Vejam vocês: foi preciso viver setenta anos para descobrir que essa bela melodia de Elis Regina, de algum modo, sempre esteve ao meu lado. Sim! Ainda que eu não fosse capaz de perceber muitas coisas quando elas ocorreram. Foi uma lástima, à medida que deixei extraviar o entendimento sobre a minha vida. E somente tempos depois é que eu fui me dar conta dos movimentos internos e externos ocorridos à minha revelia… Paciência!
Decerto, eu não culpo ninguém por isso. É da vida. Porquanto os acontecimentos e a história não pedem atestado de antecedentes… Eles simplesmente ‘acontecem’! E sem nos dar explicação alguma. Na realidade, eu é que deveria ter desenvolvido um melhor senso de observação. Ao menos, mais apurado a ponto de ‘acompanhar’ os fatos, os desdobramentos e, principalmente, suas consequências.
Ferreira Gullar, o nosso encantado poeta, foi mais feliz nesse aspecto, pois conseguiu compreender os conflitos que cercavam sua vida. Daí porque pode declarar no poema “Traduzir-se”:
“Uma parte de mim é todo mundo: / outra parte é ninguém: fundo sem fundo. / Uma parte de mim é multidão: / outra parte estranheza e solidão. / Uma parte de mim pesa, pondera: / outra parte delira.”
Pois é. Sorte a dele. Sorte por ter identificado esses ‘dualismos’, tão presentes em cada um de nós, e deles conseguiu tirar proveito. Pudera! No fundo, somos todos sujeitos à semelhantes trajetórias. O que nos diferencia, quando muito, é a capacidade de percepção do que está ao redor… Tão somente!
Ah, é bem verdade que a vida é traiçoeira e, muitas vezes, não perdoa os ‘desavisados’. Lembro que na minha infância distante, o meu avô costuma declarar: “o segredo da vida é nascer burro, criar-se ignorante e morrer de repente.” Céus! Eu confesso que isso me impressionou durante um punhado de anos. Pelo menos, até o dia que eu pude compreender que se tratava muito mais de uma frase de efeito do que uma verdade universal…
Há quem acredite que tudo isso faça parte da nossa seleção natural. Porque no fim das contas, somos nós que devemos desbravar esses labirintos. Fazendo uso das ferramentas que conseguirmos acumular. Ou construir. Mesmo que para isso seja necessário repassar velhas histórias. E, com isso, observá-las mais uma vez, buscando identificar o que foi verdadeiro e o que foi ‘alegoria’. Convenhamos: todos nós temos inúmeros episódios para rever. O jeito, então, é arregaçar as mangas e ir à luta! O resto… bem… o resto é paisagem e, com o tempo, vira até mesmo ‘folclore’.
Elis Regina nos mostrou isso, com cores vivas:
“Descobri que as coisas mudam / E que tudo é pequeno nas asas da Panair… / … O medo em minha vida nasceu muito depois… / Descobri que minha arma / é o que a memória guarda / dos tempos da Panair…”

