OUTROS TEMPOS

Dizem que as criaturas, por mais dóceis que sejam, já tiveram uma fase ‘carbonária’ em algum momento da vida. Depois disso, é claro, elas navegam por mares mais plácidos e a vida segue outro ritmo. Pois é. Talvez isso seja um processo natural de amadurecimento, visto que até mesmo no reino animal a gente verifica esse comportamento. Vai saber?!

De certo modo, eu tenho a impressão de que ocorre situação semelhante na música. Porquanto a maturidade musical, muitas vezes, acaba sucedendo os ‘ímpetos juvenis’, criando assim interpretações mais serenas, intimistas e pessoais…

Portanto, para que não paire nenhuma dúvida sobre o meu gosto musical, eu trago hoje no cardápio, à guisa de ilustração, o exemplo do nosso extraordinário pianista Thelonious Monk. Ah, minha gente, como se diz lá no meu Ceará: vixe… eta cabra bom! Guerreiro!

É bem verdade que o disco em questão, intitulado “Underground”, possui dois aspectos que podem nos induzir ao erro. Primeiro pela capa do disco que, conforme pode ser vista, é a representação do pianista ‘guerrilheiro’. Literalmente. Depois, pelo disco em si: lindo, suave e harmonioso. Um verdadeiro contraste. Em algumas faixas, por exemplo, surge o sax tenor de Charlie Rouse com doces variações sobre os temas propostos por Monk. Além disso, temos uma faixa vocal bônus, com Jon Hendricks, “In Walked Bud”. Arrebatadoramente bela!

Então, pelo sim ou pelo não, meus amigos, aguerrido que fui em outros tempos, eu levanto um brinde ao ímpeto de Monk, que nunca fez concessões ao mundo comercial. Sim! Ele conseguiu se manter íntegro na linha musical escolhida, gostem ou não os senhores donos dos ‘estabelecimentos’.

De uma coisa eu tenho certeza: se ele vivesse em São Paulo ou Rio de Janeiro, ah, por certo nos diria sem medo: “é nóis, mano!”

HERANÇAS  COMPARTILHADAS

Lembro que em 2001 eu ainda fumava: céus, que maldição foi aquela?! E morava na bela Lagoa da Conceição, aqui em Florianópolis. Por sinal, tinham completados quatro anos que eu havia me mudado do Rio de Janeiro para essa ilha paradisíaca. Na bagagem, reconheço, além de muitas dores pelo fim do casamento, eu carregava também fortes esperanças em me redimir. Porquanto, no fundo, a gente sempre imagina que os caminhos serão alvissareiros e que atravessaremos todos eles com eficiência e galhardia.

Não é que passados dois anos, sem querer, eu encontrei o grande amor da minha vida?! E com ela pretendo viver o resto dos meus dias. Ah, não sem antes trazer ao mundo um lindo e desejado filho. O filho que tanta falta me fez nos dois casamentos anteriores. Pois é. O amor, pelo visto, resolveu me oferecer uma terceira chance e me presenteou com a chegada de Gabriel, ainda que não atinasse para o que isso representaria em minha vida. Somente aos poucos eu fui percebendo que aquela criança iria mudar o mundo. Ao menos, o meu mundo!

Logo de cara, ele me fez parar de fumar. Sim! Afinal, era perceptível que se eu quisesse acompanhar a vidinha dele por um longo tempo, por certo, não conseguiria sendo fumante. O que eu não sabia era que a força do amor por um filho fosse capaz de retirar de mim tamanho apego tabagista. Representou o primeiro sinal de uma nova vida…

O diabo é que a gente não recebe da cegonha o ‘manual de instruções’. Daí, então, apanha um bocado na criação dos filhos. Paciência. Mas, se por um lado a gente comete uma infinidade de enganos na educação deles, por outro, vale a pena deixar aflorar os sentimentos escondidos nos escaninhos da paternidade. Isso porque, a eterna luta entre o ‘discurso’ e ‘prática’ acabam encontrando as soluções para cada embate.

De fato, eu acredito que errei bem mais do que acertei na educação do Gabriel. É algo que eu consigo perceber agora. Contudo, também percebo que a natureza humana é generosa o suficiente para ‘perdoar’ os deslises cometidos. Tanto é verdade, que hoje em dia, no auge dos seus 20 anos de idade, constato que ele se tornou uma criatura muito interessante. Dessas que dão orgulho em participar na trajetória dele. Aliás, um velho amigo, certa vez me sentenciou: “os filhos não são nossos, Carlos. São do mundo! E não há muito o que fazer por eles. Basta apenas não atrapalhar o caminho escolhido…”

Sendo assim, meus amigos, de um jeito ou de outro, acertando aqui e errando acolá, o que eu posso dizer é que o conterrâneo Ednardo tinha razão. Na peleja dessa vida, Gabriel haverá de encontrar os parceiros certos para todas as empreitadas. E aprenderá a estabelecer com as relações a confiança para conduzir o seu valioso destino. “Não temas, minha donzela / Nossa sorte nessa guerra / Eles são muitos / Mas não podem voar…”