Eu não sei dizer como ocorreu isso e por que aconteceu. O fato é que de um tempo para cá ficou muito importante a questão da memória. Melhor dizendo, das memórias, já que são muitas. A começar pelo extraordinário trabalho de Salvador Dali – “A persistência da memória” – que inadvertidamente eu esqueci no apartamento da praia que vendi no ano passado. Pois é. Tudo bem que era apenas uma reprodução da fabulosa obra do mestre Dali. Contudo, a verdade é que ela me acompanhou nos últimos cinquenta anos de vida. Ah! Lembro até que eu adquiri a reprodução ao visitar o simpático Museu da Chácara do Céu, na Fundação Raymundo Castro Maya, em Santa Tereza, no Rio de Janeiro.
Na época, eu tinha pouco mais de vinte anos e morava na casa da querida “Tante” Charlotte e do “Oncle” Ernest, um fantástico casal suíço que me alugou um quarto na envelhecida casa que eles tinham na ladeira da Aarão Reis. Eu morei na casa deles por apenas um ano, o suficiente para me deliciar com as incontáveis descobertas que experimentei. Sim! Elas iam do majestoso rito do brinde com “Kir Royal” que “Oncle” Ernest preparava com refinado requinte, passando pelas aulas de jardinagem e aos artesanatos criados por ele: pura arte. Bem perto da gente, na sala de jantar, “Tante” Charlotte nos observava com brilho intenso nos olhos. Além disso, foi ela que me confidenciou quando me despedi da casa que aquele ano havia sido o mais feliz que eles haviam vivido. E que eu era o ‘culpado’ por aquilo. Céus, que saudades sinto deles e daquele período mágico!
Ah, eu estava contando sobre a gravura do espanhol Salvador Dali. É que o Museu da Chácara do Céu possuía um grande acervo de Portinari e Debret e, de quebra, o milionário Raymundo de Castro Maya reuniu outras obras por conta de suas tantas viagens internacionais. Por ser um espaço destinado a apreciação de sua vasta obras de arte, a fundação vendia aos interessados um sem-número de gravuras dos renomados artistas. Foi nessa ocasião que eu me identifiquei com a icônica obra de Dali, “A persistência da memória”. Ela foi produzida em 1931 e é uma pintura surrealista em que relógios se derretem, aparentemente por nada…
Lembrei também de Picasso, que pintou “Guernica” alguns anos depois, em 1937. Acredito que essas duas obras surrealistas sejam as mais famosas e apreciadas no mundo.
Talvez, alguém possa indagar: “Carlos, o que essa obra de Dali tem a ver com a sua crônica?” E eu responderei: tudo, minha gente. Tudo. Na verdade, isso faz parte do surrealismo que, seja na literatura ou nas artes plásticas, não há lógica ou racionalidade. Porquanto dá lugar a tudo que a mente criadora de um artista possa tirar do seu imaginário. Aliás, muitos críticos até buscam explicações nas teorias da psicanálise. Quem sabe Salvador Dalí quisesse mesmo desafiar o próprio tempo? Afinal, os relógios derretidos parecem mostrar que o tempo pode ser outro em diferentes situações. A minha querida mãe, Jarina Menezes, foi profunda admiradora e praticante do surrealismo de Dali. E passou boa parte de sua vida questionando o mundo ao seu redor.
Como hoje eu acordei com essas imagens na cabeça, então, aproveitei para reverenciar essas grandes criaturas. Todas elas. Abençoadas, sejam!

