amigos. Fazendo com que um lado hostilize o outro com todas as formas possíveis de expressão. E o resultado é que um sem-número de amizades e relações interpessoais ficam severamente arranhadas ao aflorarem as manifestações radicais. Porquanto o ‘ódio’, sorrateiramente, acaba assumindo o protagonismo.

Pois é, minha gente. O que se sabe é que ninguém sai ileso ao atravessar períodos conturbados como esses. Até porque esse ‘ódio’ se infiltra nos processos ideológicos e afetivos. Pronto para dar o ‘bote fatal’…

O agravante, a meu ver, é que a mídia tem intermediado o processo de forma manipulada. Indisfarçavelmente. Interessada apenas nessa ou naquela corrente. Com isso, eles arrastam multidões, não apenas nas análises e pesquisas veiculadas pelas redes sociais. Não, meus amigos! A coisa é mais perversa do que se imagina. E ela penetra, sub-repticiamente, no âmago dos lares brasileiros, tomando os desavisados eleitores como reféns.

Aliás, se olharmos para trás, veremos que os antagonismos políticos sempre existiram. Porém, sempre conduziram a convivência civilizada com parcimônia e camaradagem. Os pequenos entreveros que surgiam no ‘palco da disputa’, ah! prescreviam logo após o resultado das urnas. A partir dali, por certo, tudo voltava à normalidade logo a seguir. E a vida seguia o seu rumo, indiferente do lado vencedor ou perdedor do pleito.

No entanto, nada disso permaneceu de pé no nosso quintal. O que vemos é assustador. O que se percebe é que tais ressentimentos ainda irão alcançar o auge litigioso dessas relações. E o que tudo isso vai resultar, sem dúvida, é um campo de batalha onde não haverá vencedor: apenas desoladas vítimas!

É possível que alguém questione o que tudo isso tem a ver com a melodia, “Drão”(*), de Gilberto Gil? Sim, meus leitores. Então, eu lembrarei os versos do nosso encantado compositor-poeta:

“Drão, o amor da gente é como um grão / Uma semente de ilusão / Tem que morrer pra germinar / Plantar n’algum lugar / Ressuscitar no chão nossa semeadura.”

“Quem poderá fazer aquele amor morrer / Nossa caminhadura? / Dura caminhada / Pela estrada escura.”

“Drão, não pense na separação / Não despedace o coração / O verdadeiro amor é vão / Estende-se infinito, imenso monolito / Nossa arquitetura.”

E ao perceber a angústia experimentada pelo meu jovem filho, já devidamente engajado na luta para que a ‘esquerda’, que ele tanto venera, saia vencedora, eu apelo para os versos seguintes do poeta:

“Drão, os meninos são todos sãos / Os pecados são todos meus / Deus sabe a minha confissão / Não há o que perdoar / Por isso mesmo é que há / De haver mais compaixão.”

“Quem poderá fazer aquele amor morrer / Se o amor é como um grão? / Morre e nasce trigo / Vive e morre pão.”

Publicado por

Carlos Holbein

Professor de química por formação ou "sina" e escritor por "vocação" ou insistência...