Ah, minha gente, eu só posso dizer que já faz muito tempo, sim, foi muito antes de eu nascer. E foi Cecília Meireles que escreveu o antológico poema “Retrato”. Nele, a fabulosa Cecília derrama toda sua indignação contra o implacável ‘esmeril’ do tempo. Vale a pena lembrar:
“Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?”
Acredito que esses versos me vieram à lembrança quem sabe por estar próximo ao aniversário de 74 anos? Além disso, é fato que eu estou experimentando as primeiras dores narradas no extraordinário poema. Vai saber? O que sei é que as pernas já não são as mesmas de outrora e reclamam o tempo de serviço prestado. Do mesmo modo, a visão já não consegue descortinar aquelas paisagens que em outros tempos eu me deliciava em apreciar. Pois é. Talvez, alguém venha em meu socorro para dizer que “esse processo é natural e não pode ser evitado, Carlos”. Tudo bem, eu sei disso. Mas, ainda assim, não me sinto confortado, meus amigos.
Apenas para ilustrar, lembro que na tardinha de ontem, eu saí para comprar materiais de construção para a reforma do banheiro. E na volta para casa, ao fazer uso da Via Expressa, com seu movimentado trânsito, eu me dei conta de que não estou enxergando bem e tenho dificuldades em fixar a visão no veículo da frente. Por ser portador de glaucoma e pingar cinco gotas diárias de colírios há mais de quinze anos, eu percebo que meus olhos estão exauridos de tanta química. Chego a acreditar que os meus dias de condutor de automóvel estão se encerrando. Afinal, não quero correr riscos desnecessários e nem provocar acidentes!
Por outro lado, também é verdade que a ‘maior idade’ me trouxe coisas preciosas. Como a capacidade de deixar as emoções fluírem mais intensamente em meu coração. Sim! Isto porque, quando se é jovem, parece que colocamos uma enorme barreira à nossa frente. De tal maneira, que o direito de viver as emoções fica quase interditado…
No entanto, não estou aqui a lamentar o meu destino. Muito ao contrário, sinto-me um privilegiado nessa vida. E tenho procurado ‘zelar’ pela minha trajetória fazendo o que está a meu alcance. Boa alimentação. Exercícios diários na academia de ginástica. E aproveitar, ao máximo, as vantagens da bendita aposentadoria: viagens, bons livros, filmes e amigos ao redor.
O resto… bem… o resto é com aquele senhor lá de cima. Digo isso porque se o meu pai chegou a completar 100 anos de vida, quem sabe a genética possa fornecer aquela preciosa ‘ajudinha’?!

( Imagem: a inesquecível Corfú, na Grécia )