ANTIGAS HISTÓRIAS – PARTE 1

Quase todos os dias da minha adolescência eu passava em frente ao prédio dela. Sempre com a esperança de poder observá-la na janela. Contudo, isso nunca acontecia… 

Nós estávamos em 1966 e eu tinha apenas 15 anos. E como todo e qualquer adolescente, eu sonhava com ela dia após dia. Nos meus sonhos, ah, que delícia, ela me oferecia sorrisos, carinho e profunda atenção. Porém, desafortunadamente, isto é algo que acontece somente nos sonhos. O diabo é que ninguém nunca me explicou porquê. Nunca!

Aliás, para início de conversa, esse ‘sonho’ tinha um nome e atendia pelo nome de Isabel. Ela foi a mais linda morena que os meus olhos contemplaram. Mas, para mim, ela sempre se chamou ‘Belinha’. Céus, onde estará aquela menina? Que rumo terá seguido na vida? Ah, meus amigos, eu daria tudo para ter notícias dela. Quem sabe poder trocar uma prosa, um sorriso ou um simples olhar? Saber se os seus sonhos se realizaram, se a vida foi generosa com ela… essas coisas que o ‘destino’ apronta.

O certo é que Belinha marcou para sempre a minha memória-afetiva, deixando um registro especial, pois desde o dia que bati os olhos nela, confesso, meu coração disparava e as pernas tremiam. Sempre!

Por ironia, quis o destino que esse amor fosse interrompido pelos meus medos. Uma pena, isso sim, porquanto eu era jovem demais para saber lidar com os sonhos. E os sonhos também podem nos assustar. Lamentavelmente. Porquanto o pai de Belinha era um general do exército, da chamada ‘linha dura’ e todas as vezes que o via, eu tremia dos pés à cabeça. E ele, como que adivinhando, olhava-me sempre com suspeição ou ‘rancor’.


No entanto, eu reconheço: fui erroneamente ‘bem-comportado’. Talvez devesse me rebelar, como o Chico Buarque e “romper com o mundo e queimar meus navios…” Porém, não lutei pelo afeto. Simplesmente aceitei o destino como se fosse uma sina. Sendo assim, acabei paralisado diante dos medos. E o que se sabe é que os medos são implacáveis com quem os sente. Sem remorsos ou piedade, os medos arrefecem os sonhos e tomam a desavisada criatura como refém, fazendo dela mais uma vítima. Com profundo lamento, eu declaro: foi o que me ocorreu.

Também é verdade que eu tinha apenas 15 anos e era uma criança cheia de esperanças na vida. Na escola, eu frequentava o grêmio estudantil e me iniciava na luta contra a opressão do regime, a ditadura. Eram tempos difíceis! Havia muito ‘medo’ pairando no ar. Apesar dos inúmeros fantasmas que nos rondavam, aquele período foi muito rico em vivências. Lá, isso foi! 

Até que um dia, sem nenhum aviso, Belinha mudou-se de bairro. E eu nunca mais tive notícias dela, apesar das incessantes buscas que empreendi. Sofri muito, é verdade. Chorei por sua ausência e me culpei pela falta de coragem. Meu Deus, por que foi mais fácil lutar por uma causa do que por um afeto?! Por que sempre é mais fácil morrer por uma ideologia do que viver por um grande amor? Por quê?!

Pois é, minha gente. Por aí vocês podem avaliar como demorei a ‘reencontrar’ os meus afetos. Perversamente, eles se extraviaram naquele dia em que abdiquei o amor de Belinha. E o mundo teve que girar um bocado para que eu pudesse ter de volta os meus afetos perdidos. Para tanto, precisei encontrar maravilhosas criaturas no percurso. E elas, ao me ofertarem abraços, foram responsáveis por essa recuperação. De alguma forma, esta crônica é dedicada a todas as pessoas que me estenderam a mão.

Resta dizer que, no fim das contas, a política estudantil pode ter ficado lá para trás, por causa do sucateamento das universidades públicas. Do mesmo modo, também ficaram para trás os amores não correspondidos, já que o tempo, como sabemos, é um esmeril forte e impiedoso. E não poupa ninguém. Hoje, minha gente, somente hoje é que eu sei disso.

Sorte a minha que continuo tendo ao lado o talento e a voz de Chico para me consolar: “Não se afobe, não / Que nada é pra já / O amor não tem pressa / Ele pode esperar / em silêncio / Num fundo de armário / Na posta-restante / Milênios, milênios ao ar…”

Nota: O saudoso “33” era o bonde que fazia o percurso “Lapa – Praça da Bandeira”, no velho Rio de Janeiro de minha adolescência.