Hoje eu acordei com saudades do meu Ceará. Mas não do Ceará que fica no nordeste brasileiro. Não, meus amigos. Na verdade, eu acordei saudoso de um Ceará que a gente carrega no peito. Com muito orgulho e alguma teimosia, vá lá… Saudades daquele Ceará atávico, que insiste em visitar às nossas lembranças mais remotas. Ah, se todo o nosso país pudesse encarnar o amor que o nordestino tem por sua terra e por sua gente… Quem sabe as coisas fossem mais fáceis?!
É que nesses tempos de crises, em que ‘aceitamos’, inadvertidamente, que dividam nosso país e nossas convicções, que nos arrastem para insanas manifestações de radicalismos de lado a lado, eu me pergunto: precisamos disso?! É assim que retomaremos nosso destino?
Pois é. Nessas horas é que eu percebo o quanto ‘eles’ insistem em falar por nós. Falar sem nossa autorização à medida que não outorgamos a ninguém o direito de nos separar dos outros irmãos. E foi por tudo isso que eu me lembrei de Elomar e de sua maravilhosa canção “O canto do guerreiro Mongoiô”. Céus, que maravilha. E reconheço: ele sim entoou o canto de todos nós, guardado no peito. E esse canto, ah, eu assino embaixo!
“Um dia bem criança eu era / Ouvi de um velho cantador / Sentado na Praça da Bandeira / Que vela a tumba dos heróis / Falou do tempo da conquista / Da terra pelo invasor / Qui em inumanas investidas / Venceram os índios mongoiôs / Valentes mongoiôs!”
“Falou de antigos cavaleiros / Primeiros a fazer um lar / No vale do Gibóia no Outeiro / Filicia, Coati, Tamanduá / Pergunto então cadê teus filhos / Os homens de opinião / Não dói-te vê-los no exílio / Errantes em alheio chão.”
“Nos termos da Virgem Imaculada / Não vejo mais crianças ao luar / Por estas me bato em retirada / Vou ino cantar em outro lugar / Cantá pra não chorar…”
“Adeus vô imbora do rio Gavião / No peito levarei teu nome / Tua imagem nesta canção / Por fim já farto de tuas manhas / Teus filtros, tua ingratidão / Te deixo entregue a mãos estranhas / Meus filhos não vão te amar não / E assim como a água deixa a fonte / Também te deixo pra não mais / Do exílio talvez inda te cante / Das flores a noiva entre os lenções / Dos brancos cafezais”.
Adeus, adeus meu-pé-de-serra / Querido berço onde nasci / Se um dia te fizerem guerra / Teu filho vem morrer por ti!”
A saga nordestina, como se sabe, é carregada de muita dor e sofrimento. Uma triste sina, que somente o tempo poderá aplacar tamanha injustiça. Por isso, eu quero lembrar aqui algumas poesias, oriundas dos cordéis. E assim, fazer tantas ‘expiações’ quanto a imaginação for capaz de tecer. Confiram:
Reflexões nordestinas
(Catulo da Paixão Cearense)
Oh! Que saudade
Do luar da minha terra
Lá na serra branqueando
Folhas secas pelo chão
Esse luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão
(Catulo da Paixão Cearense)
Se Deus me ouvisse com amor e caridade,
Me faria esta vontade – o ideal do coração!
Era que a morte, a descantar, me surpreendesse,
E eu morresse numa noite de luar, no meu sertão!
(Patativa do Assaré)
Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrê
Não nego meu sangue, não nego meu nome.
Olho para a fome, pergunto: que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará!
