“PAVÃO MISTERIOSO” E AS BRINCADEIRAS EXTRAVIADAS…

Nós temos um lindo neto, João Pedro, que possui apenas sete anos de idade. Céus… é o nosso xodó! E ele sabe bem disso. Aliás, uma vez por semana ele nos presenteia ao desejar dormir em nossa casa, aninhado com a gente. Como toda casa de avós que se preza, aqui ele se sente inteiramente à vontade. Para a nossa alegria!

O mais interessante é que somente após a chegada de João Pedro é que conseguimos entender o ditado de que “neto é um filho com açúcar”. Sim! Com certeza, isso é procedente e verdadeiro. Por conta disso, nós aceitamos o papel que nos cabe nessa incrível relação de elos afetivos. Afinal, acompanhar o crescimento dele tem sido algo profundamente prazeroso.

Por certo, o aspecto que mais chama a atenção na relação com o João Pedro diz respeito à questão lúdica, que surge a todo momento e nos deixa enredados nas propostas vindas dele. E digo isso, minha gente, porque estando eu com mais de setenta anos, convenhamos, é bem difícil acompanhar o ritmo de João Pedro. Prefiro, muitas vezes, ficar de fora observando e apreciando o desenrolar dos seus jogos e movimentos.

Quando estamos na casa dos pais dele, aí, sim, eu percebo por que JP é um menino tão feliz. Porquanto os seus pais são tremendamente participativos. Apesar do cansaço pela dura jornada de trabalho, sempre me encantei com o esforço que Mateus e Nathália empreendem para tornar a vidinha dele mais rica de vivências e experimentações. E isso é algo comovente.

Ocorre, também, que a gente acaba criando parâmetros de comparação e, só aí, eu realizo de que não fui um pai muito presente na infância do meu filho Gabriel. Eu posso até ter me esforçado para isso. Todavia, reconheço, deixei de interagir com meu filho em boa parte da infância dele. É algo que lamento. Muito! Mas que não posso mais recuperar, quando muito, desculpar-me pelas ‘ausências’ nos jogos e brincadeiras.

Eu acredito até que fui um pai que acarinhou bastante o filho, que buscou conversar e contar histórias para alimentar o imaginário de Gabriel. Porém, de fato, reconheço que pouco participei dos jogos e brincadeiras. Talvez, por temperamento, eu acabava sendo mais espectador do que participante. No fundo, ainda que de modo involuntário, foi uma falha minha.

Também é verdade que foram precisos muitos anos para que o ‘esmeril do tempo’ apagasse da memória afetiva as ausências de meu pai e meu avô. Do mesmo modo, por infortúnio, eles deixaram registros de pouca participação na minha infância. Paciência… Fazer o quê?!

No entanto, a minha esperança é que sendo nordestino, quem sabe, eu consiga encontrar escondido em algum cantinho da memória o ‘desejo’ de querer brincar?! Ainda que ele venha com bastante atraso, sim, é possível descobrir o quanto isso é ‘restaurador’. Ednardo, por exemplo, um velho conterrâneo cearense, já havia nos alertado para isso: “Pavão misterioso / Nessa cauda aberta em leque / me guarda moleque / de eterno brincar / Me poupa do vexame / de morrer tão moço / muita coisa ainda quero olhar…”

Ah! eu rogo a Deus que ainda consiga desvendar esse ‘véu’ que quase me cegou. E que possa percorrer esse encantado corredor em busca da criança que se perdeu no labirinto. Sim, meu querido ‘pavão misterioso’, traga-me de volta aqueles dias de incontida alegria. “Ai se eu corresse assim / Tantos céus assim / Muita história / Eu tinha pra contar.” Revele a mim, sem medo, lindo pavão, que o meu neto veio me desafiar. E provar que o tempo de brincar novamente bateu em minha porta…

Como consequência, “Não temas, minha donzela / Nossa sorte nessa guerra / Eles são muitos / Mas não podem voar!”

João Pedro e os avós

OS DEUSES DO OLIMPO

É bem verdade que a gente não foi criado para ‘perder’ os nossos entes mais queridos. Não! Isso é algo que somente as criaturas ‘superiores’ conseguem alcançar. E eu lamento não ter atingido esse patamar de compreensão e espiritualidade. Provavelmente, ainda terei que ‘remar mais um bocado’ para aperfeiçoar a minha condição. E isso leva tempo, algo que não disponho muito. Por vezes, não se configura em uma só vida… E aí, fazer o quê?!

Do mesmo modo, eu ouvi, ao longo da vida, que os pais nunca poderiam enterrar os seus filhos, porquanto fere a ‘ordem natural’. Tudo bem. Eu consigo entender e aceitar tal pensamento. No entanto, haverá alguém que indagará: e por que o contrário é aceitável? Por que os filhos devem ser mais fortes para aceitarem a perda dos pais?!

Nessa hora, eu lembro a canção de Fernando Mendes, que diz: “Não vejo mais você faz tanto tempo  /  Que vontade que eu sinto  /  De olhar em seus olhos, ganhar seus abraços  /  É verdade, eu não minto.  /  …Agora  /  Que faço eu da vida sem você?  /  Você não me ensinou a te esquecer…”

Pois é. O que eu sei dizer é que desde pequeno a gente aprende que os deuses olímpicos são divindades gregas que residem no Monte Olimpo. Melhor ainda: lá, no Monte Olimpo, os deuses gregos consomem ambrosia e néctar. Céus! Eu ia adorar viver ali, cercado de mimos, poderes e, de quebra, a ambrosia que tanto amo… Porém, vai ver que isso é proibido para os simples mortais como eu. Inda por cima, cearense cabra da peste, acostumado a rapadura e não as iguarias como aquelas. Paciência!

No fundo, o que importa nessa vida é a gente crescer. Por dentro e por fora. Com isso, poderemos desenvolver outras capacidades para dar conta de algumas demandas difíceis. Como é o caso da orfandade, cuja dificuldade presente em quase todos é a aceitar a dor como parte inerente desse momento.

Quanto a esse fato, reconheço que até hoje eu não aceitei a partida dos meus pais. Em especial da minha mãe, que viveu bem menos que ele. Por certo, os juízes de plantão dirão que eu terei que superar esse ‘trauma’ e me tornar um ‘sujeito normal’. Uma criatura bem resolvida. Será? Então, eu rogo a algum amigo leitor que me ensine o caminho das pedras. Para que eu possa redimir os meus enganos e alcançar um patamar mais confortável nessa vida.

Contudo, enquanto isso não acontece, o jeito é pedir ajuda a Dioniso. Sim, afinal, ele era o deus grego do vinho, das festas e da alegria. E por ser relacionado com a alegria humana, os gregos afirmavam que ele tinha sido o inventor do vinho e aquele que realizou o desejo do rei Midas, permitindo que ele transformasse tudo que tocava em ouro. O diabo é que eu não desenvolvi, nem de longe, esse talento de Dioniso. Tampouco tive a sorte grande de receber dele um ‘tracinho’ da capacidade ofertada a Midas. Muito ao contrário, uma vez que o pouquíssimo ouro que recebi como paga pelos meus trabalhos, com o tempo, acabaram sumindo ou virando pó. Ou indo parar na Receita Federal… Putz!   

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“A PRINCESA DO MEU LUGAR”

O nosso abençoado poeta-cantador, Belchior, já nos disse em verso e prosa que “Se me der vontade de ir embora / vida adentro, mundo a fora / meu amor, não vá chorar / ao ver que o cajueiro anda florindo / Saiba que estarei voltando, princesa do meu lugar…”

Pois é, meu querido poeta. Eu precisei viver mais de setenta anos para me dar conta dessa incrível verdade, tão singular. E mais ainda: foi preciso voltar ao nosso velho Ceará para que eu pudesse fazer as pazes com a minha infância extraviada. Não que eu tenha rompido com ela. Decerto que não! Mas, saiba: eu precisava rever velhas paisagens que, com o tempo, foram desbotando insípidas memórias… Sei bem que, de algum modo, eu corri o risco de sofrer intensa dor, semelhante a de Belchior, quando cantou: “…E eu inda sou bem moço / pra tanta tristeza. / Deixemos de coisas, / cuidemos da vida, / senão chega a morte / ou coisa parecida, e nos arrasta moço / sem ter visto a vida / ou coisa parecida…”

Por sinal, nessa viagem, eu ainda tive a sorte de poder contar com a presença do meu centenário pai e do primo Robson, nosso anfitrião. Ao lado deles, nós fomos ao Aracati rever a casa da infância dos Menezes. Chegando lá, vimos que a região foi tombada pelo Patrimônio Histórico e, restaurada, adquiriu uma beleza sem par. Além disso, pude rever o maior rio do Ceará, o icônico Jaguaribe. E emocionado com a deslumbrante visão do rio e com a presença do meu pai, eu lancei naquelas águas a minha gratidão e o orgulho de ser nordestino. Talvez, eu devesse cantar: “Nunca mais meu pai falou: “She’s leaving home” / E meteu o pé na estrada, “like a rolling stone” / Nunca mais eu convidei minha menina / Para correr no meu carro, loucura, chiclete e som / Nunca mais você saiu à rua em grupo reunido / O dedo em V, cabelo ao vento, amor e flor, quede o cartaz?”

Então, por tudo que foi vivido, que foi celebrado e também pelo que deixou de ser, eu solto o meu grito: Viva o Nordeste! Viva o Ceará! Viva o meu centenário pai!

Papai, Robson, eu e o maravilhoso rio Jaguaribe, na foz do Aracati.

A ‘FORÇA’ QUE EXISTE EM CADA UM

Meus amigos, pode ser que para muitos ‘isso’ não constitua surpresa. Mas que é algo intrigante, lá, é verdade. Sim! Eu me refiro às mudanças que ocorrem na trajetória de algumas pessoas. Porquanto é incrível perceber as guinadas que o ‘volante da vida’ apronta. Talvez, seja pura magia do universo. Acontecimentos que surpreendem e conspiram contra os destinos de muitas criaturas. Aliás, eu poderia começar essa crônica até mesmo por mim, pois já experimentei algumas vezes esse ‘toque mágico’ do universo. Então, deixem-me contar.

Quando eu era adolescente, ainda no curso ginasial, não possuía em mente nenhuma profissão a adotar. Acredito até que somente no último ano do ensino médio é que me bateu o desejo de ser ‘bioquímico’. Provavelmente, era influência da brilhante carreira que minha cunhada empunhava. Por conta disso, eu sonhava com aqueles incríveis laboratórios, cheios de vidros e bugigangas e me imaginava como um verdadeiro ‘cientista maluco’. Contudo, o sonho não suportou mais do que dois anos, uma vez que no segundo ano do curso de Bioquímica, da UFRJ, eu comecei a dar aulas de química no cursinho que havia estudado. E foi assim que eu dei início a uma longa carreira no magistério.

Do cursinho aos grandes colégios do Rio de Janeiro, ah, bastaram apenas cinco anos, meus amigos. Dali para frente, eu me senti verdadeiramente ‘professor’. Com mais um tempo, tornei-me um ‘educador’, e também fui coordenador de diversas escolas. Além disso, tenho a certeza de que ‘aprendi’ muito mais do que ‘ensinei’.

Nessa esteira do tempo, vieram o fim de um casamento, a aposentadoria especial e a grande chance de dar outra ‘guinada’ no volante da vida. Enfim, estava na hora de buscar novos ares. Daí, veio o desejo de vir para Florianópolis. E nessa terra abençoada, eu descobri que era capaz de encarar outras atividades. Foi quando me tornei ‘coordenador editorial’ de uma importante revista de São Paulo. E isso deu início ao gosto pela escrita. Comecei assim a escrever os primeiros textos sobre cinema e jazz. Passados dez anos, veio o primeiro livro publicado, “Jazz, Cinema & Utopia”. E mais treze anos anos para o segundo livro, “Os esconderijos da memória”.

Por outro lado, como fui professor por tantos anos, eu aproveitei a embocadura e comecei a ministrar cursos sobre a “História do Jazz”. E estes cursos abriram outras portas.

Por fim, tudo isso me fez recordar os maravilhosos filmes “Star Wars”. Céus! Lembrei-me até do diálogo entre o Obi-Wan Kenobi e Luke Skywalker, no primeiro episódio da série (Star Wars IV), ao declarar a Luke que ‘a força’ estava com ele.

Pois é. Somente hoje é que eu percebo que a ‘força’ está dentro de todos nós. Sim! Basta apenas que aprendamos a confiar em nosso potencial. A partir daí, convenhamos, a vida vai nos dando coragem e ousadia para encarar novos desafios…

A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA (*)

Eu não sei dizer como ocorreu isso e por que aconteceu. O fato é que de um tempo para cá ficou muito importante a questão da memória. Melhor dizendo, das memórias, já que são muitas. A começar pelo extraordinário trabalho de Salvador Dali – “A persistência da memória” – que inadvertidamente eu esqueci no apartamento da praia que vendi no ano passado. Pois é. Tudo bem que era apenas uma reprodução da fabulosa obra do mestre Dali. Contudo, a verdade é que ela me acompanhou nos últimos cinquenta anos de vida. Ah! Lembro até que eu adquiri a reprodução ao visitar o simpático Museu da Chácara do Céu, na Fundação Raymundo Castro Maya, em Santa Tereza, no Rio de Janeiro.

Na época, eu tinha pouco mais de vinte anos e morava na casa da querida “Tante” Charlotte e do “Oncle” Ernest, um fantástico casal suíço que me alugou um quarto na envelhecida casa que eles tinham na ladeira da Aarão Reis. Eu morei na casa deles por apenas um ano, o suficiente para me deliciar com as incontáveis descobertas que experimentei. Sim! Elas iam do majestoso rito do brinde com “Kir Royal” que “Oncle” Ernest preparava com refinado requinte, passando pelas aulas de jardinagem e aos artesanatos criados por ele: pura arte. Bem perto da gente, na sala de jantar, “Tante” Charlotte nos observava com brilho intenso nos olhos. Além disso, foi ela que me confidenciou quando me despedi da casa que aquele ano havia sido o mais feliz que eles haviam vivido. E que eu era o ‘culpado’ por aquilo. Céus, que saudades sinto deles e daquele período mágico!

Ah, eu estava contando sobre a gravura do espanhol Salvador Dali. É que o Museu da Chácara do Céu possuía um grande acervo de Portinari e Debret e, de quebra, o milionário Raymundo de Castro Maya reuniu outras obras por conta de suas tantas viagens internacionais. Por ser um espaço destinado a apreciação de sua vasta obras de arte, a fundação vendia aos interessados um sem-número de gravuras dos renomados artistas. Foi nessa ocasião que eu me identifiquei com a icônica obra de Dali, “A persistência da memória”. Ela foi produzida em 1931 e é uma pintura surrealista em que relógios se derretem, aparentemente por nada…

Lembrei também de Picasso, que pintou “Guernica” alguns anos depois, em 1937. Acredito que essas duas obras surrealistas sejam as mais famosas e apreciadas no mundo.

Talvez, alguém possa indagar: “Carlos, o que essa obra de Dali tem a ver com a sua crônica?” E eu responderei: tudo, minha gente. Tudo. Na verdade, isso faz parte do surrealismo que, seja na literatura ou nas artes plásticas, não há lógica ou racionalidade. Porquanto dá lugar a tudo que a mente criadora de um artista possa tirar do seu imaginário. Aliás, muitos críticos até buscam explicações nas teorias da psicanálise. Quem sabe Salvador Dalí quisesse mesmo desafiar o próprio tempo? Afinal, os relógios derretidos parecem mostrar que o tempo pode ser outro em diferentes situações. A minha querida mãe, Jarina Menezes, foi profunda admiradora e praticante do surrealismo de Dali. E passou boa parte de sua vida questionando o mundo ao seu redor.

Como hoje eu acordei com essas imagens na cabeça, então, aproveitei para reverenciar essas grandes criaturas. Todas elas. Abençoadas, sejam!