AS ANDANÇAS DE CANELAU

Ele devia ter pouco mais de treze anos, “entrando na adolescência”, alguém diria. No entanto, o certo é que para aqueles tempos bicudos a vida não era nada fácil, isso sim. Família numerosa. Moradores do Estácio. Classe média-baixa. Enfim, cada um tendo que dar conta das coisas sem reclamar. Pois é. Canelau, ao menos, sabia que o caminho pela frente seria complicado. E que não receberia ajuda gratuita. Ou seja: havia a certeza de que a ‘longa peleja’ estava somente nas mãos dele.

Apesar disso, há quem acredite que a vida “dá o frio conforme o cobertor”. Pode até ser verdade. Porém, o fato é que naquele ‘Edifício Esperanto’ as pessoas sabiam perfeitamente que, muitas vezes, é preciso “vender o almoço que é para pagar o jantar”. A vida ensina tudo, não é verdade?!

Então, não foi surpresa para Canelau perceber que as cartas estavam lançadas e que caberia a ele torcer por sorte melhor nos jogos da vida. Tanto é que na primeira empreitada ele se saiu muito bem. Aos dez anos de idade arrumou um bico na loja de tecidos do seu Costa como ‘empacotador’. Quer dizer, quase isso…

Por ser comunicativo, ele tentava compensar a falta de jeito com os sorrisos e declarações alegres. De tal modo que ninguém reclamava dos embrulhos feitos por Canelau. Assim, ele faturava um troco para as festas de Natal e Ano Novo. Comprava com seu suado dinheirinho o tênis que os pais não conseguiam adquirir. E ainda sobrava um pouco para a sessão de cinema na Praça Saens Pena, com direito ao sorvete do Palheta.

Tempos depois foi a vez de aprender a lavar carros na garagem do prédio. Tinha dia que ele conseguia lavar mais de cinco automóveis. Mas isso custava alguns arranhões nas mãos, uma vez que sempre encontrava pela frente um canto de para-choque com pontas perigosas. Paciência!

Desse modo, Canelau foi passando pelas empreitadas, sempre com profunda determinação, apesar da falta de ‘jeito’ em algumas ocasiões. Aí, veio a fase mais desafiadora. Aos 17 e 18 anos, ele tinha que decidir se iria optar sempre pelo ‘certo’ ou se abdicaria dele em alguns momentos. Não é algo fácil. O que posso dizer, como observador externo, é que essa vida testa o tempo todo a capacidade das criaturas. Porquanto coloca ‘desafios’, muitas vezes, difíceis de se transpor. E Canelau, minha gente, sempre me surpreendia. Sempre. Afinal, naquela região onde todo mundo buscava o seu lugar ao sol, é fácil compreender um deslise aqui, outro acolá…

Tanto é verdade que os colegas de rua de Canelau pressionaram o rapaz para que aceitasse determinados ‘pactos’ com o malfeito. E, até onde eu sei, ele jamais capitulou. Cá entre nós, isso é bastante complicado para sustentar, uma vez que o ‘coletivo’ costuma ser um cobrador implacável.

A vida seguiu o rumo que pode e Canelau aprendeu a passar ileso por inúmeras situações. Com isso, ele atravessou os planos do universo do melhor jeito que podia. Tornou-se um homem adulto. Casou-se três vezes. Teve apenas um filho e hoje, aos setenta anos de idade, ele conta histórias ‘cabeludas’ para o pequeno neto se divertir…

O velho “Edifício Esperanto”, no Estácio – RJ.

A boa e velha rua Zamenhof, no Estácio – RJ.

Publicado por

Carlos Holbein

Professor de química por formação ou "sina" e escritor por "vocação" ou insistência...