Naquele bairro, ele era conhecido como “Professor Pardal”. E todos os vizinhos tinham muito apreço por ele e por sua esposa. É que, invariavelmente, às seis da manhã, eles iniciavam os exercícios de aquecimento e a posterior corrida de dez mil metros. Isso representava o equivalente a dez voltas completas pelo quarteirão no bucólico bairro em que moravam.
Após os exercícios, que terminavam por volta das sete e meia, eles voltavam para casa. Tomavam um demorado banho e se sentavam para o longo e saboroso café da manhã. Muitas frutas, cereais, pães e torradas e iogurtes naturais. Daí, cada um ia para o seu canto, ou seja, papai abria a sala de música e mamãe deitava-se na rede cearense de tucum e lia as notícias de artes no segundo caderno do jornal, antes de ir para o seu ateliê.
O que eu posso dizer é que a rotina daqueles dois, seguramente, era prazerosa e bastante movimentada. Sim! Ninguém jamais duvidou da excelente ‘qualidade de vida’ que eles usufruíam. Aliás, tanto o seu Holbein quanto Dona Jarina eram altamente bem-informados e ‘antenados’ no mundo moderno. Isso, é claro, sem perder de vista os valores serenos que eles elegeram como prioritários.
Os seis filhos já estavam formados e encaminhados e, com isso, meus pais tinham todo o tempo do mundo para os interesses escolhidos. Papai, por exemplo, estava sempre às voltas com alguma experiência sonora. Para tanto, ele montava e desmontava o sistema de som, inúmeras vezes. Ora introduzindo alguma modificação ou troca de cabos ou componentes. Ora promovendo ‘novos’ equipamentos desenvolvidos por ele. Segundo dizia, somente assim ele iria encontrar o “som de reprodução ideal”, isto é, o mais próximo possível da reprodução ao vivo, presencial.
Já a minha mãe, por seu turno, trabalhava em algum novo projeto artístico, fosse desenho ou à óleo. E o mais interessante no seu processo criativo é que, invariavelmente, ela se envolvia com mais de um trabalho. Ao mesmo tempo. Isto porque, quando percebia que alguma ideia ‘travava’, ela o deixava em banho-maria e assumia outro desafio pela frente. Desse modo, a sua produção artística era intensa e prazerosa.
O mais importante de tudo não foi ver minha mãe recebendo a ‘medalha de ouro’ no Salão Brasileiro de Desenho. Tampouco saber do sucesso da publicação de um artigo técnico sobre ‘reprodução sonora’ em uma revista de grande circulação entre os audiófilos. Importante mesmo, cá entre nós, era constatar que os nossos pais eram felizes. Sim! Felizes naquela vida e, quem sabe, na ‘nova vida’ que eles usufruem agora… E isso não tem preço!

PS. Na foto, mamãe, meu filho Gabriel e papai em momento de deleite.