Há quem faça pouco caso sobre as premissas básicas da psicanálise. Principalmente, no que diz respeito às repetições de modelos dos pais. Até aí, nada demais. Eu também devo ter incorrido nessa postura em algum momento da vida. Quem sabe acreditando ser exagerada a ideia de que os filhos buscam repetir a figura dos pais?
Contudo, quanto mais a gente vive, mais consegue perceber o valor dessa premissa. E não estou aqui fazendo nenhuma contestação ao modelo paterno que herdei. Não! Como já nos disse Caetano – ‘cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Por isso mesmo, deve dar conta das suas heranças e pendências. Até porque, esse legado será carregado nas costas por muito tempo. Porquanto essa estrada, para alguns, pode ser longa. E algumas vezes, até traiçoeira. Afinal, ela consegue ‘tramar’ contra o nosso destino. Vai saber…
No fim das contas, a verdade é que não há nada errado nesse processo. O que é preciso é aprender a separar o ‘joio do trigo’. Assim, podemos tornar o percurso mais ameno e proveitoso. E nesse quesito, quando a gente não consegue mais dar conta dessa contabilidade, o jeito é apelar para a psicanálise. Sim! Somente o indefectível ‘divã’ poderá nos conceder o salvo conduto. Fazer o quê?!
É bem verdade que essa escolha nos cobrará um alto preço a pagar. O diabo é que a moeda utilizada não pode ser lançada em nenhuma planilha contábil. A partir daí, embarcado nessa nau redentora, ah, ninguém escapa ileso dos embates da terapia. Pois a prestação de contas se arrasta por um longo tempo. Só depois disso é que receberemos o alvará de soltura. Ou a ‘carta de alforria’, como preferem alguns amigos.
Aliás, vejam vocês, foi assistindo ao belíssimo filme italiano, intitulado “Já era hora”, que eu pude compreender algumas questões desse tema. O filme é surpreendente e nos arrebata desde o início da história, minha gente. É que ao mesclar fantasia e realidade em prol de uma história diferente, o espectador é convidado a se deixar levar pelo enredo. Então, seduzido por isso, quando menos espera, ele acaba sendo raptado. Raptado pelo delírio da proposta do filme. Raptado pelo desempenho dos atores. Até mesmo pelo final da história, que a gente consegue prever, mas que, ainda assim, endossa sem reclamar…
No final do filme, devo confessar que me senti bastante emocionado. Sim! Fiquei tocado pela história habilmente narrada, porque me dei conta de que a minha relação com meu pai viveu situações parecidas. De fato, houve época em que eu admirava profundamente os pensamentos dele. Por outro lado, também houve momentos em que eu o contestei dos pés à cabeça. Tudo bem que isso não é algo inédito. Muitos outros filhos trilharam estradas semelhantes. Porém, eu me refiro a intensidade dos nossos movimentos. É que a nossa relação de pai e filho ainda hoje encontra dificuldades, apesar das nossas idades. Por certo, há muito amor presente, bem como lealdade. Porém, vivemos alguns períodos de afastamentos por conta dos nossos temperamentos.
O que eu posso dizer é que meu pai completará, em junho próximo, o seu centenário de vida… Céus, 100 anos é para poucos. Muito poucos! E em julho, eu completarei 72 anos. Com isso, seguramente alguém perguntará: “Carlos, com toda essa idade em pauta, ainda há tempo para desavenças?”
Pois é. Não devia. É claro que não devia. De minha parte, eu asseguro: não haverá mais!
Toda essa trajetória me fez lembrar a primeira vez que subi em uma roda-gigante. Na época, eu devia ter uns doze ou treze anos de idade. Foi no Tívole Park, que ficava na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Lembro bem que eu estava muito receoso, com mãos trêmulas e o coração disparado. No entanto, cada vez que a roda-gigante subia mais um pouquinho, apesar do medo, ah, mais feliz eu ficava. Até que cheguei ao topo e descobri que a vista era deslumbrante. Descobri também que o meu olhar sobre o ‘mundo’ podia mudar a cada momento. E essa percepção foi absolutamente arrebatadora. Já que, no fim das contas, assim é a vida!
Foto: A famosa roda-gigante de Londres, “London Eye”.
