BERIMBAU E A PEQUENA CRUZADA

Naquela esquina imperava um rigoroso código de silêncio, minha gente. Aliás, não somente silêncio mas também de anuência explícita. Até porque, os que discordavam eram sumariamente discriminados pela turma da Zamenhof. Paciência. Assim era o Estácio nas décadas de 60, 70 e o início dos anos 80.

O fato é que havia ‘anuência’ da parte de todos. E o sujeito que quisesse ‘aparecer’, por certo, tinha que ser muito corajoso. Sim! Uma vez que a fiscalização era disseminada de modo intenso e invasivo. Desse modo, ninguém se arriscava a cometer qualquer deslise, sob pena de ser ‘banido’ do Estácio.

Há relatos de casos de insubordinação aos ‘combinados’ que apontam até para morte, como foi o caso do “Antônio Cabeleira”. Segundo consta, ele havia se enrabichado pela mulher do delegado do bairro. Daí, já viram, né? Um determinado dia ele foi cercado por alguns capangas e tomou uma tremenda surra. Só que dias depois ele foi visto entrando no Edifício Esperanto, bem na esquina da Zamenhof. Ainda que tentasse disfarçar com óculos escuros e chapéu Panamá, sempre há alguém que comenta e passa o serviço.

O que se soube é que foram seis tiros certeiros, a maioria no rosto. E “Antônio Cabeleira” agonizou na Sampaio Ferraz, bem em frente ao Bar Três Amigos. Lá dentro, ninguém comentava nada, como se não tivesse ocorrido o delito. Tão-somente. A vida parecia continuar tudo igual, com acaloradas discussões sobre futebol e o Fla-Flu do domingo…

Mas o que queria contar é sobre o companheiro Berimbau. Afinal, pelo que eu sei, ele foi o primeiro daquela imensa turma que assumiu o vício do ‘cigarrinho do capeta’. Seus olhos estavam sempre marejados e a visão distante, muito longe, acompanhava o sorriso sem sentido. O certo é que havia na turma insistentes comentários sobre essa ‘fraqueza’ dele. Tinha gente que até propunha a expulsão dele do grupo, pois consideravam má influência.

No entanto, meus amigos, a vida tem lá os seus caminhos e a forma de acomodar os fatos de um jeito mais eficiente. Assim é que não tardou muito e Berimbau começou a sofrer ‘esculachos’ pela turma da 18ª Delegacia Policial, da Praça da Bandeira. Toda hora passava uma viatura que, ao avistar o Berimbau, encurralava o sujeito na parede e o revistava dos pés à cabeça. Tapas e ameaças sempre aconteciam nesses encontros. Por conta disso, Berimbau tomou um ‘chá de sumiço’ e durante mais de um ano ninguém teve notícias dele. Sumiu!

Contudo, por ironia do destino, não é que o irmão mais velho de Berimbau, comissário de polícia no Leblon, foi promovido a Delegado e assumiu a 18ª? E o pior de tudo é que coube ao Berimbau ‘demonstrar’ a mudança de postura que a nova direção policial queria imprimir. Berimbau passou a alardear os malefícios do ‘cigarrinho maldito’, declarando-se ‘convertido’. Andava até com uma Bíblia debaixo do braço, conclamando todos daquela esquina para comparecerem ao culto das 20 horas na Igreja São Joaquim…