1966 E OS BALDES DE ÁGUA

Já faz um bom tempinho, eu sei. Mesmo assim, devo dizer, são poucos os que se lembram do que aconteceu naquele incontrolável ano e as suas consequências. E como hoje eu acordei com o espírito nostálgico, meus amigos, tirei alguns minutos para relembrar aquela época. Vejamos, então:

No âmbito musical brasileiro, nós tivemos a ocorrência de grandes revelações. Elis Regina lançaria o LP “Elis” e nele nós podíamos ouvir e nos deliciar com verdadeiras pérolas, como o “Sonho de Maria”, do Marcos Valle.

O ‘rebelde sem causas’, Roberto Carlos, no auge da sua “Jovem Guarda”, brandia para todos em verso e prosa o “Quero que vá tudo para o inferno”. Céus, foram necessárias algumas décadas para ele se arrepender e passar a se comportar como anjo. Inferno? Nunca mais!

Ao mesmo tempo, convocado por Mao Tse Tung, veio o sonho da sua “Revolução Cultural”, por meio da enorme mobilização da juventude chinesa, ao criar os “Guardas vermelhos”. Enquanto isso, aqui no Brasil, Geraldo Vandré esquentava os festivais com a bela e icônica “Disparada”, na voz de Jair Rodrigues. Meu Deus do Céu, foi um verdadeiro hino:

“Prepare o seu coração / pras coisas que eu vou contar / Eu venho lá do sertão, / eu venho lá do sertão / Eu venho lá do sertão / e posso não lhe agradar…”  e  logo a seguir, ele arremata: “Aprendi a dizer não, / ver a morte sem chorar / E a morte, o destino, tudo, / a morte e o destino, tudo / Estava fora do lugar, eu vivo pra consertar…”

Nos jardins da rainha-mãe, a mocidade preferia se deliciar com os jovens “Beatles” cantando suavemente a linda canção “Yesterday”. Afinal, se “Ontem / Todos os meus problemas pareciam tão distantes / Agora parece que eles vieram pra ficar / Oh, eu acredito / No passado…”

Ainda nas terras inglesas, nós tivemos outra tragédia nacional: o ‘fiasco’ da seleção de futebol que, sentada no sucesso de 1958 e 1962, achou que não precisava se preparar, pois ‘no final a gente sempre ganha’…

Na literatura, aqui no Brasil, a bola da vez era ‘Stanislaw Ponte Preta’, o “alter ego” de Sérgio Porto. Ao criar o maravilhoso “Febeapá – Festival de besteiras que assola o país”, ele deu asas à imaginação. De quebra, nós descobrimos que podíamos rir de nós mesmos. Sem culpas ou remorsos.

Outro sucesso estrondoso, veio pelas delicadas mãos de Cora Coralina, no seu livro “Poemas dos becos de Goiás e outras estórias mais”. Aos 75 anos de idade, Cora Coralina nos acolhia com lirismo e simplicidade, apontando as possíveis saídas.

No entanto, o que sei dizer é que aquela segunda-feira, dia 10 de janeiro de 1966, eu nunca mais vou esquecer. Pudera, minha gente! No Edifício Esperanto, na velha Zamenhoff, nós fomos acordados na madrugada pelos avisos para descermos. Segundo o alarme, devíamos ir para a garagem do prédio. E, com a ajuda de baldes, retirarmos o excesso de água da chuva, uma vez que havia o risco de inundar o subsolo, impedindo o funcionamento do elevador.

A verdade é que eu tinha pouco mais de quatorze anos e, confesso, senti bastante medo da situação. Talvez, por conta da inocência, ainda presente, as aflições adquiriram cores mais dramáticas e ameaçadoras. Então, foi preciso depurar esses medos e isso demandou tempo. Muito tempo!

No fundo, é aquele velho ditado: “O que não tem remédio, remediado está.”

Publicado por

Carlos Holbein

Professor de química por formação ou "sina" e escritor por "vocação" ou insistência...