MUITO  ALÉM DA FANTASIA

Já faz um tempinho que venho escrevendo sobre cinema. E, confesso a vocês: para mim esta tarefa tem sido muito prazerosa. Isto porque falar sobre cinema é falar sobre arte e, como se sabe, o cinema é reconhecido como a sétima arte. Aliás, com muita justiça. Afinal, foram muitos os atores e diretores que emprestaram seus talentos às filmadoras. Criaturas que buscaram ‘imitar a vida’ por intermédio da arte. Conseguindo retratá-la, recriá-la ou até mesmo subvertê-la. Porquanto assim é o cinema: aquela tela ‘encantada’ capaz de proporcionar a grande catarse coletiva. Seja para nos transportar no imaginário das histórias e nos emocionar com a fantasia, seja para denunciar a nossa recorrente dificuldade de sonhar. O que eu posso dizer é que o cinema nos oferece a rara possibilidade de lavar a nossa alma. Céus… Que maravilha!

Se uma pessoa é capaz de se modificar a partir de um bom filme ou livro fora do comum, é sinal de que ela possui sensibilidade necessária ao crescimento. E quando essa mesma criatura também é capaz de crescer a partir de um relacionamento marcante ou por conta de um acontecimento especial, então, é sinal que já foi ‘tocada’. Melhor ainda: deixou-se ‘tocar’. Sim! É preciso reconhecer que este é um momento mágico. Momento de apurado valor espiritual, uma vez que raramente deixamos acontecer, o que é uma pena. Pode-se dizer que foi estabelecido nesse momento o real processo da ‘purificação’. De fato! É que nessas horas, nós conseguimos harmonizar a nossa alma e, de alguma maneira, deixamos vazar o lado mais sensível que há nela. Por sinal, quantas pessoas conhecemos nessa vida que não permitem isso? Pior ainda: quantas nem sequer ‘atinam’ para a beleza desse movimento? Muitas, lamentavelmente. Tornam-se os verdadeiros errantes!

O nosso estimado poeta, Vinícius de Moraes, orgulhosamente nos dizia que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Com certeza, meu poeta, uma vez que observamos que a grande ‘dificuldade’ dos homens é exatamente ‘viver’ e, com isso, se encontrar. Poucos conseguem. Desafortunadamente, a grande maioria se desencontra e apenas ‘sobrevive’…

Riobaldo, personagem icônico de Guimarães Rosa, dizia com extrema propriedade: “Viver é muito perigoso!” Pois é, companheiro… talvez seja. No entanto, assim como ele se atreveu no proibido afeto que sentia por Diadorim, nós também precisamos ‘ousar’. Só que para isso, nós precisamos nos ‘expor’ ante a vida, se desejamos nos emocionar com ela. Caso contrário, cumpriremos o percurso de forma previsível e enfadonha, sem jamais percebermos as belezas espalhadas nos caminhos que trilhamos.

Também é verdade que a grande sabedoria humana não está registrada em nenhuma enciclopédia, visto que é algo subjetivo e requer sensibilidade. É bem provável que a ‘sabedoria’ desta vida esteja em aprender a ler o livro, o ‘livro da vida’, de forma correta. O acesso a esse invisível livro é aparentemente fácil. Contudo, são raras as criaturas que alcançam esta capacidade e que desfrutam desse Nirvana. De modo geral, o que se percebe é que somente as pessoas iluminadas ou aqueles indivíduos ousados são capazes de decodificar o livro da vida. Com isso, ah, eles não só se deliciam com a mágica leitura como também nos proporcionam ‘mensagens especiais’. Então, deixo aqui um convite especial: que tal abrir o seu coração e se desarmar com as outras pessoas? Que tal modificar um pouco a sua rotina em favor de novas descobertas?! De minha parte, juro, eu torcerei pelo seu êxito. Basta que confie em você e no mar tranquilo que lhe aguarda pela frente!

Ao meu velho e querido pai (aonde estiver).

Meu pai,
dá-me os teus velhos sapatos
manchados de terra
dá-me o teu antigo paletó
sujo de ventos e de chuvas
dá-me o imemorial chapéu
com que cobrias a tua paciência
e os misteriosos papéis
em que teus versos inscreveste.
meu pai,
dá-me a tua pequena
chave das grandes portas
dá-me a tua lamparina de rolha,
estranha bailarina das insônias
meu pai, dá-me os teus
velhos sapatos.

( Vinicius de Moraes )