UÍSQUE PARAGUAIO

Sim, é verdade! Eu nasci em Fortaleza, no Ceará, nos idos de 1951. No entanto, confesso a vocês: no meu imaginário, ah!, eu devia ter nascido em 1851, às margens do Mississipi, em New Orleans. E ao completar seis anos de idade, por certo, eu receberia de meus pais um trompete de presente. Porém, paciência! Quis o destino que eu nascesse cem anos depois e às margens do barrento Jaguaribe, no velho Ceará. Pior ainda: não recebi presente algum de aniversário… Com sorte, apenas um aperto de mão.

Não, meus amigos, eu não estou aqui a reclamar da infância distante e tampouco das minhas raízes nordestinas. No fundo, eu tenho até muito orgulho de ser pau-de-arara. Porquanto isso legitima as vocações, restituindo o ‘espírito guerreiro’ que há em mim. Ao menos, já houve. De fato, com o passar dos anos, eu percebo que a gente vai perdendo um pouco daquela fibra e da coragem. E como agravante, o diabo desse uísque paraguaio me pegou de jeito e botou as emoções na roda. Aí, sabe como é?! Troquei o disco de “blues” que estava ouvindo e coloquei o conterrâneo Belchior para cantar:

“Meu bem, mas quando a vida nos violentar / Pediremos ao bom Deus que nos ajude / Falaremos para a vida / Vida, pisa devagar, meu coração, cuidado, é frágil / Meu coração é como vidro, como um beijo de novela…”

Ainda assim, eu lhe digo: se eu tivesse nascido no Mississipi, tudo seria diferente. Pois eu teria ao meu lado outros amigos. Sim! E talvez, nesse momento, eu estaria ouvindo Mahalia Jackson cantar “Just a closer walk”. Coisa linda! Mahalia cantaria com a mesma emoção dos “bluseiros” do velho Mississipi em New Orleans.

O que sei dizer é que ainda continuo sonhando com o trompete. Céus! Eu ali, sentado nas improvisadas cadeiras, esperando que alguma alma solidária apreciasse o som e nos oferecesse sorrisos, palmas e, de quebra, algum dinheirinho para o almoço que insiste em reivindicar o atendimento.

Pois é. Destino é destino e não se pode cobrar muito dele, não é verdade? Além do mais, não estou aqui para reclamar de nada. Muito ao contrário. Eu acredito que tenho recebido bem mais dessa vida do que mereço. E de mais a mais, convenhamos, a nossa missão nesse percurso, quando muito, é procurar aprender a ‘soletrar o mundo’ de modo correto.

Se tivermos um bocadinho de sorte, eu acredito que chegará o dia em que poderemos ler tudo aquilo que aprendemos no caminho em voz alta. Oxalá, meu bom Senhor!