A LONGA CAMINHADA – Parte 1.

Eu bem sei que em diversos momentos nós discordamos nas opiniões. Algumas vezes, até mesmo brigamos e ficamos de mal um com o outro. Porém, verdade é que isso não resistia muito tempo, uma vez que éramos criaturas parecidas. É o tal negócio: dizem que os contrários se atraem e os semelhantes se repelem. No entanto, é preciso reconhecer que isso funciona bem nas ciências naturais. Mas não na vida, pai!

Sim! A vida é outra coisa e você sabia disso. Nela, não há regras infalíveis. Não existem soluções definitivas e tampouco previsões certeiras. Na vida, convenhamos, tudo é relativo. Por sinal, pode-se até dizer que a única regra que vale é aquela que assegura que ‘não há regras intransponíveis’. Ou seja: não há limites e nem receitas de bolo a seguir…

Dito isso, nós podemos conversar a respeito de outras coisas, quem sabe mais importantes para os Menezes? A começar, por exemplo, sobre o que significa ser um “Menezes”. Céus! Eis aí um tema que eu entendo bem, pois paguei um alto pedágio para dar conta dessa herança. Afinal, diversas vezes eu tropecei nesse invisível ‘tapete’. Tanto que, em certa altura, eu não conseguia mais caminhar com as próprias pernas. E não fosse a ajuda cuidadosa do Alexandre Kahthalian, por certo, eu estaria até hoje em sérios apuros…

Contudo, é preciso dizer que não lhe culpo por nada disso, uma vez que você foi vítima, tanto quanto eu, dessa forte e complicada ‘demanda’ interior. Basta lembrar a figura do seu pai, meu avô Ezequiel. Ah, eu não sei dizer quanto aos irmãos, mas eu não tenho boas lembranças dele, meu pai. E olha que foi o único dos quatro avós com quem convivi.

Por força da época, os filhos tinham muito pouca importância para os pais. Decerto, eram apenas ‘enfeites’ que ornavam a sala de jantar dos Natais familiares. Ainda mais em famílias numerosas feito a nossa. Aliás, quando o vovô resolvia passar o Natal conosco, Meu Deus do Céu, era um verdadeiro martírio para nós netos, uma vez que a única coisa importante a fazer seria não ‘desagradar’ o velho Ezequiel. No entanto, devemos reconhecer que isso era algo inatingível, meu pai. Pois nada agradava ao homem. Somente a vaidade que vazava por todos os poros dele!

Os longos ‘discursos’ de Natal só não eram piores que os ‘presentes’ que recebíamos (uma nota de cinco cruzeiros que mal dava para comprar um pacote de figurinhas ou uma goma de mascar). E você, pai, sabia que aquilo era uma farsa, mas não conseguia dizer não. E esse rito, então, perdurou por décadas. Hoje, eu fico imaginando que possivelmente você nunca teve uma ‘conversa’ com o seu pai. Nunca discordou dele numa prosa familiar… Foi uma pena. Para todos nós!

Sim, eu estava querendo falar sobre os “Menezes” e os traços comuns na família. E devo reconhecer o alto valor que percebo na personalidade deles. Geralmente, são criaturas bem racionais e que fazem uso da racionalização como instrumento de autodefesa. Normalmente, apresentam um ‘discurso’ bem estruturado ainda que a serviço do escapismo afetivo ou emocional. Muitas vezes eu me pilhei desenvolvendo um conjunto de argumentos para justificar uma simples ‘vontade’ de fazer algo. Um desejo, um pulso, tão-somente!

 Foram necessários sete anos para desmontar tais baterias ‘antiaéreas’ e permitir que as emoções pudessem ter voz dentro de mim. É que, por certo, tive que enfrentar fortes tendências, manias incrustadas e até mesmo esdrúxulas razões tomadas como ‘o jeito de cada um’. Pois é, meu pai. É uma tarefa penosa e que se arrasta por longo tempo.

Depois disso, vem o casamento, filho e o escambau. Os roteiros adquirem outros aspectos, muitas vezes, surpreendentes. E a gente, mais uma vez, é colocado à prova. Daí, são novas provocações, novos desafios e a sina de Riobaldo, do velho Guimarães Rosa, permanece afirmando: “Viver é muito perigoso!”

Então, o que me vale nessa conversa que estamos tendo, é reconhecer o legado que você deixou e saber como fazer bom uso dele. Com sorte, meu filho haverá de empunhar outras bandeiras. Bem mais interessantes e que possam ensejar progressos no DNA emocional da família. De minha parte, confesso, acompanharei essa tendência com entusiasmo e esperança…

(continua)