LONGE DESSE INSENSATO MUNDO…

Esta semana eu visitei um grande amigo para montar o sistema de áudio e vídeo que ele adquiriu. E como todo entusiasta por filmes e esportes, ele partiu para uma grande TV, de 50 polegadas. Porém, temeroso de cometer uma daquelas ‘gafes tecnológicas’, Gérson me pediu socorro por saber da intimidade que tenho com as recentes tecnologias.

Empunhando o agradável dever com o amigo, preparei um kit ‘primeiros socorros’, ou seja, cabo HDMI, cabo ótico, cabos RCA e um punhado de adaptadores para as mais variadas interligações. Ufa! Eu parecia até aquele ‘caça fantasma’ do filme, lembram?!

Chegando lá no aconchegante apartamento do Gérson, guardei o kit sobre a mesa e demos início a longa prosa do dia. É que Gérson é um excelente interlocutor, com conhecimentos em inúmeros campos culturais. Por isso, é prazeroso o papo com ele, pois domina diversos temas e possui um apurado senso de humor, o que torna a conversa mais amena e instigante.

No entanto, o dever nos chamava. E com os cabos ao redor do pescoço, fui efetuando as conexões necessárias. Não, sem antes, escutar algumas provocações feitas por ele. “Carlos, com a ajuda do VAR, ficou bem mais fácil o serviço do Flamengo, não acha?” Pois é. Como todo vascaíno fanático, eu já aguardava essas instigadas. Por isso, fiz ouvidos moucos…

Terminado o serviço, fomos aos testes. E Gérson, muito metódico, pegou um bloquinho de anotações e começou a escrever o passo a passo do controle remoto. Como ligar a TV e regular o volume e os canais. Como acessar o “pendrive” com os filmes ou como fazer uso do “player” de bluray ou DVD. Enfim, tudo anotado e ensaiado algumas vezes.

Saindo da casa do amigo Gérson, eu enfrentei um trânsito pesado, o que me fez levar mais de 50 minutos até a minha casa. Com isso, conectei o meu ‘smartphone’ ao som do carro e pus as músicas prediletas para tocar. Por sorte, comecei sendo brindado pelo sopro suave e intimista de Miles Davis, no maravilhoso álbum que serviu de trilha sonora para o filme de Louis Malle, “Ascenseur pour L’échafaud”. Céus, que maravilhosa interpretação Miles conseguiu nos presentear na faixa “L’assassinat de Carala”. Afinal, o clima “noir” que ele desenvolve no tema é profundamente propício para o enredo do filme. Coisa de gênio, meus amigos!!

Daí, como eu já estava relaxado e nem ligava mais para o engarrafamento do trânsito, fui catapultado para lembranças da minha mocidade. Sim, Miles Davis provoca tudo isso! Sendo assim, eu acabei me recordando das dificuldades enfrentadas no primeiro emprego, bem como a escolha do magistério como profissão a ser assumida. Ah, foram tempos difíceis, é verdade. E muita adrenalina eu queimei até conseguir o meu lugar ao sol.

Então, embalado pelo inebriante trompete que, lentamente, foi entorpecendo os meus pensamentos, acabei desaguando nas preocupações típicas de um pai. É que o meu filho Gabriel está atravessando esses mares inquietos. Por ser recém-formado, ele ainda não conseguiu um emprego no ramo escolhido e foi trabalhar em algo bem distante da profissão desejada. Penso que será uma busca demorada. Pior ainda: ela requisitará muita obstinação e paciência até alcançar os objetivos dele.

Como pai, eu acabo sofrendo por tabela, torcendo para que ‘dias melhores’ apareçam e possam atenuar as dores do crescimento dele. É somente o que me resta.

No mais, quem sabe, eu possa sugerir que ele também ouça Miles Davis. Com sorte, talvez ele possa permitir ao coração pulsar no mesmo ritmo do sopro de Miles, como acontece em “Julien dans l’ascenseur”: aquele ritmo forte e angustiante, drenando o seu coração…

https://www.youtube.com/watch?v=Wc4tT-55ZzI