JANELAS ABERTAS

Terça-feira, 12 de dezembro. Da janela do meu pequeno escritório eu vislumbro o ir e vir das pessoas. Geralmente, são pessoas tranquilas, dessas que não têm pressa na vida. E isso é muito bom: não ter pressa! Sim, se digo isso, é porque foram tantos anos perdidos na frenética corrida contra o tempo que, sem perceber, eu acabei me esquecendo de como viver.

Ao observar aquelas pessoas, eu me lembrei de um antigo vizinho de Copacabana, no Rio de Janeiro. Ele possuía o hábito de andar acelerado. Fosse em direção ao mercadinho do bairro ou ao banco pagar alguma conta, o passo dele era sempre ligeiro. Até que um dia, ao sair com a sobrinha mais jovem, ele ouviu a pergunta: “Tio, porque nós estamos correndo?” E o tio, sem pestanejar, respondeu: “Sei lá. E nós estamos correndo?!”

Dei um leve sorriso e fui até a cozinha para preparar um gostoso cafezinho. Rapidamente, voltei para o meu posto de observação, na janela do escritório. Aí foi a vez de ouvir o insuportável barulho de ‘bate-estaca’. É que a famigerada construtora não alivia a vizinhança, já que nem bem marcam oitos horas e eles já começaram. Por sinal, as pessoas deveriam manifestar a insatisfação com o barulho abusivo. Além do som estrepitoso do trânsito, só dessa construtora devem existir mais de cinco obras em andamento nesse momento. E o agravante é que eles não oferecem nenhuma melhoria para a comunidade. Sequer uma praça adotada ou benefícios para os moradores do bairro. São uns gananciosos, isso sim. E as prefeituras não cobram soluções e se tornam coniventes, interessadas muito mais em arrecadar tributos!

Logo a seguir, houve o encontro matinal das senhoras do condomínio. Interessante é que elas se arrumam da cabeça aos pés. Sempre com o “smartphone” numa mão e a coleira do cachorro na outra. Aí, então, sentam-se nos bancos e poltronas da entrada do prédio e dão início aos ‘trabalhos’. Ou seja: falar da vida dos outros. Ah, minha gente, ninguém escapa do olhar atento das “irmãs Cajazeiras”. Cada indivíduo ou casal que por ali passa, certamente, merecerá algum comentário cáustico. Ou irônico. Ou maledicente. Não há como escapar ileso… Fazer o quê?!

Por fim, já na minha hora de ir para a academia de ginástica e musculação, quando eu ia fechar as janelas, observei um pai jovem brincando com o seu pequeno filho. E pude perceber a imensa paciência que ele tinha ao repetir inúmeras vezes o desejo do filho de correr em sua direção, abraçando-o com sorrisos. Dava até para ouvir aquela vozinha adorável dizendo: “de novo, pai. Você me pega, tá?” Céus… eu senti um imenso prazer, talvez, porque tenha feito poucas vezes isso com meu filho. De fato! É que era muito ‘travado’ no trato afetivo. Como consequência, não me permitia interagir com a alegria dele. E sinto muita pena disso. Já meu neto teve mais sorte, porquanto pegou o avô em outro momento da vida…

O que posso dizer a vocês é que a vida é muito curta e passa ligeira demais. Então, não percam as raras oportunidades de ‘abrir as janelas’ e deixar que as emoções possam entrar em nossas casas. Se não for pedir muito, façam isso sem cerimônias!

NOTÍCIAS DO MUNDO

Eu tenho lido muitas coisas por aí. Coisas boas e outras nem tanto. Paciência. O certo é que há muita informação truncada e, quem sabe, até mesmo plantada com o objetivo de iludir e influenciar pessoas desavisadas? Sim, é verdade. Essa parece ser a grande ‘sina’ dos tempos modernos: o dom de iludir. Ah, isso me lembra a belíssima canção de Caetano, que diz:

“Não me venha falar na malícia de toda mulher / Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é / Não me olhe como se a polícia andasse atrás de mim / Cale a boca, não cale na boca notícia ruim / Você sabe explicar / Você sabe entender, tudo bem / Você está, você é, você faz / Você quer, você tem / Você diz a verdade e a verdade é o seu dom de iludir / Como pode querer que a mulher vá viver sem mentir…”

O que sei dizer é que foi atribuída ao famigerado Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha Nazista, a frase: “Uma mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade!” Pois, agora?! Pode até ser que em determinadas circunstâncias isso se mostre real, lamentavelmente, uma vez que inúmeros exemplos estão aí comprovando tal insanidade. No entanto, ainda que possa ser procedente, isso não nos afasta da percepção de que se trata de uma deformação. Uma grande deformação!

É bem verdade que cabe a cada um de nós ter a devida ‘acuidade’ no acolhimento dessas notícias ou “fake news”, como preferem alguns deslumbrados. Eu, por meu turno, irei sempre preferir a versão de Ariano Suassuna, quando disse: “Não troco o meu ‘oxente’ pelo “ok” de ninguém!”

Aliás, ontem à noite, eu lembrei que completaram 51 anos que o meu amado tio, Holdemar Menezes, recebeu o Prêmio Jabuti. Foi concedido a ele, em 1972, pela Câmara Brasileira do Livro, por conta do seu livro, “A Coleira de Peggy”. Céus… como eu amo aquele livro! De fato, ele me abriu as portas para mundo da literatura e da imaginação. E, de quebra, instigou-me a gostar de escrever…

Sim! Eu me lembrei disso ontem porque acompanhei a apresentação do TCC do meu filho Gabriel. E confesso a vocês que fiquei maravilhado com o bom português utilizado por ele durante a apresentação. De modo seguro e objetivo, Gabriel conquistou o grau dez conferido pela banca examinadora. Ah, para um pai apaixonado pelo filho e pelas letras, não há presente maior nesse mundo. Portanto, parabéns, filho querido!

Hoje à tarde, nós iremos receber em nossa casa os familiares para festejarmos essa etapa vencida por ele. E dessa forma, renovaremos as esperanças de que vale a pena lutar por nossos ideais, sejam eles quais forem. Só assim poderemos perpetuar, com orgulho, a nossa espécie. E mais uma vez eu evoco o pensamento do mestre Ariano Suassuna: “O sonho é que leva a gente para a frente. Se a gente for seguir somente a razão, fica aquietado, acomodado.”

FECHADO PRA BALANÇO

Quando a gente olha para trás, tentando resgatar alguma lembrança especial, é possível que vislumbremos alguns percursos realizados. Nesse momento, se estivermos atentos, poderemos perceber os erros e acertos cometidos durante a trajetória. Isso é algo interessante à medida que temos a oportunidade de corrigir algumas rotas ou comportamentos.

Eu não sei dizer quanto a vocês, amigos leitores, mas de vez em quando eu penso nisso. Certamente, não de modo obcecado. No entanto, eu procuro conservar o propósito de melhorar posturas e, com isso, poder oferecer aos outros algo mais valioso nas relações que estabelecemos.

Também é verdade que somos criaturas portadoras de muitas ‘heranças’. Algumas delas, é verdade, sequer tomamos consciência da invisível transferência ocorrida ao longo da vida. Pois é. Ao que tudo indica, o acervo emocional e intelectual da gente é bem variado!

Eu digo isso porque percebo que carreguei durante o caminho um sem-número de valores que eu não sei se eram meus. Pior ainda: eu repeti ações e comportamentos que, no fundo, não emanavam do meu ‘baú afetivo’, pois foram construídos em cima de modelos alheios. Inadvertidamente, reconheço. Até porque, o preço da ignorância ou da imaturidade emocional é, por vezes, demasiado alto e não damos conta dele. Tudo isso é uma grande lástima, convenhamos, pois permitimos que nos coloquem aquelas ‘bolas de prisioneiro’ atadas às nossas desavisadas pernas… Vai entender!?

De um jeito ou de outro, nós temos que reconhecer que há muitas heranças que deveríamos negar provimento. Em muitos casos, sem dúvida, elas só ocorreram porque não tivemos a necessária acuidade ou percepção. Como consequência, entramos no ‘vermelho’ e pagamos um alto preço por nossa distração. Bom seria se pudéssemos efetuar a contabilidade em tempo real, não acham? Com isso, desenvolveríamos o correto o ‘inventário’. Para que não se acumulassem indevidas entradas nessa preciosa conta corrente.

Desse modo, quem sabe, talvez conseguíssemos devolver aos ‘credores’ das nossas manifestações o quinhão que cabe a cada um deles? E, com sorte, ao aprender o ‘oficio da vida’, nós teríamos chances maiores?! Ah, eu acredito que somente assim nós devolveríamos aos ‘credores duvidosos’ o estorno das malfadadas transferências…

(Praia do Porto das Dunas, município de Aquiraz, no meu velho Ceará)

ANTIGAS HISTÓRIAS – PARTE 1

Quase todos os dias da minha adolescência eu passava em frente ao prédio dela. Sempre com a esperança de poder observá-la na janela. Contudo, isso nunca acontecia… 

Nós estávamos em 1966 e eu tinha apenas 15 anos. E como todo e qualquer adolescente, eu sonhava com ela dia após dia. Nos meus sonhos, ah, que delícia, ela me oferecia sorrisos, carinho e profunda atenção. Porém, desafortunadamente, isto é algo que acontece somente nos sonhos. O diabo é que ninguém nunca me explicou porquê. Nunca!

Aliás, para início de conversa, esse ‘sonho’ tinha um nome e atendia pelo nome de Isabel. Ela foi a mais linda morena que os meus olhos contemplaram. Mas, para mim, ela sempre se chamou ‘Belinha’. Céus, onde estará aquela menina? Que rumo terá seguido na vida? Ah, meus amigos, eu daria tudo para ter notícias dela. Quem sabe poder trocar uma prosa, um sorriso ou um simples olhar? Saber se os seus sonhos se realizaram, se a vida foi generosa com ela… essas coisas que o ‘destino’ apronta.

O certo é que Belinha marcou para sempre a minha memória-afetiva, deixando um registro especial, pois desde o dia que bati os olhos nela, confesso, meu coração disparava e as pernas tremiam. Sempre!

Por ironia, quis o destino que esse amor fosse interrompido pelos meus medos. Uma pena, isso sim, porquanto eu era jovem demais para saber lidar com os sonhos. E os sonhos também podem nos assustar. Lamentavelmente. Porquanto o pai de Belinha era um general do exército, da chamada ‘linha dura’ e todas as vezes que o via, eu tremia dos pés à cabeça. E ele, como que adivinhando, olhava-me sempre com suspeição ou ‘rancor’.


No entanto, eu reconheço: fui erroneamente ‘bem-comportado’. Talvez devesse me rebelar, como o Chico Buarque e “romper com o mundo e queimar meus navios…” Porém, não lutei pelo afeto. Simplesmente aceitei o destino como se fosse uma sina. Sendo assim, acabei paralisado diante dos medos. E o que se sabe é que os medos são implacáveis com quem os sente. Sem remorsos ou piedade, os medos arrefecem os sonhos e tomam a desavisada criatura como refém, fazendo dela mais uma vítima. Com profundo lamento, eu declaro: foi o que me ocorreu.

Também é verdade que eu tinha apenas 15 anos e era uma criança cheia de esperanças na vida. Na escola, eu frequentava o grêmio estudantil e me iniciava na luta contra a opressão do regime, a ditadura. Eram tempos difíceis! Havia muito ‘medo’ pairando no ar. Apesar dos inúmeros fantasmas que nos rondavam, aquele período foi muito rico em vivências. Lá, isso foi! 

Até que um dia, sem nenhum aviso, Belinha mudou-se de bairro. E eu nunca mais tive notícias dela, apesar das incessantes buscas que empreendi. Sofri muito, é verdade. Chorei por sua ausência e me culpei pela falta de coragem. Meu Deus, por que foi mais fácil lutar por uma causa do que por um afeto?! Por que sempre é mais fácil morrer por uma ideologia do que viver por um grande amor? Por quê?!

Pois é, minha gente. Por aí vocês podem avaliar como demorei a ‘reencontrar’ os meus afetos. Perversamente, eles se extraviaram naquele dia em que abdiquei o amor de Belinha. E o mundo teve que girar um bocado para que eu pudesse ter de volta os meus afetos perdidos. Para tanto, precisei encontrar maravilhosas criaturas no percurso. E elas, ao me ofertarem abraços, foram responsáveis por essa recuperação. De alguma forma, esta crônica é dedicada a todas as pessoas que me estenderam a mão.

Resta dizer que, no fim das contas, a política estudantil pode ter ficado lá para trás, por causa do sucateamento das universidades públicas. Do mesmo modo, também ficaram para trás os amores não correspondidos, já que o tempo, como sabemos, é um esmeril forte e impiedoso. E não poupa ninguém. Hoje, minha gente, somente hoje é que eu sei disso.

Sorte a minha que continuo tendo ao lado o talento e a voz de Chico para me consolar: “Não se afobe, não / Que nada é pra já / O amor não tem pressa / Ele pode esperar / em silêncio / Num fundo de armário / Na posta-restante / Milênios, milênios ao ar…”

Nota: O saudoso “33” era o bonde que fazia o percurso “Lapa – Praça da Bandeira”, no velho Rio de Janeiro de minha adolescência.

SUA BÊNÇÃO, MEU PADIM PADI ‘CIÇO’…

Foi Nonato Luiz, exímio violonista, que me assegurou a regra. Segundo ele, para se conhecer um cearense de verdade bastam apenas duas perguntas. A primeira é: “você gosta de mulher?” Se o cabra responder que sim, então, você volta à carga e arremata a segunda: “e de farinha?”, Daí, se ele soltar um retumbante “vixe!’, pronto: é sinal que você estará em frente a um legítimo pau-de-arara! Pois é. O que eu sei dizer é que tenho muito orgulho das minhas raízes cearenses, isso sim. E já encontrei ‘pau-de-arara’ em todo canto desse mundão de Deus. Só vendo como cearense é bicho nômade. Aparece em tudo que é lugar e em todas as atividades humanas…

Certa vez eu estava na fila dos correios na Basiléia, Suíça, em 1976, quando alguém começou a ‘mangar’ (no dicionário cearês é o mesmo que zombar!) da atendente que parecia mal-humorada pra ‘dedéu’.

– Olha só a cara dessa bichinha. Parece ‘abestada’!

Eu nem precisei falar nada. Dei apenas uma discreta risada e demonstrei a minha cumplicidade ao conterrâneo…

O fato é que tudo isso me lembrou o amigo Nonato Luiz, que há tempos não aparece por essas bandas. Para minha sorte, eu tenho aqui em casa uma bela coleção de CDs do Nonato, alguns deles enviados pelo meu primo Henilton, como esse maravilhoso “Baião Erudito”. Meu Deus do Céu, coisa linda!

O disco é em homenagem a Humberto Teixeira e Luís Gonzaga, que produziram uma obra extraordinária. E perene! Afinal, quem consegue ouvir o ‘pot-pourri’ de “Juazeiro – Assum Preto – Algodão” e não se emocionar com as ricas melodias? Isso sem falar de “Légua tirana”, que na interpretação de Nonato adquire profunda dramaticidade. Algo incrível, meus amigos!

No entanto, a música que mais me comoveu foi a faixa “Vida de viajante”. Sim! Além da beleza da melodia, a verdade é que ela também me remete ao apurado gosto que o cearense tem para viajar, viajar e viajar. O resultado não poderia ser outro: chorei um bocado com saudades do meu Ceará!!