SALA DE ESPERA

As lembranças daquele período, por certo, ele não celebra mais. Pudera!, foram tempos difíceis. Não somente por conta do medo: o incrível medo que penetrava na alma das criaturas. É que, no fundo, o pior de tudo era a incerteza. Vem daí, quem sabe, a mania de ter sempre na bolsa uma muda de roupa, com escova de dente e uma pomada para aliviar dores musculares. Nunca se sabe! Isso porque, é verdade, ‘eles’ costumam chegar de madrugada para não chamar a atenção dos transeuntes. E assim, provocam uma longa e angustiante espera…

De algum modo, ele aceitava essas circunstâncias inquietantes. Afinal, essa tinha sido a ‘escolha’ que Seu Braga havia tomado na vida: viver no limite do risco e do medo que ele enseja. Contudo, apesar do pulso de vida que, muitas vezes, até empurra o sujeito para o abismo, o fato é que deve existir algum mecanismo ‘compensatório’ que justifique tanta ‘adrenalina’. Sim! Porquanto ninguém, em sã consciência, consegue viver no limite do risco e achar que isso é natural.

Ao ouvir aquelas histórias, eu ainda tive vontade de fazer umas perguntas, mas acabei me encabulando. Talvez, porque percebia que tive uma vida tranquila e sem sustos. Ou, então, por temer ouvir daquele homem ‘outras histórias’ que poderiam abalar o meu comodismo. Sim! Diante da coragem daquele homem, eu me sentia tremendamente covarde. Inútil, até. De que adianta uma vida sem fortes ‘emoções’? De que me serviu a estabilidade conquistada, se isso aconteceu às custas de omissão e indiferença?!

Pois é. Tudo isso ocorreu enquanto eu estava na sala de espera do meu urologista. Por ironia, eu ouvi diversas histórias vindas daquele senhorzinho que se sentou ao meu lado. E, por motivos que eu não sei dizer, ele confiou a mim a narrativa de importantes passagens de sua vida. Por trás da fala daquele senhorzinho, ah, companheiros, eu senti uma tremenda verdade de vida. Dessas que fazem nossos olhos brilharem e justificam que a ‘passagem de ida’ valeu a pena. Com ou sem sustos. Com medos ou não!

Ele foi embora e eu fiquei aguardando a minha vez. Poucos minutos depois, fui chamado pelo médico. Seguramente, não foi uma conversa agradável. As notícias foram duras e preocupantes. Por perceber a minha decepção, o doutor insistiu em me injetar algum ânimo, relatando os êxitos obtidos em outras cirurgias. Porém, o que ele não sabia é que a minha decepção não surgira por conta do anunciado diagnóstico e sim pelo resultado da conversa com o Seu Braga. Afinal de contas, existem muitas formas de se receber um ‘solavanco’ na vida, não acham?!

(Imagem: linda gravura, em aquarela e bico de pena, de autoria de minha querida mãe, Jarina Menezes)

Publicado por

Carlos Holbein

Professor de química por formação ou "sina" e escritor por "vocação" ou insistência...