BAÚ DE MEMÓRIAS

Holdemar Menezes, meu querido tio, deixou muitas saudades. E, de quebra, deixou também memoráveis histórias. Lembro que certa vez o ‘nego velho’ sentou-se na confortável poltrona que existia no escritório de sua casa para me contar como o poeta Manuel Bandeira criou o antológico poema “Pasárgada”. Aliás, Holdemar era uma dessas criaturas de voz serena e pausada, sempre disposto a um gostoso papo literário. Falava como se tivesse a absoluta certeza de que eu me emocionaria com a história. O pior é que ele tinha razão. Sempre! Contou-me, então, que Manuel Bandeira ainda era adolescente e aluno de grego no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, quando o ‘tema’ surgiu. Numa determinada aula, o poeta ficou encantado em saber que Ciro, fundador do Império Persa, possuía uma cidadezinha onde passava os verões. Daí, o imaginário do poeta iniciou a construção… Bem, eu não asseguro se foi exatamente assim que ocorreu a criação, mas, convenhamos, isso pouco importa. O certo é que até hoje eu acredito nessa ‘bela história’ e repassei esse legado aos meus alunos. Então, quem quiser que conte outra!

Verdade é que eu não tenho uma “Ciropédia” nem uma “Pasárgada” para passar os verões da minha vida, mas possuo Florianópolis, que suplanta muitas cidades do mundo. Ah, lá, isso é verdade! Isto aqui, meus amigos, é um paraíso abençoado, capaz de saciar os olhos de qualquer criatura ávida pelos verdes das encostas e do azul profundo do mar. Esta ilha, tão cantada em verso e prosa, tornou-se o meu ‘porto seguro’. Mais do que isso: tornou-se o meu “Farol de Alexandria” e a “Pasárgada” que tanto sonhei. Floripa mantém igual encantamento e magia narradas pelo poeta, e recebe a todos com um brilho inigualável estampado no ar. Ilha feiticeira, imponente e orgulhosa. Ilha da mulher rendeira e do pescador solitário de hábitos simples. Por onde quer que se ande, encontra-se uma gente feliz e sorridente. Indiferentes ao progresso, à agitação dos grandes centros, mas nem por isso menos sábios no ‘sentir’. Oxalá eu possa viver cem anos, feito o meu pai, só para acompanhar a sua indisfarçável beleza! Ao menos, tomara que a vida conserve minhas pernas sempre saudáveis para que eu possa tomar a orla da Lagoa da Conceição e me deliciar com poente ensanguentado, tombando logo após as dunas…

Manuel Bandeira nos mostrou, com orgulho, a sua imaginária cidade: “Vou-me embora pra Pasárgada / Lá sou amigo do rei / Lá tenho a mulher que eu quero / Na cama que escolherei / Em Pasárgada tem tudo / É outra civilização / Tem um processo seguro / De impedir a concepção / Tem telefone automático / Tem alcaloide à vontade / Tem prostitutas bonitas / Para a gente namorar”.

É, meu querido poeta, sorte a sua. E sorte a minha, pois também tenho ao meu lado a mulher que eu quero… Isso é bom demais! Talvez, para ser mais fiel e justo, eu devesse festejar ao seu estilo: “Montarei em burro brabo / Subirei no pau-de-sebo / Tomarei banhos de mar! / E quando estiver cansado / Deito na beira do rio / Mando chamar a mãe-d’água / Pra me contar as histórias / Que no tempo de eu menino / Rosa vinha me contar… / E quando eu estiver mais triste / Mas triste de não ter jeito / Quando de noite me der / Vontade de me matar / Vou-me embora pra Pasárgada / Lá sou amigo do Rei”.

Por tudo isso, meus amigos, eu festejo a lembrança desse maravilhoso tio Holdemar, bem como desses versos eternos do nosso poeta maior. Abençoados sejam!

Manuel Bandeira (RECIFE, abril de 1886 — RIO DE JANEIRO, outubro de 1968)

Holdemar Menezes (ARACATI, dezembro de 1921 – FLORIANÓPOLIS, agosto de 1996)