“Galeto ao Primo Canto”

Foram muitas as pessoas que tiveram especial importância em minha infância e adolescência. De certo modo, isso comprova o quanto eu fui sortudo nessa vida, uma vez que outras criaturas não tiveram oportunidades semelhantes. Vem daí, talvez, o meu gosto por amizades sinceras, dessas que marcam a trajetória da gente. Amigos de verdade!

Orlando, o Cuca, foi um desses casos especiais, pois bem antes de se casar com minha irmã, ele já nutria simpatia por mim. Era um descendente de família italiana, calabreses de quatro costados. E pela tradição deles, meus amigos, ‘lealdade’ é algo irrenunciável, algo para se orgulhar feito uma condecoração de valor.

O mais interessante é que aquela família ‘calabresa’ era composta por muitos irmãos: quatro homens e uma mulher. E todos eles apresentavam como traço familiar o semblante carrancudo, herança do velho patriarca. Nessa época, eu tinha pouco mais de dez anos de idade e, devo reconhecer, morria de medo quando encontrava alguém daquela família pelo caminho. A exceção era Orlando, que era o caçula e o mais simpático da família. Orlando sempre me tratou com um carinho pra lá de especial. Quem sabe, ele já antevisse o grau de parentesco que teria comigo?!

O que sei dizer é que Orlando pertencia a uma família rica, muito rica mesmo para os padrões da época e do bairro. E os irmãos dele faziam questão de viver ‘abastadamente’, com carros de luxo, roupas caras e tudo aquilo que alguém como eu jamais teria acesso. Afinal, nossa família era de classe média baixa, embora meu pai tivesse um bom emprego. É que nós éramos oito: seis filhos e meu pai e minha mãe. Com isso, por melhor que fosse o emprego do pai, ainda assim, existiam muitas bocas para alimentar… Tempos difíceis!

Eu nunca soube avaliar se Orlando fazia questão de nos presentear com toda sorte de ‘mimos’ para compensar o nosso sufoco ou se por outro motivo. Pouco importa. O fato é que ele sempre nos pareceu sincero e autêntico. Além disso, ‘gato escaldado’ não renega peixe. Só que, no nosso caso, o ‘peixe’ era o galeto do “Cantinho Baiano”, que ficava ali na Rua Pareto, no coração da Tijuca. Meu Deus do Céu! Quando ele chegava lá em casa e nos convidava para comermos o tal do “Galeto ao Primo Canto”, ah! minha gente, era uma verdadeira festa. Ou melhor: um legítimo banquete para estômagos tão sedentos.

Ao me lembrar desses episódios, confesso: imediatamente, eu senti saudades do Orlando. Sim! Que criatura boa foi aquele sujeito. E o que eu posso assegurar é que Orlando deixou ‘gravado’ em minha memória afetiva esse ‘desejo’ de retribuir. Retribuir ao meu filho e ao meu neto o maravilhoso gosto pelos “presentes”, sejam eles quais forem. Algo para vestir ou comer. Algo para ler ou observar. O importante é que consigam usufruir com o mesmo gosto que um bom chocolate é capaz de oferecer. E que possam ‘acalentar’ as nossas carências e nos propiciar, ainda que por alguns instantes, sentir o desejado ‘nirvana’…

Hoje, meus amigos, eu percebo que o prazer não tem preço e nem etiqueta de grife. Por certo, ele advém da nossa acuidade de sentir gostos, visões e sensações. Da nossa capacidade de resgatar antigos episódios e dar a eles novas oportunidades. No fundo, se pensarmos bem, veremos que a vida é bastante generosa com todos. Porquanto ela disponibiliza a cada criatura a possibilidade de bem cuidar da memória. Até porque, no fim das contas, é o bem mais precioso que podemos guardar, não acham?!

Abençoado seja, meu querido Orlando!

PS. Era nessa esquina que ficava o “Cantinho Baiano”: um lugar que eu jamais esquecerei…

Publicado por

Carlos Holbein

Professor de química por formação ou "sina" e escritor por "vocação" ou insistência...