AS HERANÇAS COMPARTILHADAS

Lembro que em 2001 eu ainda era fumante. Céus! Que maldição foi aquela?! E morava na bela Lagoa da Conceição, aqui em Florianópolis. Por sinal, tinham completados quatro anos que eu havia me mudado do Rio de Janeiro para essa ilha paradisíaca. Na bagagem, reconheço, além de muitas dores pelo fim do casamento, eu carregava também fortes esperanças em me redimir. Sim, no fundo, a gente sempre imagina que os caminhos serão alvissareiros e que atravessaremos todos eles com serenidade e galhardia.

Não é que passados dois anos, sem querer, eu encontrei o grande amor da minha vida?! E com ela pretendo viver o resto dos meus dias. Ah, não sem antes trazer ao mundo um lindo e desejado filho. O filho que tanta falta me fez nos dois casamentos anteriores. Pois é. O amor, pelo visto, resolveu me oferecer uma terceira chance e me presenteou com a chegada de Gabriel, ainda que eu não atinasse para o que isso representaria em minha vida. Somente aos poucos eu fui percebendo que aquela criança iria mudar o mundo. Ao menos, o meu mundo!

Logo de cara, ele me fez parar de fumar. Pudera! Afinal, era perceptível que se eu quisesse acompanhar a vidinha dele por um longo tempo, por certo, não conseguiria sendo fumante. O que eu não sabia era que a força do amor por um filho fosse capaz de retirar de mim tamanho apego tabagista. Representou o primeiro sinal de uma nova vida…

O diabo é que a gente não recebe da cegonha o ‘manual de instruções’. Daí, então, apanha um bocado na criação dos filhos. Paciência. Mas, se por um lado a gente comete uma infinidade de enganos na educação deles, por outro, vale a pena deixar aflorar os sentimentos escondidos nos escaninhos da paternidade. Isso porque, a eterna luta entre o ‘discurso’ e ‘prática’ acabam encontrando as soluções para cada embate.

De fato, eu acredito que errei bem mais do que acertei na educação do Gabriel. É algo que eu consigo perceber agora. Contudo, também percebo que a natureza humana é generosa o suficiente para ‘perdoar’ os deslises cometidos. Tanto é verdade, que hoje em dia, no auge dos seus 20 anos de idade, constato que ele se tornou uma criatura muito interessante. Dessas que dão orgulho em participar na trajetória dele. Aliás, um velho amigo, certa vez me sentenciou: “os filhos não são nossos, Carlos. São do mundo! E não há muito o que fazer por eles. Basta apenas não atrapalhar o caminho escolhido…”

Sendo assim, meus amigos, de um jeito ou de outro, acertando aqui e errando acolá, o que eu posso dizer é que Ednardo tinha lá muita razão. Afinal de contas, na peleja dessa vida, Gabriel precisará encontrar os parceiros certos para as empreitadas. Assim como necessitará aprender como estabelecer com a vida boas relações de confiança e conduzir o seu valioso destino. Aí, quem sabe, ele possa declarar o seu amor à vida, tão bem anunciado por Ednardo: “Não temas, minha donzela / Nossa sorte nessa guerra / Eles são muitos / Mas não podem voar…”

Gabriel, aos 6 meses de idade.

Na festa junina da Escola Autonomia, aos 7 anos.

Gabriel conosco em Paris, em 2019.