AS CURVAS DA ESTRADA

Dizem que o homem é um ser altamente saudosista. Porquanto basta um pequeno palanque e lá estará ele se desdobrando em reminiscências. Pois, agora… Será isso verdade ou é mais uma das consequências da era moderna?

Sei não, meus amigos. Pelo sim ou pelo não, o fato é que de uns tempos para cá eu me vi enredado nessa inebriante ‘teia de recordações’. Algo que vai das lembranças dos bons momentos vividos aos os episódios mais aflitivos. No fundo, reconheço, está valendo tudo nessa espiral sem fim… Vai saber?!

Aliás, se observarmos bem, veremos que isso é mais comum do que se imagina. Até porque, nesses tempos bicudos, tem sobrado pouca coisa para comemorarmos, não é verdade? É um tal de sufoco aqui, encrenca acolá e, entre os dois, uma montoeira de problemas. Sim! Ao que tudo indica, o nosso mundo está verdadeiramente ‘enfermo’ e o diagnóstico, muitas vezes, só pode ser constatado pela soma de notícias ruins.

Também é verdade que muitos de nós não se deram conta dessa ‘assombrosa’ doença moderna. E o que é pior: à medida que não percebemos de onde vêm os vetores dessa ‘onda’, nós ficamos à mercê das manobras exercidas pelas redes e grandes organizações responsáveis por impulsionar tais movimentos. Por isso, é preciso ter muito cuidado!

No entanto, de nada adianta adotar o modelo do ‘avestruz’ e, compulsivamente, enfiar a cabeça no primeiro buraco que encontrar. Em contrapartida, há outros, mais açodados, que preferem se engajar em lutas variadas e acabam identificando ‘inimigos’ em todos os lados. Criando assim um enorme exército, cujo objetivo é ‘combater’ esses inimigos, tudo em nome da ‘teoria da conspiração’. Céus… haja peleja!

Além desses, é claro, há também quem prefira adotar um conveniente cinismo ou indiferença. Desse modo, eles não estão nem aí para ‘causa’ alguma. O mundo é que se exploda!

Então, minha gente, certo mesmo é que nós teremos que buscar o nosso lugar nesse complicado jogo de tabuleiro. Procurando, assim, manter a esperança de encontrar um ambiente mais adequado às nossas convicções. Com sorte, nós haveremos de conhecer outros parceiros que comungam ideias e sonhos semelhantes. E com eles, talvez, nós poderemos estabelecer a almejada ‘reciprocidade’ nos afetos. Afinal de contas, nós habitamos o mesmo ‘gueto’, não é verdade?!

Boa sorte a todos.

Pode ser uma imagem de ao ar livre e texto que diz "Na beira de um precipício só há uma maneira de seguir adiante: dar um passo atrás. G. Κ. Chesterton FraseseCitaeoes.com.br"

LEMBRANÇAS DO SEU VAVÁ

Era maio de 1958. Nessa época, eu tinha quase sete anos de idade. E da janela do meu quarto, só se ouvia o barulho das batidas nas portas do botequim do seu Manoel. Com o tempo, eu descobri que aquilo representava a comemoração de algum gol da seleção brasileira na Copa da Suécia. E como criança, confesso, eu me sentia ora excitado, ora assustado, pois nunca sabia o que poderia ocorrer a seguir…

Passaram-se quatro anos. Novamente começava o alvoroço da Copa do Mundo. Só que agora o país sede era o Chile. Pelo menos foi o que o seu Vavá me disse. Ela era o nosso motorista. Dirigia a Kombi com muita classe e segurança e eu me sentia orgulhoso de ser seu amigo.

Aliás, para mim, o seu Vavá era o homem mais esperto que eu conhecia. Porquanto ele sempre tinha uma resposta pronta na ponta da língua para qualquer indagação. Só vendo!

O que sei dizer é que naquela quinta-feira ele foi deixar o papai no trabalho, no Banco do Brasil do Centro. Aí, voltou rapidinho, pois levava menos de quinze minutos do Estácio ao Centro. Foi quando ele me ‘convocou’ para uma missão: acompanhá-lo até o Hotel das Paineiras, que ficava na parte mais alta do Cosme Velho.

Como passear de Kombi era minha diversão predileta, eu nem perguntei aonde iríamos. Além disso, o trajeto até lá valia qualquer sacrifício, uma vez que o percurso é lindo. E mais bonito ainda é a subida para a Estrada das Paineiras, repletas de jaqueiras gigantes.

Ao chegarmos lá, descemos da Kombi e nos dirigimos para a recepção do hotel. Embora eu fosse uma criança de 11 anos, percebi que havia um forte esquema de segurança ao redor do hotel. Soube, então, que a seleção brasileira estava concentrada ali e que a razão da visita era uma encomenda que o jogador Amarildo, compadre do seu Vavá, havia solicitado. Seu Vavá aproveitou a ocasião para ‘tietar’ outros jogadores. Como estava ao seu lado, fiquei extasiado em conhecer Nilton Santos, Didi, Garrincha e Zito. Porém, Amarildo guardou a melhor surpresa para o final: Pelé. Nossa! Que surpresa maravilhosa foi conhecer Pelé.

Bastaram poucos minutos conversando com ele para perceber que tinha algo diferente. Recebeu-me com um sorriso largo e fácil que logo me cativou. Definitivamente. Com uma natural simplicidade, ele me chamou e perguntou se eu queria jogar ping-pong. Disse que sim. Então, ele pediu licença a rapaziada que estava jogando e anunciou que eu era ‘fera’ no ping-pong e que se tratava de um desafio.

Contudo, Pelé não sabia era que eu era bom no tênis de mesa, uma vez que já era ‘federado’ e treinava diariamente no Clube Municipal. Com isso, bastaram umas três ou quatro ‘cortadas’ para que ele se assustasse com o volume do jogo…

Depois disso, nós interrompemos a partida, pois os jogadores iriam treinar no campo do Fluminense. Contudo, Pelé me deu um forte abraço e me convidou para assistir a uma partida do Santos quando viessem ao Maracanã. Bastante emocionado, aceitei o convite e desejei boa sorte para a seleção no Campeonato Mundial.

A partir daí, meus amigos, de quando em quando eu recebia algum contato dele. Algumas vezes por telefone, outras por telegramas e quase sempre eram recados trazidos pelo seu Vavá. Torci freneticamente pelo sucesso dele, ainda que a contusão no segundo jogo o tenha tirado da Copa. Por certo que vibrei com o resultado, mas sem a presença do Pelé, o título não teve o mesmo brilho…

A vida, então, seguiu o rumo que pode e cada um de nós procurou caminhar de modo correto. Muito embora não tivéssemos mais contato, no fundo, eu jamais esqueci aquele homem de sorriso largo, que serviu de exemplo para tantos brasileiros. Somente tempos depois é que eu soube o seu verdadeiro nome: Edson Arantes do Nascimento, o extraordinário Pelé.

Hotel das Paineiras, no Cosme Velho, Rio de Janeiro.

Amarildo e Pelé, em 1962.

OS ELEITOS PARA O SACRIFÍCIO (*)

Ah, meus amigos, essa vida é mesmo interessante. Vejam vocês: o meu querido tio, Holdemar Menezes, publicou em 1983 aquele que eu considero o melhor dos seus livros de contos. Intitulado “Os eleitos para o sacrifício”, o livro é uma coletânea de nove primorosos contos, sendo que um deles, “O anjo Gabriel”, foi tão marcante que serviu até de inspiração para o nome do meu querido filho.

Aliás, o enredo desse conto é sensacional, pois atesta o lado mais habilidoso do escritor, onde ele cria um pano de fundo para que a história se revele aos poucos. Sem pressa de apresentar o começo, meio e fim, Holdemar se apresenta como um bom artesão a confeccionar a sua obra de arte. O resultado é espetacular… Coisa linda!

“De repente, tive uma imperiosa vontade de chorar. Chorar com saudades da Sueli, pois lá de cima da torre da igreja, eu podia ver parte da Vila Palmira, e numa daquelas casas estava Sueli, a Sueli que tinha sido, e ainda era, meu único amor”.

Ao reler o conto esta semana, quem sabe pela décima vez, eu me dei conta de que a vida da gente é, de fato, intrigante. Surpreendente, até. E se observarmos bem, veremos que os fatos vão acontecendo, como que tecendo uma enorme colcha de retalhos. Pois é. No fim das contas, convenhamos, o que nos cabe é tão somente enxergar os desenhos como algo íntimo e familiar. Com isso, em qualquer momento da vida, nós poderemos declarar que tudo valeu a pena ser vivido. De modo tal que, ao olharmos para trás, não tenhamos vergonha ou arrependimentos profundos. Assim como Édith Piaf, também podemos entoar o mesmo canto que ela nos brindou: “Non, rien de rien / Non, je ne regrette rien / Ni le bien qu’on m’a fait / Ni le mal, tout ça m’est bien égal!” E ela tinha ela razão, meus amigos. Afinal, vivemos tudo como soubemos ou pudemos…

“Aí eu peguei o pistom, passei vaselina nos lábios e comecei a tocar. O som saindo embriagado de tanto vinho de laranja do Santo Padre, os olhos do Onofre brilhando no escuro. Aquela melodia eu havia memorizado de um velho disco do “MaioDeives”, que o mister tinha me presenteado”.

Ao mesmo tempo em que relia o conto, ao fundo, eu ouvia o solo lamentoso de Miles Davis, na extraordinária trilha sonora do filme de Louis Male, o “Ascenseur pour l’échafaud”. Além disso, eu sentia algo mágico se passando. Sim! Nas minhas fantasias, confesso, era como se eu estivesse conversando com meu avô Ezequiel, meu tio Holdemar, meu pai e o meu filho. Porém, nessa conversa, eu falava com orgulho desse traço familiar de inventividade e o apurado gosto pelas letras e pela música…

“Era uma melodia mais para o grave, um sopro de percussão, como se a língua partisse a frase em pedaços, como se os lábios esculpissem as notas em madeira de cheiro, perfumada e macia”.

Deitado naquela rede cearense, no aconchego do escritório, ah!, eu repassava a vida em meus pensamentos. Recortando alguns episódios, para que pudesse ordená-los de uma forma mais confortável às minhas emoções.

“Quando terminei o solo, que era uma variação sobre o tema do “MaioDeives”, o Onofre estava chorando, eu acho que de tão mamado que estava. Ele me tomou o rosto, beijou com força e falou:

– Isso não existe! – Igualzinho ao Anjo Gabriel…”

Nesse momento, a porta do escritório foi aberta e Gabriel ficou me olhando, longamente. Sem nada dizer, fiz apenas um gesto de convite. Ele, então, deitou-se na rede comigo e ficamos nós dois em profundo e conveniente silêncio. Ao redor, apenas o sopro suave e melancólico de Miles Davis permanecia ao nosso lado, renovando os laços de afeto…

(*) Capa do livro do tio Holdemar com a ilustração de um trabalho de minha mãe, Jarina Menezes.

ou

OS ‘NAMORADOS’ DA MODERNIDADE

Há quem afirme que os relacionamentos afetivos ‘aprisionam’ as pessoas. Pudera! Eles proclamam que a natureza dessas relações subverte, tacitamente, o instinto de liberdade presente no ser humano. Olha, isso pode até ser verdade, mas desconfio de que constitua mero discurso retórico. Digo isso, meus amigos, porque percebo que temos o hábito de buscar explicações, muitas vezes, solidamente ‘elaboradas’. No fundo, eu acredito que tal comportamento serve apenas para justificar as nossas descontroladas emoções. Afinal, ao que tudo indica, a capacidade de ‘racionalização’ de o homem parece ser inesgotável. No entanto, creiam-me: apesar das heroicas resistências que oferecemos, bastam algumas sessões deitados no ‘divã’ e vai tudo por água abaixo. Meu Deus do Céu, que incrível desperdício…

Quando eu tinha os meus vinte e poucos anos de idade, também pensava em levar a vida amorosa na flauta. Na época, devo confessar, eu não queria me sentir ‘ligado’ a uma pessoa em especial. Preferia me manter como um franco atirador, desses que se imaginam imunes a qualquer relação mais contínua e profunda. Como se isso fosse possível… “Mas o tempo passa muito rápido”, vaticinavam os mais velhos. Sim, é verdade, devo admitir.

Hoje, confesso, eu acho que isso é uma dádiva e não um pesar. Aliás, sem medo de errar, eu acredito que não há nada mais belo nessa vida do que a maturidade. Sim, somente quando atingimos esta fase na vida é que nos damos conta de como é maravilhoso estar ligado a alguém. E mais: que extraordinárias emoções podemos sentir quando estamos sob os auspícios da ‘cumplicidade’!

O nosso saudoso Lupicínio Rodrigues já cantou em verso e prosa: “Estes moços, pobres moços / Ah! Se soubessem o que eu sei / Não amavam, não passavam / Por tudo que eu já passei / Por meus olhos, por meus sonhos, / por meu sangue, tudo enfim… / É que eu peço a esses moços / que acreditem em mim. / Se eles julgam que há um lindo futuro / Só o amor nessa vida conduz / Saibam que deixam o céu por ser escuro / E vão ao inferno a procura de luz. / Eu também tive nos meus belos dias / essa mania que muito me custou / E só as marcas que trago em meu peito / São essas rugas que o amor me deixou…”


Ah, como essa canção é maravilhosa, ainda que o amor cantado por ele soe tão doído! Mas, se observarmos bem, o que Lupicínio sentiu foi uma tremenda ‘dor-de-cotovelo’. Nada mais do que isso. E cá entre nós: quem não sofreu desse mal? Afinal de contas, a dor-de-cotovelo é um sentimento intimamente ligado ao amor e pertinente à vida de qualquer criatura. Além disso, convenhamos, Lupicínio teve esse direito. Isto porque, acostumado à boemia, ele deve ter experimentado muitas paixões, grandes amores e, de quebra, algumas ‘dores’. Algo que só quem está pulsando pode sentir. Quem não viveu um grande amor, jamais saberá como é a dor da perda. Isto sim, meus amigos, é bem triste, muito embora seja passageiro. É algo que alimenta a inspiração dos músicos e poetas. Tão somente. No entanto, para nós, ‘pobres mortais’, é bem ao contrário, à medida que evitamos, desesperadamente, sentir a dor e vivenciar o processo do luto amoroso. Geralmente, o que se verifica é uma brutal dissimulação. E para tanto, nós lançamos mão do enorme arsenal de ‘racionalizações’ de que somos portadores. É impressionante o ‘malabarismo’ emocional empreendido.

Com tudo isso, apesar das dificuldades, o importante é acreditar que o amor é possível nas relações afetivas. Sim! É preciso acreditar que ele pode ser duradouro. Com sorte, pode até ser para sempre!

PARA ‘ADOÇAR’ MEU CORAÇÃO

Foi o nosso querido Carlos Drummond de Andrade que afirmou em seu extraordinário poema, “Resíduo”, que “de tudo fica um pouco”. Pois é. Tinha ele razão, meus amigos. Aliás, muitas razões! Vale a pena lembrar:

“De tudo ficou um pouco / Do meu medo. Do teu asco. / Dos gritos gagos. Da rosa / ficou um pouco.

Ficou um pouco de luz / captada no chapéu. / Nos olhos do rufião / de ternura ficou um pouco (muito pouco).

Pouco ficou deste pó / de que teu branco sapato se cobriu. / Ficaram poucas roupas, / poucos véus rotos / pouco, pouco, muito pouco.

Mas de tudo fica um pouco. / Da ponte bombardeada, / de duas folhas de grama, / do maço – vazio – de cigarros, ficou um pouco.

De tudo fica um pouco. / Não muito: de uma torneira / pinga esta gota absurda, / meio sal e meio álcool… / este vidro de relógio / partido em mil esperanças… / este segredo infantil…

…Oh! abre os vidros de loção / e abafa / o insuportável mau cheiro da memória…”

O mais interessante de tudo é que ao reler este poema nesta ensolarada manhã, eu tinha, ao fundo, a suave e inebriante companhia de Ana Caram, interpretando as canções de Tom Jobim. O CD se intitula “The other side of Jobim” e o encontrei, após a mudança, no fundo da estante, indesculpavelmente esquecido por mim. Ah, meu maestro soberano, queira me perdoar. Saiba, contudo, que isso não foi intencional. De maneira alguma! Porquanto o dia a dia da gente, muitas vezes, acaba nos infringindo alguns ‘esquecimentos’ imperdoáveis. E eu lamento por esse, creia-me.

Assim, para me redimir, eu coloquei o disco a tocar enquanto folheava a antologia de poemas de Drummond. Desse modo, a deslumbrante voz de Ana Caram acabou acalentando os meus pensamentos, fazendo-me lembrar das belezas que ele escreveu. Sim! Desde muito cedo eu fui ‘tocado’ por Drummond, já no “Poema de Sete Faces”, quando eu ainda nem atinava para as dores do mundo. Vejam:

“Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

… Mundo mundo vasto mundo, / se eu me chamasse Raimundo / seria uma rima, não seria uma solução. / Mundo mundo vasto mundo, / mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer / mas essa lua / mas esse conhaque / botam a gente comovido como o diabo.”

Portanto, minha gente, eu prefiro ficar com as melodias que estão esparramadas pelo universo. No fundo, elas são sábias. E me embalam nesta manhã de sexta-feira. Só que agora, na voz de António Zambujo, todos os anjos sussurram em meus ouvidos o testemunho deixado por Chico Buarque, em “Futuros amantes”:

“Não se afobe, não / que nada é pra já / o amor não tem pressa / ele pode esperar / em silêncio, num fundo de armário / na posta restante / milênios, milênios ao ar…

…Sábios em vão / Tentarão decifrar / O eco de antigas palavras / Fragmentos de cartas, poemas / Mentiras, retratos / Vestígios de estranha civilização.”

HERANÇAS DE FAMÍLIA

Dizem que nessa vida nós herdamos muitas coisas dos nossos antepassados. Coisas boas e outras nem tanto. E que a partir daí, cabe a cada indivíduo efetuar um apurado ‘pente fino’ do patrimônio recebido, seja ele material ou afetivo. Até aí, tudo bem. Faz parte da nossa trajetória, não é mesmo?

No entanto, se isso não for feito em tempo hábil, corre-se o risco de incorporar ‘tralhas’ indesejadas. E é aí que mora o perigo, minha gente. Porquanto uma vez que essas ‘heranças’ sejam anexadas, torna-se difícil livrar-se daquilo que não nos serve.

Eu não sei dizer quanto a vocês, amigos leitores. Mas, no meu caso, confesso: foi um processo penoso e arrastado. Demorei muito tempo para separar o ‘joio do trigo’. Afinal, saber o que de fato me cabia e o que era indevido, convenhamos, era uma tarefa complicada. Por isso, demorei décadas a fio efetuando esse ‘inventário’. Até que um dia eu percebi que havia me livrado da ‘tralha excedente’. E, assim, eu me senti mais livre, leve e solto. Ou seja: havia conquistado a minha verdadeira ‘carta de alforria’!

Também é verdade que eu não culpo ninguém por isso. É da vida! Até porque esse processo é algo que cabe somente a criatura envolvida dar conta. Sequer pode ser ‘delegado ou transferido’.

O lado bom dessa história, minha gente, é que podemos receber alguns ‘presentes interessantes’, vindos de parentes que nem imaginávamos. Vejam só o que me ocorreu:

Foi na casa do tio Holdemar, irmão de papai, que eu fui apresentado à literatura de Gabriel Garcia Márquez. Estávamos em 1968, eu tinha 17 anos e vivíamos tempos difíceis, pois boa parte da América Latina sofria com os regimes autoritários. No pequeno escritório da casa, no primeiro andar, ele me presenteou com a novela de Gabriel, intitulada “Ninguém escreve ao Coronel”. Céus, que estilo! Fiquei extasiado com o texto. Tempos depois, para minha sorte, eu conheci “Cem anos de solidão”, “O outono do patriarca”, “Crônica de uma morte anunciada” e tantos outros livros, incluindo o magistral romance “O amor nos tempos do cólera”. Ao mesmo tempo, conheci também John Coltrane e as incríveis baladas. “Carlos, você conhece as baladas do Coltrane?”, perguntou-me Holdemar. Claro que não “conhecia”. Então, escutei. Uma, duas, diversas vezes. Incríveis! Somente após ouvir aquelas baladas é que fui “compreender” o que era elegância e bom gosto no jazz. No meu imaginário, Coltrane tocava “Say it (over and over again)” vestido a rigor, tal era o finesse com que ele soprava o sax. Desde então, nunca mais pude me separar de Coltrane, de Gabriel Garcia e nem das lembranças que carrego do nego velho Holdemar…

OS CAMINHOS DESSA VIDA

Eu tinha apenas cinco anos de idade e era uma criança franzina, como tantas outras nordestinas. Nem sequer imaginava qual futuro estava reservado para mim. Sabia, ao menos, que o mundo rico e civilizado ficava no ‘sul maravilha’ (Henfil que o diga!). E que o meu bom e velho Ceará seria, doravante, apenas um ‘retrato na parede’. Talvez, por não conhecer o poeta Carlos Drummond, eu não atinasse para a dor: a imensa dor que um ‘retrato’ pode conter. E pode, creiam-me… pode!

O mundo, então, girou mais um bocado. Seguiu a roda do seu caminho e me apontou alguns para escolher. Agora, se as minhas escolhas foram boas ou não… aí, são outros quinhentos. O certo é que venho pelejando nessa vida. Tentando fazer o meu melhor. Sabendo que tanto posso errar aqui, quanto ter medos, acolá. Aceitando que o destino é algo mágico e individual, por mais coletiva que seja a nossa trajetória.

Verdade é que durante muitos anos eu arrastei, feito bola de prisioneiro, muitas culpas por conta daquela ‘prematura saída’ do Ceará. Ainda que as culpas fossem indevidas, eu me sentia um traidor, uma vez que virara às costas ao meu povo, à minha cultura e, dessa forma, estabelecera a minha ‘herança vacante’.

É bem provável que algumas pessoas corram em minha defesa e digam: “isso não é motivo de culpa, Carlos. Quando muito, destino”. É até possível que afirmem que essa viagem não foi exclusividade minha, pois muitos outros retirantes seguiram o mesmo rumo. Cada um com o seu motivo. Cada um com seu legado… E uma diferente ‘sentença’ para cumprir!

Pois é, minha gente… Eu sempre soube disso. Mesmo assim, devo confessar: tais pensamentos não me redimiam. Ao contrário, doíam, isso sim. Doíam. Intensamente!

Foram necessários incontáveis anos para drenar a dor e aprender como a transformar. Para tanto, eu precisei de muita ajuda e, por sorte, vieram de todos os lados. Vieram das angustiadas sessões de análise com o Alexandre Kahtalian, solidário e competente terapeuta. Vieram das maravilhosas pessoas que fui encontrando pela vida e que, de alguma forma, depositaram generosas ‘esperanças’ no meu coração. Criaturas que se tornaram verdadeiros ‘irmãos’ e, ao atravessarem o meu destino, deixaram marcas em minha alma.

Somente a partir daí é que eu comecei a realizar o inventário afetivo. Ainda bem. Pois somente assim os episódios começaram a adquirir significado junto ao meu patrimônio afetivo. Convenhamos: não há nada mais belo nessa vida do que dar sentido a ela! Ingmar Bergman, o extraordinário diretor-cineasta, dizia que “a imaginação tece a sua teia e cria novos desenhos… e novos destinos”.

Por tudo isso, eu imagino que a minha inserção nessa latinidade pode ser confirmada no testemunho do Gonzaguinha, em “Caminhos do Coração”. Vale a pena lembrar:

“Há muito tempo que eu saí de casa

Há muito tempo que eu caí na estrada

Há muito tempo que eu estou na vida

Foi assim que eu quis, assim eu sou feliz.

Principalmente por poder voltar a todos os lugares aonde já cheguei

Pois lá deixei um prato de comida, um abraço amigo, um canto pra dormir e sonhar.

E aprendi que se depende sempre de tanta muita diferente gente

Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas…

É tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar.”

Então, se me permitem, eu gostaria de finalizar este texto fazendo algumas saudações. Primeiramente, ao meu querido Ceará, sem o qual a grande América pouco me diria. Depois, ao poeta Gonzaguinha que nos deixou esse maravilhoso legado e de alguma forma permitiu essa ‘expiação nordestina’. Saúdo, também, aos irmãos nordestinos, na figura do simpático Ariano Suassuna, que encantadamente acrescentam voz à nossa alma. Mas saúdo, principalmente, os que se comovem com essas vozes… e as libertam. Como fez o Alexandre Kahtalian!

OS CAMINHOS DE ‘SEU TIAGO’

Nesses últimos tempos eu tenho encontrado muitas pessoas que estão desencantadas com alguma coisa na vida. Como ocorre agora com o meu vizinho, Seu Tiago. Eu não sei dizer se o desencantamento que ele experimenta surja por motivo financeiro, afetivo ou mesmo por paixão ideológica. Também é verdade que, por vezes, isso ocorre devido a um conjunto de causas aparentemente indecifráveis. O que torna mais complicado se apontar as razões. É que tudo fica muito disperso e difuso, convenhamos. E, quase sempre, acaba provocando incompreensão daqueles que estão próximos. Pois é, minha gente. Sei bem que não é nada fácil. Porquanto algumas vezes nós perdemos o ‘norte’ e permanecemos pelejando por aí atrás de alguma resposta redentora… E o pior é que não vem!

O nosso querido Ariano Suassuna nos disse um dia que “ao redor do buraco, tudo é beira”. Céus, que verdade ‘certeira’. Sim! Afinal, são incontáveis os momentos em que a vida nos põe frente a frente com o ‘crime’. Entendendo esse ‘crime’, é claro, apenas no sentido da perda do controle. Eu digo isso porque é fácil notar a desenfreada necessidade que temos de ‘controlar’ tudo ao nosso redor. Como se a perda do controle significasse tão somente um atestado de ‘incapacidade ou desespero’.

Aliás, é interessante perceber que ao lermos um belo romance ou ao assistirmos a um denso filme, em cuja história algum personagem ‘destrambelha’, imediatamente, sentimos pena. É uma reação espontânea, como um ato contínuo, pois logo a seguir vem: “tadinho, ele perdeu o controle”! Não é assim que acontece? O diabo é que tudo isso é bastante complicado. Muitas vezes, eu me pilho ‘controlando’ a mim ou os que me cercam. Paciência, fazer o quê? Nem mesmo a terapia me deu ‘imunidade’ suficiente. Mas, será que precisamos controlar as coisas assim? E o que representa esse controle? Bem, aí é que mora o ‘x’ do problema. E a razão deste texto!

Ah, meus amigos, eu não sei dizer o que nos cura. Tampouco o que nos mata. No entanto, desconfio que na busca por esse ‘controle’, a primeira grande utopia criada pelo homem, talvez tenha ocorrido no próprio ‘Éden’. O verdadeiro nirvana onde, segundo afirmam, não precisávamos fazer absolutamente nada. Tudo nos era ofertado pela mãe-gentil, a natureza. E assim, vivíamos em paz! Todavia, logo a seguir veio a cobiça. E os consequentes resultados dela. O homem, então, trilhou caminhos conturbados, que promoveram diversos conflitos. Por conta disso, é bem possível que muitas crenças, misticismos e utopias tenham surgido como uma espécie de ‘compensação’ às perdas. Tudo bem. No fundo, vá lá, elas eram até necessárias. Ou inerentes. Bem melhor do que ficar sentado à beira do caminho “à espera de Godot”, não acham? O importante é que os nossos queridos ancestrais do Éden não tiveram acesso a antológica obra de Samuel Beckett e nem ouviram falar de Vladimir e Estragon. Talvez, tenha sido melhor. Isso porque, ambos encontraram a ‘loucura’ ao seu jeito e ao seu tempo. Revelada sob a mais perfeita das condições: o sonho recorrente. Podendo, muitas vezes, parecer cruel aos que de fora observam. Apesar de tudo, devemos reconhecer, foi por intermédio dos sonhos que a humanidade encontrou muitas verdades. E por conta das utopias, o homem ainda sobrevive. Caso contrário, ‘a vaca já teria ido para brejo’ há mais tempo, não é verdade, Seu Tiago?

O importante é ter cuidado no trato dessas questões. Pois é preciso não as banir ‘a priori’, como teimosamente fazemos quando nos deparamos com o diferente ou com o inusitado. Sim! Os Jardins do Éden podem ter revelado bem mais do que as ‘inocentes maçãs’, ainda que seja imputada à serpente a nossa primeira ‘loucura’. De toda a forma, com ou sem ‘pecado’, a loucura teve o seu lado bom. É que ao estampar os desejos inconscientes, presentes em cada um de nós, ela libertou um sem-número de almas inconformadas. Com isso, os nossos julgamentos se tornaram mais condescendentes e pudemos, enfim, avançar em alguns aspectos da nossa humanidade, que tantos cuidados careciam…

Pois é. No fim das contas, o mestre Ariano tinha toda razão em acreditar que “ao redor do buraco, tudo é beira”. Pudera! Uma vez que nessa vida, muita gente já atestou um sonho. É bem verdade que alguns deles foram vividos apenas por quem o sonhou. Mas, não importa! O que vale é evitar os ‘jardins de Tânatos’. Porquanto esses, sim, são mórbidos e sombrios. Eles dão as costas aos sonhos e, implacavelmente, sentenciam o fim das utopias, determinando a morte em toda a sua extensão!

Assim, embalado pelo sonho, eu prefiro a visão peculiar e instigante que Chico Buarque nos presenteou: “A novidade / Que tem no Brejo da Cruz / É a criançada se alimentar de luz / Alucinados, meninos ficando azuis… / Na rodoviária, assumem formas mil. / Uns vendem fumo, / tem uns que viram Jesus. / Muito sanfoneiro, / cego tocando blues. / Uns têm saudade e dançam maracatus. / Uns atiram pedras, / outros passeiam nus! / Mas há milhões desses seres / que se disfarçam tão bem, / que ninguém pergunta / de onde essa gente vem”?!

Oxalá, o Seu Tiago encontre a tão desejada paz interior. E com isso, ele possa ‘escapar’ dessa máquina de moer em que o mundo se transformou…

“DRÃO” (*)

É certo que nós vivemos tempos complicados. Nosso país se encontra bastante dividido. Até aí, é verdade, isso não chega a ser algo inédito. Afinal, outros tantos países já experimentaram momentos semelhantes ou piores, e nem por isso sucumbiram.

Contudo, nesse caso, o que mais preocupa é perceber que tal divisão entrou fortemente no seio das famílias e grupos de amigos. Fazendo com que um lado hostilize o outro com todas as formas possíveis de expressão. E o resultado é que um sem-número de amizades e relações interpessoais ficam severamente arranhadas ao aflorarem as manifestações radicais. Porquanto o ‘ódio’, sorrateiramente, acaba assumindo o protagonismo.

Pois é, minha gente. O que se sabe é que ninguém sai ileso ao atravessar períodos conturbados como esses. Até porque esse ‘ódio’ se infiltra nos processos ideológicos e afetivos. Pronto para dar o ‘bote fatal’…

O agravante, a meu ver, é que a mídia tem intermediado o processo de forma manipulada. Indisfarçavelmente. Interessada apenas nessa ou naquela corrente. Com isso, eles arrastam multidões, não apenas nas análises e pesquisas veiculadas pelas redes sociais. Não, meus amigos! A coisa é mais perversa do que se imagina. E ela penetra, sub-repticiamente, no âmago dos lares brasileiros, tomando os desavisados eleitores como reféns.

Aliás, se olharmos para trás, veremos que os antagonismos políticos sempre existiram. Porém, sempre conduziram a convivência civilizada com parcimônia e camaradagem. Os pequenos entreveros que surgiam no ‘palco da disputa’, ah! prescreviam logo após o resultado das urnas. A partir dali, por certo, tudo voltava à normalidade logo a seguir. E a vida seguia o seu rumo, indiferente do lado vencedor ou perdedor do pleito.

No entanto, nada disso permaneceu de pé no nosso quintal. O que vemos é assustador. O que se percebe é que tais ressentimentos ainda irão alcançar o auge litigioso dessas relações. E o que tudo isso vai resultar, sem dúvida, é um campo de batalha onde não haverá vencedor: apenas desoladas vítimas!

É possível que alguém questione o que tudo isso tem a ver com a melodia, “Drão”(*), de Gilberto Gil? Sim, meus leitores. Então, eu lembrarei os versos do nosso encantado compositor-poeta:

“Drão, o amor da gente é como um grão / Uma semente de ilusão / Tem que morrer pra germinar / Plantar n’algum lugar / Ressuscitar no chão nossa semeadura.”

“Quem poderá fazer aquele amor morrer / Nossa caminhadura? / Dura caminhada / Pela estrada escura.”

“Drão, não pense na separação / Não despedace o coração / O verdadeiro amor é vão / Estende-se infinito, imenso monolito / Nossa arquitetura.”

E ao perceber a angústia experimentada pelo meu jovem filho, já devidamente engajado na luta para que a ‘esquerda’, que ele tanto venera, saia vencedora, eu apelo para os versos seguintes do poeta:

“Drão, os meninos são todos sãos / Os pecados são todos meus / Deus sabe a minha confissão / Não há o que perdoar / Por isso mesmo é que há / De haver mais compaixão.”

“Quem poderá fazer aquele amor morrer / Se o amor é como um grão? / Morre e nasce trigo / Vive e morre pão.”

O OLHO MÁGICO

Eu acordei com o som da campainha tocando freneticamente. Daí, pensei: “quem será o miserável que vem incomodar a gente numa hora dessa?” Antes de abrir a porta, na dúvida, dei uma espiadinha pelo olho mágico. Só que não reconheci a figura, embora fosse ‘familiar’. “Céus, eu já vi este rosto antes… mas não lembro quem é!”

O sujeito era alto e magro, bem mais velho do que eu. Decorridos alguns segundos tentando identificar a fisionomia, sem lograr êxito, acabei rendido pela curiosidade e abri a porta.

– Pois não…

– O senhor é o professor Carlos?

“Sim”, respondi no automático. “E o senhor é quem?” Mal acabei de formular a pergunta e, pimba, lembrei: João Saldanha, o grande cronista esportivo e comentarista de futebol. Ex-técnico da seleção de 1970!

Isso, contudo, não me trouxe alívio, e sim perplexidade. O que ele queria de mim? Foi quando ele se apresentou:

– Meu nome é João Saldanha. Sou pai da proprietária desse apartamento que o senhor aluga…

Amigos, nessa hora o meu ‘desconfiômetro’ estava desligado, pois nem imaginei o que viria a seguir. Muito afobado, ele pediu para entrar e explicar o motivo de sua ‘visita’, tão tarde da noite.

– A ‘questão’ toda, professor, é que minha filha resolveu vir morar comigo. Portanto, o senhor pode imaginar o problema que isso está acarretando.

Refeito do susto inicial, eu ouvi atentamente as explicações. Lembro, inclusive, que concordei com quase todos os argumentos dele. Por certo, isso ocasiona muitos ‘transtornos’, uma vez que a vida da criatura toma outro rumo. Abruptamente!

– Eu posso compreender os seus motivos… Mas peço que entenda os meus. Afinal, acabei de alugar esse apartamento, pela imobiliária. O contrato não completou sete meses e ainda tenho outros cinco pela frente… E de mais a mais, eu vim para cá porque fui despejado do apartamento do Leblon, após sete anos de moradia. Ou seja: eu fiquei muito aborrecido por ter que sair daquele apartamento que tanto gostava. Ainda por cima, ele era perto de todas as escolas onde leciono. Já esse aqui, embora mais distante, compensou pelo tamanho, uma vez que é bem mais amplo que o anterior!

Pois é. Eu ainda pretendia dizer ao João Saldanha que tão logo encontrasse outro imóvel, eu liberaria o da filha dele. Qual o quê! De repente, ele começou a esbravejar.

– Porra… Eu preciso que o senhor saia até o final desse mês, professor!

Expliquei que isso era impraticável. Eu só teria tempo para procurar outra moradia nos finais de semana, porquanto durante a semana eu dava quarenta e poucas aulas, não sobrando tempo.

– Eu estou contando com a sua ajuda, professor… Com a sua preciosa ajuda!

Esta foi a derradeira frase, antes de ir embora… Nem preciso dizer o quanto eu fiquei atordoado com tudo aquilo. E na manhã seguinte, bem cedo, eu liguei para minha irmã que morava no apartamento que me pertencia, na zona norte do Rio de Janeiro. Aliás, eu só não morava nele porque ficava muito contramão. Comecei a ligação com humor negro: “eu tenho duas notícias ruins para lhe dar.” Ela deu um suspiro e perguntou: “quais são?!” Comecei dizendo que, mais uma vez, eu havia sido ‘despejado’. E ela retrucou: “que chato… e a segunda notícia, qual é?” Eu respondi de bate-pronto: “É que por conta disso, você também será despejada!”

Meu Deus do Céu, ela ficou uma arara, minha gente, alegando que eu iria ‘tumultuar’ a vida dela. Falou um monte… Argumentei que aquilo era necessário. Não aguentava mais fazer tantas mudanças em tão pouco tempo. O certo é que ela ficou bastante aborrecida por uma semana. Mas não é que o destino aprontou? Na semana seguinte, vejam vocês, ela conseguiu um apartamento no mesmo bloco. Dois andares acima e, ainda por cima, no lado da sombra! Com isso, eu pude entregar o imóvel da filha do João Saldanha em apenas quinze dias…

Ufa! Quando eu liguei para o Saldanha, anunciando a entrega, ele fez questão de ir pessoalmente receber as chaves. No dia combinado, ao chegar, eu o encontrei na portaria do prédio. Com um largo sorriso, abraçou-me com entusiasmo e agradeceu o esforço que eu havia feito. Para demonstrar a gratidão, João me entregou uma camisa do Botafogo, autografada pelos jogadores. Recebi por educação, confesso. Dei um leve e maroto sorriso, mal disfarçando o descontentamento. Afinal de contas, eu sou flamenguista roxo… e aquilo me pareceu ‘provocação’! Vai saber…

(Imagem da internet)