“A PRINCESA DO MEU LUGAR”

O nosso abençoado poeta-cantador, Belchior, já nos disse em verso e prosa que “Se me der vontade de ir embora / vida adentro, mundo a fora / meu amor, não vá chorar / ao ver que o cajueiro anda florindo / Saiba que estarei voltando, princesa do meu lugar…”

Pois é, meu querido poeta. Eu precisei viver mais de setenta anos para me dar conta dessa incrível verdade, tão singular. E mais ainda: foi preciso voltar ao nosso velho Ceará para que eu pudesse fazer as pazes com a minha infância extraviada. Não que eu tenha rompido com ela. Decerto que não! Mas, saiba: eu precisava rever velhas paisagens que, com o tempo, foram desbotando insípidas memórias… Sei bem que, de algum modo, eu corri o risco de sofrer intensa dor, semelhante a de Belchior, quando cantou: “…E eu inda sou bem moço / pra tanta tristeza. / Deixemos de coisas, / cuidemos da vida, / senão chega a morte / ou coisa parecida, e nos arrasta moço / sem ter visto a vida / ou coisa parecida…”

Por sinal, nessa viagem, eu ainda tive a sorte de poder contar com a presença do meu centenário pai e do primo Robson, nosso anfitrião. Ao lado deles, nós fomos ao Aracati rever a casa da infância dos Menezes. Chegando lá, vimos que a região foi tombada pelo Patrimônio Histórico e, restaurada, adquiriu uma beleza sem par. Além disso, pude rever o maior rio do Ceará, o icônico Jaguaribe. E emocionado com a deslumbrante visão do rio e com a presença do meu pai, eu lancei naquelas águas a minha gratidão e o orgulho de ser nordestino. Talvez, eu devesse cantar: “Nunca mais meu pai falou: “She’s leaving home” / E meteu o pé na estrada, “like a rolling stone” / Nunca mais eu convidei minha menina / Para correr no meu carro, loucura, chiclete e som / Nunca mais você saiu à rua em grupo reunido / O dedo em V, cabelo ao vento, amor e flor, quede o cartaz?”

Então, por tudo que foi vivido, que foi celebrado e também pelo que deixou de ser, eu solto o meu grito: Viva o Nordeste! Viva o Ceará! Viva o meu centenário pai!

Papai, Robson, eu e o maravilhoso rio Jaguaribe, na foz do Aracati.