ZAMENHOF FUTEBOL CLUBE

Se havia um evento que ninguém queria perder, ah, por certo era o dia do divertido jogo de ‘Casados X Solteiros’. Bem… ‘divertido’ talvez não seja o adjetivo mais apropriado. Isso porque, eu era um moleque de pouco mais de dez anos de idade e não atinava para os ‘bastidores’ do jogo. E, segundo os adultos da época, havia muito mais coisas em disputa do que o mero resultado da partida. Por conta disso, todos faziam questão de acompanhar o ‘grande evento do ano’.

Aliás, para início de conversa, eu acho que havia muita expectativa quanto aos desdobramentos do jogo, uma vez que a escalação de cada time era bastante conhecida por todos. No lado dos casados, nem tanto, pois não contavam com muitos craques. O problema estava mais no time dos solteiros que, além de mais jogadores disponíveis, ainda contavam com duas grandes estrelas que ‘desequilibravam’ qualquer partida: Chiquinho e Valmir. O restante do time era formado por Frederico no gol, Luís ‘Maluco’ e Pezão formavam a dupla ‘carniceira’ de zagueiros. No meio de campo ficavam Berimbau e Pará. E o ataque contava com a habilidade de Chiquinho e Valmir!

Já do lado dos ‘casados’, o bicho pegava. Motivo pelo qual a escalação só saía minutos antes da partida. Não que houvesse dúvida quanto à ‘qualidade técnica’ dos atletas envolvidos, pois eram muito fracos e ‘apelavam’ de todas as formas. Permitidas ou não. Contudo, o que eles tinham de sobra era ‘malandragem’, isso sim. Muita astúcia na arte de impressionar o adversário. E até mesmo o juiz!

Com relação à torcida, céus, essa era francamente favorável aos ‘solteiros’, ainda que manifestassem com muita discrição. É que, assim, evitavam atritos com os ‘casados’.

A partida transcorria de maneira tranquila. Calma demais para os padrões esperados. Nenhuma falta grosseira havia sido praticada e nenhum xingamento ao juiz ocorrera. Tudo isso, é verdade, até a hora em que Chiquinho entrou na área, driblou dois beques e deslocando o goleiro, bateu de chapa no canto esquerdo. Um golaço! E como era do feitio dele, pouco comemorou. Abraçou os companheiros comedidamente. Todavia, isso não evitou a intimidação de Ronaldo: “…na próxima vez que entrar aqui na área fazendo gracinha, eu quebro a sua perna!”

Daí, então, o clima esquentou e nós sabíamos que ia dar ‘zebra’ no final da partida. Para tanto, bastou o quarto gol dos ‘solteiros’, um gol contra do Espinelli. A partir daí, minha gente, a pancadaria começou na parte alta da ladeira da Zamenhof. A briga começou entre Ronaldo e Espinelli, irmãos de sangue. E brigavam sem que ninguém apartasse. Até porque, eles eram do mesmo time dos ‘casados’!

A coisa ficou tão feia que, para conter os ânimos exaltados, foi preciso chamar a ‘Rádio Patrulha’. E por ser morador da rua, o delegado Bezerra se encarregou de comandar as ações, requisitando cinco ‘camburões’ para levar os ‘meliantes’ para a delegacia. Aí, começaram os interrogatórios. Concomitantes. Em três salas separadas. Quando tudo parecia que a rapaziada seria dispensada com, no máximo, uma advertência feita pela ‘autoridade local’, eis que surge alguém gritando lá de trás: “tudo isso é para impressionar a loura do quinto andar! Se ela não estivesse na janela observando o jogo, nem aparecia polícia na área. Mas o delegado Bezerra, que anda frequentando outros apartamentos, além do seu, quer mostrar serviço e aprontou essa palhaçada…”

Foi, então, que a ‘casa caiu’! E por conta dessa ‘gracinha’, o fato é que mais de vinte marmanjos dormiram aquela memorável noite nos aposentos da 18ª Delegacia de Polícia Civil, da Praça da Bandeira. Sem direito a água, comida e a visita de advogado ou parente. Um verdadeiro sufoco, isso sim!

No dia seguinte, bem cedinho, já havia uma caravana de pessoas na porta da ‘loura’. Nervosamente, tocaram a campainha. Nisso, ao abrir a porta, aparece a beldade com cara de paisagem. Imediatamente, começou a lamúria. Todos falando ao mesmo tempo e a ‘loura fatal’, após dez minutos do choro das ‘viúvas’, disse apenas: “eu resolvo isso em dois tempos!”

Pois não é que aconteceu, de fato?! O que se sabe é que por algum motivo, nunca revelado, nenhuma palavra foi dita pelos ‘alforriados’. Simplesmente imperou o ‘código de silêncio’. Total e absoluto, minha gente!

Ainda assim, até hoje, há quem pergunte o que ocorreu naquela delegacia? Não foi apurado, muito menos, quais foram os argumentos da ‘defesa’…

(“Canelau” foi uma das testemunhas daquela ‘fatídica’ partida de futebol)

Publicado por

Carlos Holbein

Professor de química por formação ou "sina" e escritor por "vocação" ou insistência...