AS VOLTAS DO CORAÇÃO

Amaral contou que a primeira vez que a viu, ela estava sentada em uma cadeira na porta da casa em que morava. Foi quando olhou para ela e sentiu o solavanco no peito. Sentiu, também, uma forte quentura no rosto, algo que ele jamais havia experimentado. Por conta disso, ele procurou caminhar com passos lentos na esperança de receber um novo olhar. E aconteceu. Acompanhado de um tímido sorriso, a moça lançou mais um olhar em direção a ele, confirmando que o ‘encontro’ ocorrera.

E agora penso na réstia / Daquela luz amarela / Que escorria do telhado / Pra dourar os olhos dela…”

Como aquele era um dos caminhos que Amaral utilizava para ir ao trabalho, a partir daquele dia, sim, tornou-se ‘roteiro obrigatório’. E assim permaneceu, até que decorridos dois meses, ele resolveu parar para perguntar o nome dela. Tremendo de emoção, ela respondeu: eu me chamo Anita. Céus… que vontade de manter a conversa. Contudo, o olhar das irmãs avisava sobre o grande perigo.

Não é difícil presumir os artifícios que Amaral utilizou para estabelecer um convívio. Certo mesmo é que ele precisou de muita coragem para pedir permissão de namoro ao pai de Anita. Sim! Foi um gesto muito ousado, porquanto ele tinha apenas 20 anos e ela 16. No fundo, eram dois adolescentes, sem nenhuma experiência na vida. Porém, ‘enfeitiçados’ pelo amor!

“Lembro um flamboyant vermelho / No desmantelo da tarde / A mala azul arrumada / Que projetava a viagem…”

Oito meses após o primeiro encontro, Amaral e Anita se casaram. Visivelmente apaixonados. Já a vida do casal, no entanto, era de muita dureza. Ainda por cima, eles acolheram os irmãos caçulas de Anita, uma vez que o pai dela ficara viúvo.

A partir daí, vieram os filhos. Um atrás do outro, até completarem seis. Com isso, a cada ano e meio Anita acalentava uma nova criança nos braços. Imagino que não deva ter sido fácil para eles, mas seguiram em frente. Sempre com determinação e muito amor. Até mesmo quando o destino pregou uma peça e ‘infringiu’ a perda de um dos filhos. Um duro golpe, é verdade. E Anita sentiu isso demasiadamente, extraviando em alguns momentos o apego pela vida…

No entanto, Amaral teve que se virar para dar conta de tantas demandas. E a principal delas, sem dúvida, era recuperar a sanidade emocional de Anita. Para tanto, ele a conduziu a inúmeras terapias, até encontrar a que conseguiu ‘restaurar’ as emoções de sua companheira. Um processo longo e sofrido, mas que trouxe respostas adequadas.

“Recomeçando das cinzas / Vou renascendo pra ela / E agora penso na réstia / Daquela luz amarela…”

O mundo, então, girou mais um bocado. Amaral e Anita atravessaram uma vida intensa e desafiadora. Acertando aqui e errando acolá. O fato é que os dois sempre mantiveram as mãos dadas. Literalmente. Com isso, tornaram-se cúmplices em diversos projetos. E criaram um espectro de amor que, certamente, os filhos e netos haverão de se orgulhar. Só que o ‘destino’ novamente pregou uma peça e Anita foi chamada precocemente. Assim, ela deixou Amaral profundamente desnorteado, além dos filhos órfãos.

“E agora penso que a estrada / Da vida, tem ida e volta / Ninguém foge do destino / Esse trem que nos transporta.” (*)

O que sei dizer é que a história de Anita e de Amaral não é apenas uma bela história de amor. Bem mais do que isso, ela revela tudo que fica em nosso redor: amor, paixão, dignidade e respeito. E nada mais tem importância!

PS. *Alceu Valença, nosso menestrel, estabeleceu com os “Sete desejos” a trilha sonora desse maravilhoso encontro!

“ESTÁCIO”, MEU VELHO E QUERIDO AMIGO…

Ah! meu velho Estácio, quantas vezes eu evoquei você em pensamento. Isto porque, saiba, foi você o responsável por quase tudo que aprendi. E continua me acompanhando em muitas viagens. Em quase todas, reconheço, foram bons os caminhos que trilhei… Sim! Por isso mesmo eu devo a você, meu amigo, boa parte das esperanças que conservei. Porquanto foi com você que eu aprendi a ‘soletrar’ esse mundo… Disso, eu nunca esquecerei, parceiro!

É bem verdade que já faz um bom tempo que deixei gravado nas esquinas do bairro a memória de um menino ávido para conhecer a vida. Mas ele cresceu. Tornou-se um rapaz inquieto e um homem perseverante: desses que buscam na vida algum sentido a mais, além da mera sobrevivência… E não terá sido surpresa para você, meu bom Estácio, que esse menino tenha buscado o magistério e se tornado professor de química.

Aliás, você bem sabe, ele sempre se mostrou grato aos professores que o ajudaram a formar o caráter. Talvez, pelo fato de ter estudado a vida inteira em escolas públicas, esse fosse o caminho natural: quitar essa antiga ‘dívida’, repassando o conhecimento para outras gerações.

A seguir, vieram dois casamentos, sem a presença dos desejados filhos; vieram mudanças no percurso, cidades e amigos a conquistar; vieram novos sonhos e novos desejos de família. E foi proveitosa tal insistência, pois rendeu a ele um lindo filho e uma esposa maravilhosa.

No entanto, apesar de todo o ‘chacoalhar’ dessa viagem, o certo é que ele nunca perdeu de vista as origens nordestinas. Tampouco as lembranças desse velho e querido amigo, Estácio.

Afinal, foi ali na esquina da Zamenhof que eu fui compreender a importância e o legado que vêm das ladeiras do Estácio. E caso alguém duvide, basta lembrar a linda canção de Luiz Melodia:

“Se alguém quer matar-me de amor

Que me mate no Estácio

Bem no compasso, bem junto ao passo

Do passista da escola de samba

Do Largo do Estácio

O Estácio acalma o sentido dos erros que faço

Trago, não traço, faço, não caço

O amor da morena maldita domingo no espaço

Fico manso, amanso a dor

Holiday é um dia de paz

Solto o ódio, mato o amor

Holiday eu já não penso mais…”

AS FÁBULAS E O TEMPO

Segundo consta na Wikipédia, a famosa enciclopédia coletiva do mundo digital, Esopo foi um escritor da Grécia Antiga a quem são atribuídas várias fábulas populares. A ele se atribui a paternidade da fábula como importante gênero literário. Sua obra, que constitui as Fábulas de Esopo, serviu como inspiração para outros escritores ao longo dos séculos, como La Fontaine.

Uma delas, “O leão e o rato”, abordou a questão do ‘ciclo da generosidade’ e o valor da vida em comunidade. É que o rato em questão precisou de muita ajuda e o leão o acudiu, concedendo o ‘salvo-conduto’. Por ironia, tempos depois, foi a vez do leão estar em apuros, preso em uma rede de caçadores. Com raiva e desespero, sem conseguir se soltar, ele fez a floresta inteira ouvir seus urros. Aí, foi a vez do rato aparecer e ao reconhecer o leão que poupara a sua vida, roeu as cordas com seus afiados dentes e soltou o leão…

Bem, meus amigos, uma coisa é certa: fábula é um gênero literário que nos arrebata com intensidade. Lá, isso sim! Porquanto as histórias são ligeiras e pontuais, não desperdiçando narrativas muito extensas. De quebra, comumente, elas trazem embutidas conceitos éticos e morais que são sempre apreciados pelo leitor.

Além disso, regido por esses aspectos didáticos, os educadores têm se valido desses ‘ganchos’ para ilustrarem a importância da reflexão sobre consagrados valores de vida. Sem dúvida, não há professor nesse mundo que não tenha utilizado em algum momento os exemplos das fábulas!

Lembro até que muitas vezes eu li para o meu filho algumas fábulas. Até aí, tudo bem, muitos pais fazem isso. Mas eu costumava enriquecer o imaginário dele acrescentando ‘pitadas’ de emoção. Afinal, já que era para instigar a imaginação dele, nada melhor do que uma ‘ajudinha’ caprichada, né?!

Espero, ao menos, que o Gabriel quando for pai, daqui há algum tempo, possa repassar esse maravilhoso rito aos filhos dele. Porém, devo confessar: tenho receio de que ele exagere na ‘adaptação’ aos tempos digitais modernos e incorpore um monte de loucuras que a gente tem visto nas redes sociais desse mundo contemporâneo… Vai saber?!