(A querida Fátima Guedes, responsável pela expiação a seguir)
Ao longo dessa vida, algumas vezes eu me perguntei se nasci no tempo e local corretos. Isso porque, ultimamente, eu tenho visto tantas coisas ruins. Dessas, que minam as nossas emoções e nos derrubam. E o pior é que elas penetram de tal modo, que se não adquirirmos a capacidade de drenar tais dores, ah, a coisa se complica.
Quando se é jovem, de fato, temos a ingênua crença de que ‘aquilo tudo’ passará rapidamente. Logo a seguir, percebemos que não é bem assim. Ao contrário disso, certos movimentos são permanentes e, quando muito, mudam apenas a forma ou protagonismo, já que a ação continua a mesma.
Ao acompanhar o desenvolvimento do meu filho Gabriel, com os seus 22 anos de idade, eu me dou conta de que ele necessitará de muita sorte. Sim! Sorte e bons espíritos celestiais para protegê-lo. E ficar torcendo para que as escolhas dele sejam assertivas e proveitosas.
É importante salientar que nunca fui uma criatura pessimista. Não. Sempre confiei no meu destino e no que eu poderia ajudar. Assim, mantive-me atento e disponível, para que os processos emocionais pudessem adquirir um melhor encaixe e ordenação afetiva. Para tanto, paguei um preço justo por essa busca, nos sete anos de tratamento analítico. E deixei por conta dos búzios do destino a condução dessa jornada.
Só que ainda assim, dói. Dói muito, minha gente. Basta observamos os caminhos que esse mundo moderno tem nos apontado. Por certo, são tantas insanidades cometidas em nome do poder, da mais-valia, e das vaidades e perversões praticadas pelos quatro cantos do mundo… Céus, chega a ser quase ‘estúpido’ me considerar humano. Afinal, de que humanidade nós estamos nos referindo?
A minha sorte, se isso é verdade, foi ter aceitado a literatura como parceira fiel e encantadora. Pois é ela que enfeitiça a minha visão ficcional e põe na roda outros componentes. Vejamos:
“Por engano, vingança ou cortesia / Tava lá morto e posto, um desregrado / Onze tiros fizeram a avaria / E o morto já tava conformado…”
Pois então. Fátima Guedes é a autora magistral dessa obra-prima. E foi Elis Regina que emprestou o seu talento ao interpretar tão bem essa narrativa impactante sobre a violência urbana e a banalização da morte.
“Onze tiros e não sei porque tantos / Esses tempos não tão pra ninharia / Não fosse a vez daquele, um outro ia…”
Sobre o que e onde a letra dessa música está clamando? Qualquer lugar, creio. Em qualquer tempo. Que vai do asfalto do Rio de Janeiro aos confins da Palestina. Que passa ao lado da Ucrânia e resvala nas ruas da minha cidade natal, Fortaleza. Enfim, está em todos os cantos. Está em inúmeros discursos retóricos de líderes medíocres pelo mundo afora.
“Deus o livre morrer assassinado / Pro seu santo não era um qualquer um / Três dias num terreno abandonado / Ostentando onze fitas de Ogum.”
Ah, meu Padim Padi Ciço, socorra esse seu conterrâneo que hoje acordou ‘acometido de muitas dores’. Traga sossego ao meu espírito e ao meu coração. E, se não for pedir muito, meu Santo Padroeiro, benza os nossos conterrâneos e abra os caminhos para eles…
Eu peço desculpas aos leitores desavisados por essa ‘expiação’ quase involuntária. É que algumas vezes, confesso, eu necessito retirar essa ‘venda’ que muito nos cega!
Imagem da internet, Copacabana – Rio de Janeiro.
