A LONGA CAMINHADA – Parte 5

Meu pai me contou que a primeira vez que viu minha mãe, ela estava sentada em uma cadeira na porta da casa em que morava. Ao olhar para ela, sentiu um forte solavanco no peito. Sentiu, também, uma quentura no rosto, algo que ele jamais havia experimentado na vida. Por conta disso, procurou caminhar com passos lentos na esperança de receber um novo olhar. E aconteceu. Acompanhado de um tímido sorriso, aquela moça lançou mais um olhar em direção a ele, confirmando que o ‘encontro’ ocorrera.

“E agora penso na réstia / Daquela luz amarela / Que escorria do telhado / Pra dourar os olhos dela…”

Como aquele era um dos caminhos que meu pai utilizava para ir ao trabalho, a partir daquele dia, sim, tornou-se ‘roteiro obrigatório’. E assim permaneceu, até que decorridos dois meses, ele resolveu parar para perguntar o nome dela. Tremendo de emoção, ela respondeu: eu me chamo Jarina. Céus… que vontade de manter a conversa. Contudo, o olhar das irmãs ao lado avisava sobre o grande perigo.

Não é difícil presumir os artifícios que ele utilizou para estabelecer um convívio. Certo mesmo é que ele precisou de muita coragem para pedir permissão de namoro ao pai de Jarina. Sim! Foi um gesto muito ousado, porquanto ele tinha apenas 20 anos e ela 16. No fundo, eram dois adolescentes, sem nenhuma experiência na vida. Porém, ‘enfeitiçados’ pelo amor!

“Lembro um flamboyant vermelho / No desmantelo da tarde / A mala azul arrumada / Que projetava a viagem…”

Oito meses após o primeiro encontro, meu pai e minha mãe se casaram. Visivelmente apaixonados. No entanto, a vida do casal era de muita dureza. Ainda mais porque eles acolheram dois irmãos caçulas de minha mãe, uma vez que o vovô João ficara viúvo.

A partir daí, vieram os filhos. Um atrás do outro, até completarem seis. Com isso, a cada ano e meio minha mãe acalentava uma nova criança nos braços. Eu imagino que não deva ter sido fácil para eles, mas ainda assim seguiram em frente. Sempre com determinação e muito amor. Até mesmo quando o destino pregou uma peça e ‘infringiu’ a perda de um dos filhos. Ah, foi um duro golpe, é verdade. E Jarina sentiu isso! Demasiadamente. Extraviando em alguns momentos até mesmo o apego pela vida…

No entanto, papai teve que se virar para dar conta de tantas demandas. E a principal delas, sem dúvida, era recuperar a sanidade emocional de mamãe. Para tanto, ele a conduziu a inúmeras terapias, até encontrar a que conseguiu ‘restaurar’ as emoções de sua companheira. Um processo longo e sofrido, mas que trouxe respostas adequadas.

“Recomeçando das cinzas / Vou renascendo pra ela / E agora penso na réstia / Daquela luz amarela…”

O mundo, então, girou mais um bocado. Papai e mamãe atravessaram uma vida intensa e desafiadora. Acertando aqui e errando acolá. O certo é que os dois sempre mantiveram as mãos dadas. Literalmente. Com isso, tornaram-se cúmplices em diversos projetos. E criaram um espectro de amor que, certamente, os filhos e netos haverão de se orgulhar. Só que o ‘destino’ novamente pregou uma peça e Jarina foi chamada precocemente. Assim, ela deixou meu pai profundamente desnorteado, além dos filhos órfãos.

“E agora penso que a estrada / Da vida, tem ida e volta / Ninguém foge do destino / Esse trem que nos transporta.” (*)

Tempos depois, foi a vez do meu pai se despedir da vida, tendo completado cem anos de existência. O que eu posso dizer é que a história de Jarina e de Holbein não é apenas uma bela história de amor. Bem mais do que isso, ela revela tudo que fica em nosso redor: amor, paixão, dignidade e respeito. E nada mais tem importância. Afinal, eles finalmente se reencontraram… só que em outro plano da existência!

PS. *Alceu Valença, nosso menestrel, acolheu nos versos do seus “Sete desejos” o entendimento desse maravilhoso encontro!