É atribuída a Arquimedes a declaração de que “Brincar é a condição fundamental para ser sério”. Isso, porém, não mudaria a certeza de que suas teorias sobre o “Centro de Gravidade” e a “Lei da Alavanca”, de fato, mudaram o mundo. Lá, isso é verdade!
No entanto, é preciso reconhecer que muita água passou por debaixo dessa ponte. Depois dele, por sorte, muitos outros gênios surgiram. Como um tal de Samuel Beckett, que resolveu ‘ressignificar’ aquela declaração. Para tanto, ele criou uma extraordinária novela, escrita em francês, bem no final de 1949, intitulada “À espera de Godot”. Céus! O livro e a peça teatral vieram nos confirmar como os ‘jogos’ são capazes de revelar as criaturas. Sim, meus amigos! Porquanto eles podem até ser perigosos, subversivos ou mesmo ‘absurdos’, mas, ainda assim, de algum modo, os jogos também servem para dar sentido às conversas e as interações.
Certo mesmo é que Beckett fez parte do conhecido “Teatro do Absurdo”, que surgiu no contexto de pós Segunda Guerra Mundial. Época em que a humanidade estava envolta por um clima de destruição, de pessimismo e descrença. Não somente descrença nos Homens. Mas, sobretudo, nas instituições, que não foram capazes de evitar a guerra e o insano fratricídio. É pouco provável que esse estilo teatral tivesse nascido no contexto de qualquer movimento artístico ou escola de teatro. O que ocorreu, de fato, foi que os artistas simplesmente escreveram peças que vieram a ser catalogadas de “absurdas”. Além do mais, ficou claro que isso se deu por conta da ausência de sentido, da negação e recusa política da história, da religião e da sociedade como elementos unificadores. Afinal, ao redor, tudo era fracasso, tudo era absurdo… Foram tempos difíceis, minha gente!
Pode-se até dizer que “À espera de Godot” representava o caos e as problemáticas existencialistas associadas às condições humanas de vida. Afinal, o belíssimo texto reflete, também, a quebra dos códigos linguísticos, que resultam numa incapacidade de transmitir ideias coerentes. Aliás, como pano de fundo, o tempo e o espaço são frequentemente incoerentes. Ou indefinidos. E o que resta, desafortunadamente, é apenas a solidão e o abandono como ‘alternativas’ para suprir a lógica do pensamento. Assim, tudo se torna confuso e esclarecedor. Ao mesmo tempo. Onde a esperança e a negação desenham os antagônicos vieses de qualquer discurso. Ou de qualquer sentimento. Em qualquer sociedade!
Por sinal, não foi à toa que eu peguei o livro para reler. Talvez, quem sabe, eu até acreditei que tivesse sido “por acaso”. Porém, o nosso prezado Doutor Freud, com um desconfiado sorriso estampado nos lábios, diria: “qual o quê, Carlos, nada é casual”! Isto porque, estando eu às vésperas de um grande desafio, já dei início ao processo de negar a indesejada presença de qualquer ‘sinistro’ em meu corpo. Do mesmo modo, as esperanças afloraram de modo incontido e sorrateiramente me conduzem para o labirinto criado por Godot. O jeito, então, é deixar tudo por conta de Vladimir e de Estragon. Eles se entendem!
O que sei é que de um jeito ou de outro não custa nada pedir ajuda aos céus. Para tanto, faço coro com o conterrâneo Ednardo – enquanto ele “engoma a calça” -, pois não me custa cantar:
“Porque cantar parece com não morrer / É igual a não se esquecer / Que a vida é que tem razão..”
(Imagem da magistral peça de Samuel Beckett, “A Espera de Godot”)
