A LONGA CAMINHADA – Parte 3

Quase todos os meninos da rua Zamenhof, no velho Estácio, já haviam levado surras de seus pais em algum momento. Os motivos para isso eram variados e, quase sempre, justificados. No entanto, aos 12 anos de idade, eu ainda estava ileso, o que constituía um feito enorme.

Na verdade, não que eu deixasse de merecer uns beliscões de minha mãe. Mas é o tal negócio: eu até podia não saber o motivo deles. Mas, o certo é que no fim das contas alguma coisa dizia que eles eram procedentes… lá, isso sim!

Nem mesmo quando eu fui pego ‘matando aula’ para pegar carona de bonde. E olha que o plano estava funcionando certinho. Eu deixava a mala da escola escondida na garagem do prédio e me mandava para a Praça da Bandeira, a “Broadway” dos meus sonhos juvenis. Lá chegando, eu vislumbrava os companheiros de jornada e, então, renovávamos os desafios: quem iria soltar de costas? Quem conseguiria parar em poucos metros e coisas assim?

Tudo funcionava bem, como um relógio. Até que um dia, ao voltar das aventuras, eu percebi a minha mãe parada na esquina da Zamenhof. Xiiii, alguma coisa deu errado… e, quando cheguei, o primeiro beliscão alcançou a minha orelha direita. Não deu nem tempo para dizer ‘boa tarde, mãe’. Ela estava com a minha mala na mão e o sangue nos olhos: só vendo!

Verdade é que eu não sabia que era gago. Mas, naquele dia eu fiquei. Afinal, não consegui explicar por que há três dias eu não aparecia na escola. Para refletir sobre tudo aquilo eu fiquei de castigo por duas semanas, sem ver televisão e sem brincar com os amigos.

O tempo, nessa época, passava muito devagar, quase parando durante as noites. Eu não saberia explicar o porquê. Aliás, acredito que nem os físicos da época sabiam. O fato é que o tempo é algo relativo e foi preciso surgir um gênio feito Einstein para dar luz à escuridão do tema. Vejam só um exemplo: como ainda estava de castigo, perguntei a minha mãe se podia conversar com o Antônio nas escadas do corredor. Ela olhou para o meu pai e como ele não disse nada, acabou consentindo. Então, eu e Antônio começamos as conversas. E vai daqui e dali, e muda de assunto e coisa e tal. Quando vi, já estava na rua jogando bola. Animado que só vendo. Foi quando o Luisão maluco deu aquela cacetada e isolou a bola na casa do seu Nacib. “Quem isola é quem busca!”, dizia o almanaque da Zamenhof.

Sendo assim, fomos obrigados a sentar no meio-fio e aguardar a bola ser recuperada. Mas, diabo, o tempo é algo imprevisível mesmo. De repente, alguém me avisa: “Chau, o teu pai está chegando…”. Foi quando senti aquele solavanco de adrenalina e me lembrei que estava de castigo. Meu pai, sem dizer uma única palavra, pegou-me pelo braço e lentamente desceu a ladeira da Zamenhof comigo em direção ao prédio. Meu Deus do Céu! Nunca havia imaginado que a pior surra do mundo foi a que eu levei sem receber nenhum tapa, nem cinto, nem beliscão. Naquela noite, apenas o silêncio ensurdecedor bateu duramente em meu corpo…

A LONGA CAMINHADA – Parte 1.

Eu bem sei que em diversos momentos nós discordamos nas opiniões. Algumas vezes, até mesmo brigamos e ficamos de mal um com o outro. Porém, verdade é que isso não resistia muito tempo, uma vez que éramos criaturas parecidas. É o tal negócio: dizem que os contrários se atraem e os semelhantes se repelem. No entanto, é preciso reconhecer que isso funciona bem nas ciências naturais. Mas não na vida, pai!

Sim! A vida é outra coisa e você sabia disso. Nela, não há regras infalíveis. Não existem soluções definitivas e tampouco previsões certeiras. Na vida, convenhamos, tudo é relativo. Por sinal, pode-se até dizer que a única regra que vale é aquela que assegura que ‘não há regras intransponíveis’. Ou seja: não há limites e nem receitas de bolo a seguir…

Dito isso, nós podemos conversar a respeito de outras coisas, quem sabe mais importantes para os Menezes? A começar, por exemplo, sobre o que significa ser um “Menezes”. Céus! Eis aí um tema que eu entendo bem, pois paguei um alto pedágio para dar conta dessa herança. Afinal, diversas vezes eu tropecei nesse invisível ‘tapete’. Tanto que, em certa altura, eu não conseguia mais caminhar com as próprias pernas. E não fosse a ajuda cuidadosa do Alexandre Kahthalian, por certo, eu estaria até hoje em sérios apuros…

Contudo, é preciso dizer que não lhe culpo por nada disso, uma vez que você foi vítima, tanto quanto eu, dessa forte e complicada ‘demanda’ interior. Basta lembrar a figura do seu pai, meu avô Ezequiel. Ah, eu não sei dizer quanto aos irmãos, mas eu não tenho boas lembranças dele, meu pai. E olha que foi o único dos quatro avós com quem convivi.

Por força da época, os filhos tinham muito pouca importância para os pais. Decerto, eram apenas ‘enfeites’ que ornavam a sala de jantar dos Natais familiares. Ainda mais em famílias numerosas feito a nossa. Aliás, quando o vovô resolvia passar o Natal conosco, Meu Deus do Céu, era um verdadeiro martírio para nós netos, uma vez que a única coisa importante a fazer seria não ‘desagradar’ o velho Ezequiel. No entanto, devemos reconhecer que isso era algo inatingível, meu pai. Pois nada agradava ao homem. Somente a vaidade que vazava por todos os poros dele!

Os longos ‘discursos’ de Natal só não eram piores que os ‘presentes’ que recebíamos (uma nota de cinco cruzeiros que mal dava para comprar um pacote de figurinhas ou uma goma de mascar). E você, pai, sabia que aquilo era uma farsa, mas não conseguia dizer não. E esse rito, então, perdurou por décadas. Hoje, eu fico imaginando que possivelmente você nunca teve uma ‘conversa’ com o seu pai. Nunca discordou dele numa prosa familiar… Foi uma pena. Para todos nós!

Sim, eu estava querendo falar sobre os “Menezes” e os traços comuns na família. E devo reconhecer o alto valor que percebo na personalidade deles. Geralmente, são criaturas bem racionais e que fazem uso da racionalização como instrumento de autodefesa. Normalmente, apresentam um ‘discurso’ bem estruturado ainda que a serviço do escapismo afetivo ou emocional. Muitas vezes eu me pilhei desenvolvendo um conjunto de argumentos para justificar uma simples ‘vontade’ de fazer algo. Um desejo, um pulso, tão-somente!

 Foram necessários sete anos para desmontar tais baterias ‘antiaéreas’ e permitir que as emoções pudessem ter voz dentro de mim. É que, por certo, tive que enfrentar fortes tendências, manias incrustadas e até mesmo esdrúxulas razões tomadas como ‘o jeito de cada um’. Pois é, meu pai. É uma tarefa penosa e que se arrasta por longo tempo.

Depois disso, vem o casamento, filho e o escambau. Os roteiros adquirem outros aspectos, muitas vezes, surpreendentes. E a gente, mais uma vez, é colocado à prova. Daí, são novas provocações, novos desafios e a sina de Riobaldo, do velho Guimarães Rosa, permanece afirmando: “Viver é muito perigoso!”

Então, o que me vale nessa conversa que estamos tendo, é reconhecer o legado que você deixou e saber como fazer bom uso dele. Com sorte, meu filho haverá de empunhar outras bandeiras. Bem mais interessantes e que possam ensejar progressos no DNA emocional da família. De minha parte, confesso, acompanharei essa tendência com entusiasmo e esperança…

(continua)

O MUNDO DE LÁ E O MUNDO DE CÁ

Desde criança eu imaginava que Nova Iorque era um lugar fora do mundo. Isto porque, convenhamos, uma cidade com mais de vinte milhões de habitantes acaba perdendo a capacidade humana. E o que eles tentam vender como imagem, ah, é do velho sonho americano de que ‘todos têm as mesmas oportunidades’…

Talvez, por conta disso, eu tenha postergado essa visita por tanto tempo. Porquanto preferi viajar algumas vezes para o nordeste brasileiro, até mesmo repetindo algumas cidades. Afinal, o grande banho cultural que me seduzia, certamente, não estava nas terras do Tio Sam!

Contudo, é preciso reconhecer que eles sabem produzir espetáculos, de todas as ordens, não somente os incríveis musicais. E assim, nós do terceiro mundo ficamos com aquele gosto de ‘um dia eu vou conhecer isso de perto’.

O certo é que nós, latinos, despertamos neles alguns sentimentos. Inicialmente, o desprezo pela nossa raça, pois para eles, no fundo, somos todos ‘cucarachas’. Isto porque eles se acham os donos do mundo. Além disso, eles nos percebem como ‘seres alegres e descontraídos’, algo que não conseguem alcançar, em face da rígida formação. Lembro até que no hotel em que estávamos, quase todos os funcionários (muitos latinos) nos recebiam com sorrisos sinceros, uma vez que éramos os únicos que os cumprimentavam e paravam para uma pequena prosa. Algo que americano não compreende o sentido…

Então, se retirarmos do cenário turístico aquelas baboseiras da “Times Square”, encontramos uma cidade bonita, bem-organizada, e com lugares verdadeiramente encantadores. Basta evocar o nosso circuito a pé pelo bairro de Greenwich Village. Foi o que nos levou a conhecer a linda “Little Island” e a pista suspensa “High Line”, capaz de oferecer o passeio mais maravilhoso dessa cidade.

O que eu posso dizer é a minha cota americana de viagens carece apenas conhecer o berço do jazz, minha grande paixão: a icônica New Orleans. Daí, eu terei quitado o famigerado ‘visto americano’. E se alguma chance houver para viajar e as pernas ajudarem, juros a vocês, só a Europa ainda me seduz.

Pelo sim ou pelo não, eu acredito que o mais importante dessa vida é ter alguém ao lado para lhe dar as mãos!

O MUNDO QUE A GENTE VÊ

É interessante perceber que nesta vida há um sem-número de movimentos que ocorrem por conta de razões bem estranhas. Algumas vezes, parece até que a história não soube interpretar o evento de modo correto. E com o passar do tempo, esses movimentos foram recebendo incontáveis selos que, à rigor, não se justificavam. Eu acredito que foi o caso daquele enorme protesto estudantil, iniciado a partir do aumento de ‘vinte centavos’ no preço da passagem de ônibus. Céus… quanta confusão!

Também é verdade que a bandeira daquela manifestação popular estava atrelada, inicialmente, aos tais ‘vinte centavos’. Porém, todos intuíam que havia mais coisas em jogo. Sim! É o tal negócio: a imprensa precisava ter a boa ‘manchete’ para vender e os tais ‘vinte centavos’ tinham forte apelo. Daí, então…

Do mesmo modo, já ocorreu semelhante ‘miopia’ em outras manifestações estudantis acontecidas, aqui e lá fora, em eventos dessa ordem. É bem possível que isso se deva por conta da famigerada pressa dos veículos de comunicação. Afinal, eles se alimentam do caráter raso das análises dessas mudanças políticas ou sociais. Nós já vimos isso ocorrer em outros episódios, sempre distorcendo os aspectos ‘sociológicos’ presentes. Lembro, por exemplo, do forte movimento estudantil de 1968, iniciado em Paris, e que se alastrou pelos quatro cantos do mundo, pipocando até aqui no Brasil tupiniquim. O motivo inicial do pleito em Paris, salvo engano, era por mais verbas para a educação!

De fato, quando se analisa com cuidado, é possível observar que por trás da aparente ‘miopia’ na leitura, muitas vezes, esconde-se uma maquiavélica intenção dos ‘Grupos de Comunicação’, mais interessados nessa ou naquela corrente, não acham?!

Talvez, alguém venha me dizer: “isso acontece há muito tempo, Carlos. Desde que o mundo começou a girar”. Tudo bem, eu sei disso. Mas, há sempre quem queira tirar uma ‘casquinha’ desses episódios. Sendo assim, nós precisamos estar atentos para não embarcarmos em canoas furadas… Porquanto, vira e mexe, a gente percebe que ‘eles’ querem empurrar algum produto novo ou ‘maquiado’. Feito aqueles comerciais em que as empresas criam ‘problemas’, até então inexistentes, para venderem ‘soluções’ com seus famigerados produtos…

De um jeito ou de outro, eu entendo que o melhor a fazer é cuidar da nossa vida. Sim! Desligar-se um pouco dessas mídias sorrateiras e se deleitar com os belos livros e filmes, deixando os noticiários da TV descansarem um pouquinho. Quem sabe assim a gente se divirta bem mais e se estresse menos?!

AS PEDRAS DO CAMINHO

Lá se vão quase setenta e três anos que pelejo nessa vida. E bem cedo, ainda no meu velho e querido Ceará, eu dei início a incessante busca por uma vida melhor. Melhor no sentido afetivo e espiritual, pois esses foram os grandes desafios que aceitei encarar. Quantos aos outros, bem, esses já não estão sob o meu arbítrio, como saúde, segurança e prosperidade.

Também é verdade que eu demorei muito tempo para identificar o que de fato me cabia nesse latifúndio, uma vez que herdamos um sem-número de demandas internas. Algo que necessitou até mesmo de ajuda externa, obtidas às duras penas nas sessões de terapia. Ufa! Foi um longo e penoso trajeto, sim, vivido dia a dia, sem tréguas ou intervalos.

É bem verdade que isso não foi exclusividade minha, uma vez que tantas outras criaturas passaram por situações semelhantes ou até piores. Tudo bem. Sei disso. No entanto, cá entre nós, isso não redime o ‘processo’ e nem cria desvios que aliviam dores. Então, o que me coube foi encarar a vida da melhor maneira possível. Aceitando os infortúnios como ‘acidentes’ e me alimentando com os pequenos progressos alcançados em cada etapa.

Lembro até que ao completar dez anos de idade, portanto, ainda criança, eu me perguntei como seria a minha vida quando tivesse 50 anos. Porquanto era algo tão distante que mais parecia uma abordagem ficcional. Contudo, esse dia chegou. Rapidinho. Mas não me trouxe as respostas das dúvidas que se acumularam ao longo do caminho. Apenas renovaram as questões pendentes. E o pior: acrescentaram novas demandas…

Pois é. Hoje eu sei que esse exercício emocional é o cerne da existência humana. E que, em última análise, ele nunca terá um fim. Mais do que isso: se por um lado os infortúnios da vida nos deprimem, por outro, eles nos ofertam profundas reflexões. Com isso, quem sabe possamos nos aproximar de algumas questões que há tempo nos afligem? São perguntas que aguardam respostas e que, de alguma maneira, um dia precisaremos responder. Aliás, foi Nietzsche que, diante do absurdo da vida e do mundo, escreveu: “o absurdo de uma coisa não é uma razão contra a sua existência. É mais uma condição!”

É sabido que na longa história do homem, muitas injustiças aconteceram. Ainda que elas sejam encaradas com repúdio, não cessarão aí. Seguramente, muitas outras virão. Paciência! Desse modo, é preciso é aprender como drená-las. E assim, ao conquistar tal sabedoria, poderemos dar prosseguimento às belezas da vida. Então, quem sabe se não é essa a nossa seleção natural? Isto porque, sejamos justos, somente alguns de nós terão êxito e saberão colher o ‘néctar’ que há na vida. Já os outros, ah!, os outros irão ‘derrapar’ e pagarão um alto preço, onde a moeda contábil raramente é o dinheiro!

Enfim, sigamos a vida…

AS VOLTAS DO CORAÇÃO

Amaral contou que a primeira vez que a viu, ela estava sentada em uma cadeira na porta da casa em que morava. Foi quando olhou para ela e sentiu o solavanco no peito. Sentiu, também, uma forte quentura no rosto, algo que ele jamais havia experimentado. Por conta disso, ele procurou caminhar com passos lentos na esperança de receber um novo olhar. E aconteceu. Acompanhado de um tímido sorriso, a moça lançou mais um olhar em direção a ele, confirmando que o ‘encontro’ ocorrera.

E agora penso na réstia / Daquela luz amarela / Que escorria do telhado / Pra dourar os olhos dela…”

Como aquele era um dos caminhos que Amaral utilizava para ir ao trabalho, a partir daquele dia, sim, tornou-se ‘roteiro obrigatório’. E assim permaneceu, até que decorridos dois meses, ele resolveu parar para perguntar o nome dela. Tremendo de emoção, ela respondeu: eu me chamo Anita. Céus… que vontade de manter a conversa. Contudo, o olhar das irmãs avisava sobre o grande perigo.

Não é difícil presumir os artifícios que Amaral utilizou para estabelecer um convívio. Certo mesmo é que ele precisou de muita coragem para pedir permissão de namoro ao pai de Anita. Sim! Foi um gesto muito ousado, porquanto ele tinha apenas 20 anos e ela 16. No fundo, eram dois adolescentes, sem nenhuma experiência na vida. Porém, ‘enfeitiçados’ pelo amor!

“Lembro um flamboyant vermelho / No desmantelo da tarde / A mala azul arrumada / Que projetava a viagem…”

Oito meses após o primeiro encontro, Amaral e Anita se casaram. Visivelmente apaixonados. Já a vida do casal, no entanto, era de muita dureza. Ainda por cima, eles acolheram os irmãos caçulas de Anita, uma vez que o pai dela ficara viúvo.

A partir daí, vieram os filhos. Um atrás do outro, até completarem seis. Com isso, a cada ano e meio Anita acalentava uma nova criança nos braços. Imagino que não deva ter sido fácil para eles, mas seguiram em frente. Sempre com determinação e muito amor. Até mesmo quando o destino pregou uma peça e ‘infringiu’ a perda de um dos filhos. Um duro golpe, é verdade. E Anita sentiu isso demasiadamente, extraviando em alguns momentos o apego pela vida…

No entanto, Amaral teve que se virar para dar conta de tantas demandas. E a principal delas, sem dúvida, era recuperar a sanidade emocional de Anita. Para tanto, ele a conduziu a inúmeras terapias, até encontrar a que conseguiu ‘restaurar’ as emoções de sua companheira. Um processo longo e sofrido, mas que trouxe respostas adequadas.

“Recomeçando das cinzas / Vou renascendo pra ela / E agora penso na réstia / Daquela luz amarela…”

O mundo, então, girou mais um bocado. Amaral e Anita atravessaram uma vida intensa e desafiadora. Acertando aqui e errando acolá. O fato é que os dois sempre mantiveram as mãos dadas. Literalmente. Com isso, tornaram-se cúmplices em diversos projetos. E criaram um espectro de amor que, certamente, os filhos e netos haverão de se orgulhar. Só que o ‘destino’ novamente pregou uma peça e Anita foi chamada precocemente. Assim, ela deixou Amaral profundamente desnorteado, além dos filhos órfãos.

“E agora penso que a estrada / Da vida, tem ida e volta / Ninguém foge do destino / Esse trem que nos transporta.” (*)

O que sei dizer é que a história de Anita e de Amaral não é apenas uma bela história de amor. Bem mais do que isso, ela revela tudo que fica em nosso redor: amor, paixão, dignidade e respeito. E nada mais tem importância!

PS. *Alceu Valença, nosso menestrel, estabeleceu com os “Sete desejos” a trilha sonora desse maravilhoso encontro!

“ESTÁCIO”, MEU VELHO E QUERIDO AMIGO…

Ah! meu velho Estácio, quantas vezes eu evoquei você em pensamento. Isto porque, saiba, foi você o responsável por quase tudo que aprendi. E continua me acompanhando em muitas viagens. Em quase todas, reconheço, foram bons os caminhos que trilhei… Sim! Por isso mesmo eu devo a você, meu amigo, boa parte das esperanças que conservei. Porquanto foi com você que eu aprendi a ‘soletrar’ esse mundo… Disso, eu nunca esquecerei, parceiro!

É bem verdade que já faz um bom tempo que deixei gravado nas esquinas do bairro a memória de um menino ávido para conhecer a vida. Mas ele cresceu. Tornou-se um rapaz inquieto e um homem perseverante: desses que buscam na vida algum sentido a mais, além da mera sobrevivência… E não terá sido surpresa para você, meu bom Estácio, que esse menino tenha buscado o magistério e se tornado professor de química.

Aliás, você bem sabe, ele sempre se mostrou grato aos professores que o ajudaram a formar o caráter. Talvez, pelo fato de ter estudado a vida inteira em escolas públicas, esse fosse o caminho natural: quitar essa antiga ‘dívida’, repassando o conhecimento para outras gerações.

A seguir, vieram dois casamentos, sem a presença dos desejados filhos; vieram mudanças no percurso, cidades e amigos a conquistar; vieram novos sonhos e novos desejos de família. E foi proveitosa tal insistência, pois rendeu a ele um lindo filho e uma esposa maravilhosa.

No entanto, apesar de todo o ‘chacoalhar’ dessa viagem, o certo é que ele nunca perdeu de vista as origens nordestinas. Tampouco as lembranças desse velho e querido amigo, Estácio.

Afinal, foi ali na esquina da Zamenhof que eu fui compreender a importância e o legado que vêm das ladeiras do Estácio. E caso alguém duvide, basta lembrar a linda canção de Luiz Melodia:

“Se alguém quer matar-me de amor

Que me mate no Estácio

Bem no compasso, bem junto ao passo

Do passista da escola de samba

Do Largo do Estácio

O Estácio acalma o sentido dos erros que faço

Trago, não traço, faço, não caço

O amor da morena maldita domingo no espaço

Fico manso, amanso a dor

Holiday é um dia de paz

Solto o ódio, mato o amor

Holiday eu já não penso mais…”

AS FÁBULAS E O TEMPO

Segundo consta na Wikipédia, a famosa enciclopédia coletiva do mundo digital, Esopo foi um escritor da Grécia Antiga a quem são atribuídas várias fábulas populares. A ele se atribui a paternidade da fábula como importante gênero literário. Sua obra, que constitui as Fábulas de Esopo, serviu como inspiração para outros escritores ao longo dos séculos, como La Fontaine.

Uma delas, “O leão e o rato”, abordou a questão do ‘ciclo da generosidade’ e o valor da vida em comunidade. É que o rato em questão precisou de muita ajuda e o leão o acudiu, concedendo o ‘salvo-conduto’. Por ironia, tempos depois, foi a vez do leão estar em apuros, preso em uma rede de caçadores. Com raiva e desespero, sem conseguir se soltar, ele fez a floresta inteira ouvir seus urros. Aí, foi a vez do rato aparecer e ao reconhecer o leão que poupara a sua vida, roeu as cordas com seus afiados dentes e soltou o leão…

Bem, meus amigos, uma coisa é certa: fábula é um gênero literário que nos arrebata com intensidade. Lá, isso sim! Porquanto as histórias são ligeiras e pontuais, não desperdiçando narrativas muito extensas. De quebra, comumente, elas trazem embutidas conceitos éticos e morais que são sempre apreciados pelo leitor.

Além disso, regido por esses aspectos didáticos, os educadores têm se valido desses ‘ganchos’ para ilustrarem a importância da reflexão sobre consagrados valores de vida. Sem dúvida, não há professor nesse mundo que não tenha utilizado em algum momento os exemplos das fábulas!

Lembro até que muitas vezes eu li para o meu filho algumas fábulas. Até aí, tudo bem, muitos pais fazem isso. Mas eu costumava enriquecer o imaginário dele acrescentando ‘pitadas’ de emoção. Afinal, já que era para instigar a imaginação dele, nada melhor do que uma ‘ajudinha’ caprichada, né?!

Espero, ao menos, que o Gabriel quando for pai, daqui há algum tempo, possa repassar esse maravilhoso rito aos filhos dele. Porém, devo confessar: tenho receio de que ele exagere na ‘adaptação’ aos tempos digitais modernos e incorpore um monte de loucuras que a gente tem visto nas redes sociais desse mundo contemporâneo… Vai saber?!  

“DÉJÀ-VU”

Segundo o dicionário Houaiss, “déjà-vu” é “uma forma de ilusão da memória que leva o indivíduo a crer já ter visto (e, por extensão, já ter vivido) alguma coisa ou situação de fato desconhecida ou nova para si”. Pois, então… Isso é algo tão comum, tão corriqueiro que parece que cada um de nós já se deparou com tais sensações algumas vezes, não é verdade?

Para a Wikipédia, “déjà-vu” é “um galicismo que descreve a reação psicológica da transmissão de ideias de que já se esteve naquele lugar antes, já se viu aquelas pessoas ou até mesmo outro elemento externo. E o termo, é bom que se diga, é uma expressão da língua francesa que significa: eu já vi”.

Desse modo, clareados os aspectos e conceitos envolvidos, vamos ao que interessa. De fato, assim como tantas outras criaturas, eu também já atravessei esse rio de sensações e percepções recorrentes. E digo mais: por ter vivido algumas paixões ao longo da vida, a gente acaba desenvolvendo uma estranha tendência de achar que já viu isso acontecer em outras relações. Pior ainda é quando a gente se ‘convence’ dessa suposta verdade e acaba criando teses e mais teses sobre as questões ao redor. Céus… Aí, o bicho pega, meus amigos!

Ao que parece, cada relação afetiva é individual e própria, não comportando ‘regras ou tutoriais’ sobre as experiências já vividas. Simplesmente, cada uma é uma. Ou foi… como queiram! E sendo únicas, por conseguinte, não se repetem. Quando muito, apresentam algumas semelhanças. Isto porque, é sabido que a raça humana apresenta inúmeros comportamentos e infindáveis variações. Aliás, é melhor que seja assim, uma vez que isso nos permite experimentar ‘surpresas’ e ‘encantamentos’. Porquanto, no mínimo, isso nos torna mais interessantes, não acham?!

Contudo, também é verdade que temos o forte hábito de ver a história da humanidade narrada sob forma de ciclos. Como se não houvesse visão de mundo capaz de observar outros ângulos. É um tal de ‘ciclo de pensamentos’, ‘ciclo de modas’, ‘ciclo de poder’ e por aí afora. Tudo bem, eu acredito que isso ocorra por conta da nossa forte tendência de sistematizar tudo que há no mundo. Muitas vezes, vá lá, isso dá certo. Porém, em outras situações não cabe ou, pelo menos, cabe apenas de modo parcial. E agora, José?!

O diabo é quando o objeto da ‘observação crítica’ é algo dotado de sentimentos ou emoções. Putz! Aí a coisa se complica… Sim, minha gente, à medida que somos portadores de fortes contradições (e teimosias!). E ao generalizarmos comportamentos, nós corremos o risco de nos tornarmos imprecisos, superficiais e, até mesmo, precipitados. Pois é. Complicado, não?! Até porque, convenhamos, o repertório de peculiaridades presentes na raça humana parece não ter fim. Em nome delas, nós temos o hábito de varrer o ‘lixo’ para debaixo do tapete. E agora, como ficamos?

Bem… De um jeito ou de outro, talvez, o melhor a fazer é tratar essas questões com respeito, acuidade e atenção. Sim! E se possível, evitando incorrer nos modelos e estereótipos já consagrados nos ‘divãs’ de terapias. Afinal, sabemos que eles estão por aí, ávidos por histórias truncadas. Esparramados nos quatro cantos do planeta, apenas aguardando os ‘incautos’ espíritos desarrumados.

Meus Deus do Céu… eu juro a vocês que “eu já vi”!

PASSAPORTE PARA VIDA

Eu sou daqueles que acreditam que todo indivíduo deveria ter um período de repouso em seu local preferido. Sim, meus amigos. Seria uma espécie de ‘recompensa ao cidadão do bem, desses que vivem de modo digno e respeitoso nesse mundão de Deus. Justo, né?!

Mas enquanto isso não acontece, o que é uma lástima, nós vamos fazendo a nossa parte. Por isso, escolhi Porto Seguro para o meu ‘retiro espiritual’. Já que aqui eu me sinto reconectado comigo mesmo, com os meus ancestrais que plantaram em mim um esperançoso DNA. Sou grato a todos eles!

Aliás, com o tempo, a gente descobre que ‘família’ é um conceito amplo. Porquanto incorpora um sem-número de criaturas não consanguíneas mas que mesmo assim são irmãos, primos, tios e avós do peito. De coração!

Ontem mesmo, ao passearmos na orla em busca de um restaurante, eu me encontrei com um desses ‘primos’ adotados: o “Xuxa”. Conhecem ele? Por certo que sim. Afinal, quem não se esbarrou com um sujeito feito ele: corpulento, alto e com um sorriso largo e uma fala mansa?

Enquanto esperávamos a comida ficar pronta, eu o percebi solitário, sentado num canto do restaurante. E não resisti em querer confirmar as impressões iniciais. Fui até a mesa dele e falei dessas sensações que narrei acima. Não é que se sentiu acolhido, abraçou-me com carinho e até mostrou as fotos da esposa e da filha universitária. Lindas mulheres que, seguramente, formam com o “Xuxa” uma bela família!

Daí, nós saímos para outra caminhada, plenos de emoção, de fortes energias vindas desse lugar mágico que é Porto Seguro.

E fiquei com aquela certeza gostosa de que tenho muita sorte nessa vida. Recebendo dela muito mais do que mereço ou do que esperava…

Não é que o universo rapidamente conspirou e, sentado no “deck” da piscina, acabo de ouvir Mercedes Sosa entoar o hino da latinidade “Gracias a la vida”. Dizer o quê?!

Obrigado Xuxa… muito obrigado, primo!