PARA ALÉM DO TÚNEL

Dizer que estava nervoso, cá entre nós, eu nem posso. Até porque eu entrei naquele ambiente movido pelos melhores sentimentos. E como cheguei cedo, procurei me sentar bem longe da TV que havia na sala de espera, pois não queria interferência alguma. Olhei para o lado e percebi a minha mulher sorrindo discretamente para mim, quem sabe, desejando elevar o meu espírito? Mas, na verdade, isso nem era necessário, meus amigos.


Decorridos quinze minutos, o meu nome foi chamado e, desse modo, apresentei-me para a grande ‘peleja’. A atendente, bem jovem, pegou-me pelas mãos e, carinhosamente, conduziu-me para a sala do exame. Indagou se eu estava nervoso. Respondi que não. Aí, ela me perguntou se era a primeira vez que eu fazia o procedimento. Respondi: espero que seja a primeira e única!


Ao me deitar na desconfortável maca, pedi um cobertor para a atendente, uma vez que o ar-condicionado estava incomodando um bocado. Enquanto o técnico não chegava, aproveitei para pôr os pensamentos em dia. Logo de cara, lembrei-me da vez que acompanhei a minha mãe nos exames pré-operatórios. Tadinha! Ela estava desassossegada e, por conta disso, não parava de falar comigo. Eu apenas sorria para ela e dizia que tudo iria sair bem. Mas, para nosso infortúnio, apesar do nosso desejo e torcida, não foi bem assim que ocorreu…


Aí, ao se iniciar o exame, o técnico recomendou que eu respirasse bem lentamente e procurasse não me mexer. Foi quando eu lembrei da minha viagem de transferência do Rio de Janeiro para Florianópolis, em 1997. Na época, eu tinha 46 anos de idade e, após um fim de casamento, eu trazia na mudança um punhado de esperanças para a nova etapa da vida. De algum modo, ainda que houvesse dor e frustração, eu confiava nos meus ‘anjos da guarda’ para o que vinha pela frente. Fosse o que fosse!


Em seguida, eu me recordei do nascimento do meu único filho, Gabriel. Lembro que eu o peguei pelas mãos e, tal qual a cena do filme “A sombra e a escuridão”, levantei a criança e balbuciei com orgulho: ‘filho, seja muito bem-vindo em nossa vida”! Como resposta, Gabriel abriu os olhos e, embora enxergasse pouco, permaneceu olhando em minha direção. Longamente…


É bem verdade que o barulho daquela máquina era infernal. E interferia nos meus pensamentos. Portanto, foi preciso muita concentração para me ‘esquecer’ daquele ruído. Para isso, eu respirava o mais pausado que podia, buscando limpar a mente de pensamentos estranhos. Sentia-me quase como um hindu em busca da concentração, paz e foco.


Por fim, enquanto os últimos minutos do exame corriam, lembrei-me dos planos para a aposentadoria. O combinado que eu tinha com a vida era: ao completar setenta anos, venderia o apartamento da praia, quitaria as dívidas e iria morar na Itália por algum tempo. A partir daí, se tudo corresse bem, eu viria de quando em quando abraçar o filho e o neto. E acima de tudo, cumpriria alguns novos mandamentos: esquecer que fui professor por mais de trinta anos. Esquecer que mudei de cidade três vezes. Com sorte, talvez eu consiga deixar para trás um sem-número de coisas que não me servem mais… Que assim seja!

Publicado por

Carlos Holbein

Professor de química por formação ou "sina" e escritor por "vocação" ou insistência...