A PROVA FINAL

Quando se é pequeno, pequeno mesmo, há um sem-número de provas que nós somos obrigados a prestar. Muitas delas, devemos reconhecer, são complicadas, difíceis ou mesmo indevidas. Por vezes, até humilhantes elas são. Mas, calma aí que eu explico.

O fato é que para fazer parte de uma ‘turma’ de bairro, convenhamos, são incontáveis as provas a que somos submetidos. E elas vão da coragem de enfrentar o cão brabo para reaver a bola de futebol ao perigo de subir no prédio vazio, ainda em construção, para soltar pipa na cobertura. Pois é. Tudo isso eu tive que encarar com coragem e determinação, minha gente. É bem da verdade que, no meu caso, foi mais determinação do que coragem!

O pior de tudo é que esses ciclos de ‘provações’ parecem não ter fim, uma vez que emendam um com outro, conforme a nossa idade vai avançando. Se aos dez anos de idade foi difícil dar o primeiro ‘trago’ naquele cigarro, medonho de forte, o “Caporal Amarelinho”, imaginem o frio na barriga que senti quando, aos treze anos, tomei o primeiro gole de o “Conhaque de Alcatrão de São João da Barra”?!

Bem… paciência! Fazer o quê?! Afinal, isso era parte integrante do percurso de qualquer moleque da zona norte do Rio de Janeiro, nos anos 60 e 70. E, apesar de magrelo, até que eu dava conta desses ‘vestibulares’ da vida. Também é verdade que ‘algumas vezes’ eu procurei me esquivar de determinadas empreitadas… Mas, quem poderia saltar de um bonde em movimento, ainda por cima de costas?! Céus, isso era missão para maluco e maluco eu não era!

Aí, veio a fase dos 15 e 16 anos e os desafios se renovaram. Nessa época, a ordem do dia ficava por conta dos bailes de carnaval. E o ‘objeto do desejo’, sem dúvida, era o baile do Clube Municipal, que ficava ali na Haddock Lobo, na Tijuca. Ah, minha gente, todos nós sonhávamos o ano inteiro com as lindas moças que frequentavam aquele clube. E, como não éramos sócios, o jeito era apelar para o alto muro que existia na lateral. O esquema era entrar pela rua Maestro Villa Lobos, que ficava ao lado esquerdo do clube. Logo no início, havia uma vila de antigas casas. Daí, nós tínhamos que checar qual delas estava vazia ou sem os moradores, uma vez que muita gente preferia viajar durante o carnaval.

Feita a escolha, a gente começava a escalada, procurando não fazer barulho e chamar a atenção dos ‘seguranças’ do clube. O diabo era sair ‘ileso’ daquela cerca de arame farpado. Por ser alta, tínhamos que passar pelo meio dos fios e, muitas vezes, a nossa roupa ficava presa e acabava rasgando, o que ‘denunciava’ a nossa chegada triunfal.

Mas, como eu já disse: por ser magrelo, isso me dava alguma vantagem, uma vez que eu conseguia passar por entre os fios mais rapidamente. Já o coitado do Roberto, gordo que só vendo, sempre era “apreendido” pelos seguranças. Tadinho! Passou a juventude toda sem ir aos bailes…

Naquele ano de 1966, eu fui o primeiro a pular para dentro do clube. A seguir, vieram Edinho e Luiz Henrique. E na sequência, vinham Isaac e o Waltinho. No entanto, como dizem por aí, “Deus não dá asas à cobra”. Nem bem o Waltinho pulou no jardim lateral, apareceram mais de cinco seguranças do clube e três PMs. Fomos cercados e colocados contra a parede do muro. Foi triste, meus amigos. Passar a primeira noite de carnaval das dependências da 18ª Delegacia de Polícia, na Praça da Bandeira, não é mole. Ainda por cima, ter que aturar os comissários de plantão, zombando da gente o tempo todo e ‘ameaçando’ de nos colocar nas celas, junto com os ‘bandidões da pesada’… Que sufoco!

Publicado por

Carlos Holbein

Professor de química por formação ou "sina" e escritor por "vocação" ou insistência...